O caminho espiritual tem que ir longe,
ir para a altura e para a profundidade,
e tem que ser abrangente: para poder abranger,
para poder ser superior,
para poder ser profundo.
E tudo começa pelas coisas simples.
Como fazer tudo isso de uma maneira simples?
- sem apego
- sem intenção
Wu Jyh Cherng
“Uma árvore de
grande abraço gera-se de uma fina muda
Uma torre de
nove andares levanta-se de um acúmulo de terra
Uma viagem de
mil léguas inicia-se debaixo dos pés”
Esta última frase é muito falada pelos
taoístas porque ela diz que as grandes realizações começam a partir das
pequenas.
Nesse trecho, Lao Tse está falando de
uma maneira metafórica.
A terra é a coisa mais baixa que existe
e então podemos entender que todas as grandes realizações, todos os grandes
resultados, começam a partir das pequenas coisas.
O espiritualista procura sua meta
espiritual a partir das pequenas coisas, embora possa desejar uma árvore de
grande abraço, uma torre de nove andares, uma viagem de mil léguas.
Sempre é repetida para nós a frase de
que a prática espiritual começa a partir das coisas cotidianas. A prática espiritual nunca começa isolada da
vida.
O caminho espiritual está em cada
instante. E Caminho Espiritual, no
Taoísmo, não é aquele do “deixar-se deslumbrar pelo espírito”. Não.
O caminho espiritual começa pela
simples consciência, a consciência simples de Quem Sou Eu? O que é possível fazer? O que estou fazendo?
Sem julgamentos, sem culpas, sem
remorsos.
O não-julgamento permite que entendamos
nossos desejos, que saibamos que são desejos e que os encaramos como
desejos. Também que saibamos se3 estamos
ou não nesse momento conseguindo nos desvencilhar ou não desses desejos. Se estamos libertos. Isso é trabalho espiritual.
O primeiro passo para o trabalho
espiritual é ‘cair na real’. Sem
‘cairmos na real’, não conseguiremos começar a trabalhar espiritualmente.
Como podemos nos mudar?
Temos que saber quem somos nós. Porque, se não conseguirmos nos mudar, o que
iremos então mudar? Vamos mudar quem?
E também primeiramente temos que saber
quem somos nós para em seguida ajudarmos os outros a se mudarem.
O trabalho espiritual é transformação
interior. Transformar nossa natureza,
nossa consciência, nosso comportamento, transformar nosso ser para uma
perfeição, para uma coisa melhor.
Por isso, ‘cair na real’ é importante,
é o primeiro passo, no Taoísmo.
Depois, é preciso aprendermos a encarar
a nós mesmos de uma maneira honesta.
Nisso já se conquista o primeiro passo: estamos em paz conosco mesmo,
não temos remorsos. Sabemos quem somos e
assim estamos tranqüilos, estamos em paz.
Conquistou-se o primeiro passo que é
essa paz. A paz que Lao Tse fala no
início do Capítulo - a paz que permite a tranqüilidade interior.
A quietude interior acaba nos
permitindo ter uma consciência um pouco mais madura, uma consciência um pouco
mais lúcida, acaba por nos conceder atitudes um pouco diferentes. São mudanças.
E tudo isso começa a partir do ‘cair na
real’. Nos reconhecendo e nos aceitando
como somos, naturalmente começamos a trabalhar espiritualmente.
E isso pode e deve ser feito a cada
instante de nossa vida, em cada momento de nossa vida, de uma maneira natural e
possível.
Também não devemos cair no outro lado
quando podemos agir tudo isso de forma muito rígida ou obrigatória. Não.
Se criarmos uma pressão mental o tempo inteiro, não estaremos tendo uma
consciência lúcida. Estaremos, sim,
tendo uma consciência pesada.
O caminho espiritual, segundo o
Taoísmo, não pode ser algo insustentável, algo tão pesado que esmague nossos
ombros, nosso ego, todo nosso ser.
O caminho espiritual precisa ser
sustentável, possível.
...........................
Voltando ao texto,
Na linguagem simbólica, ‘árvore de
grande abraço’ - uma árvore bem grande; ‘torre de nove andares’ - uma torre bem
alta;’ viagem de mil léguas’ - uma viagem mais longa....... esses três símbolos
Árvore - Torre - Viagem
Representam a grandiosidade, a altura
ou profundidade e algo distante.
O caminho espiritual tem que ir longe,
ir para a altura e para a profundidade, e tem que ser abrangente: para poder
abranger, para poder ser superior, para poder ser profundo.
E tudo começa pelas coisas simples.
Como fazer tudo isso de uma maneira
simples?
-
sem apego
-
sem intenção
Por isso, Lao Tse diz:
“Quem age,
fracassa
Quem se apega,
perde”
O que é agir? O que é perder?
“Assim, o Homem
Sagrado não age, por isso não fracassa
Não se apega,
por isso não perde”
O que é não-agir? O que é não-apegar?
Não-ação é uma ação sem egoísmo.
Não-apego é uma ação sem egoísmo.
No apego, se quer tomar algo para
si. O ego é muito grande.
Na ação com intenção, se tem a intenção
de se beneficiar, de ter o seu ponto de vista, o seu julgamento, para seu
próprio interesse.
De uma maneira simples, a ação sem
intenção é uma ação sem egoísmo. Uma
atitude sem egoísmo é uma atitude sem apego, uma atitude de não-posse.
Quem não age com egoísmo, não
fracassa. Quem não se apega às coisas,
nunca perde as coisas. Se tentarmos nos
apegar as coisas, certamente as perderemos.
Se agirmos com egoísmo, certamente fracassaremos.
Por que? Porque todas as coisas que existem no mundo
estão mudando a cada momento. Tudo o que
existe na vida é impermanente e está em constante mutação.
É preciso colocar a consciência no
Vazio e deixar a vida fluir. Dessa
maneira, não se fracassa nem se perde.
Por isso, Ele diz:
“Quem age,
fracassa
Quem se apega,
perde”
“Assim, o Homem
Sagrado não age, (não age com intenção, com apego)
por isso não fracassa
Não se apega, (não
tem desejo de posse)
por isso não
perde”
E Lao Tse continua:
“Os homens, na
realização das atividades,
Sempre
fracassam em suas quase-conclusões”
Gengis Kan, Hitler, Napoleão, grandes
conquistadores, fracassaram. Fracassaram
porque agiram com ego, com egoísmo, com intenção. Não agiram com a consciência em estado de
lucidez interior, não reconheceram suas verdadeiras identidades, agiram com
ilusão.
“Cautela tanto
no fim como no princípio
Conduz à
atividade sem fracasso”
A cautela que se fala aqui não é aquela
que provém do medo.
Todas as coisas que damos valor,
cuidamos delas de uma maneira cautelosa.
Lao Tse nos fala de um sentimento atencioso e sincero de conduzirmos as
coisas. Ele nos alerta sobre o começo do
caminho espiritual.
Normalmente, a nossa tendência é
começar com muita reverência, muita sinceridade, cuidado e ardor ... mas com o
passar do tempo nos descuidamos, perdendo a disciplina e a reverência. Também tendemos a não termos uma visão
correta do ponto que queremos atingir .... e assim, com o descuido, com a
indisciplina e a falta de pureza, vamos nos desviando daquilo que queremos
alcançar. Perdemos a pureza e a
ingenuidade do coração. Isso serve para
todas as coisas.
Lao Tse nos diz para começarmos as
coisas com o coração genuíno e as terminarmos com o mesmo coração genuíno. Devemos iniciar as coisas com cautela, com
cuidado e terminá-las com cautela, com cuidado, com integridade. Não devemos deixar as coisas se desvirtuarem.
Sobre isso Lao Tse nos avisou na frase
anterior, quando disse:
“Os homens, na
realização das atividades,
Sempre
fracassam em suas quase-conclusões”
Assim também pode acontecer com o
caminho espiritual.
“Assim, o Homem
Sagrado deseja através do não-desejo”
Já no primeiro parágrafo, Lao Tse nos
dizia que perdemos a paz por causa de dois fatores: a inquietação ou a
interferência externa.
Não devemos criar desejos
interiores. A única coisa que o Homem
Sagrado quer é não ter desejos. E querer
coisas sem desejo.
Querer coisas sem desejo é um jogo de
palavras muito interessante porque fala de conceitos essenciais no
Taoísmo: não deixarmos de fazer as
coisas mas não as fazermos com intenção.
“Não valoriza
as coisas de difícil aquisição”
Tudo no mundo não nos pertence: a
montanha, o vale, o rio, o mar, o vento, a nuvem, a árvore, até nosso corpo não
nos pertence. Nada nos pertence. São coisas do mundo, do universo.
Portanto, no ato da morte do ser humano
percebemos que a única coisa que levamos para a próxima vida é o Karma. Tudo o que julgamos que é bom, não levamos
conosco. Por isso, Lao Tse nos diz para
não valorizarmos as coisas.
Qual é a diferença entre uma pedra
comum e o jade? Nenhuma. São pedras, simplesmente. Apenas que a valorização do homem em relação
a essas pedras é diferente: uma tem valor e a outra, não. Mas Lao Tse nos diz que o Homem Sagrado não
valoriza as coisas de difícil aquisição.
“Aprende
através do não aprender”
Lao Tse nos diz para sabermos aprender
mas também para aprendermos a não sermos prisioneiros do conhecimento.
Precisamos ter conhecimentos para que
esses conhecimentos possam servir como ferramentas para nós. Não para sermos prisioneiros dessas
ferramentas. Também os conhecimentos
podem ser aplicados de uma maneira muito
rígida, o que nos limita. Não
podemos deixar que os conhecimentos nos limitem. Os conhecimentos têm que nos enriquecer. E são para serem usufruídos nas mínimas
coisas do cotidiano. Devem ser assimilados, incorporados como parte
de nossa existência.
O conhecimento não é essência, o
conhecimento é ferramenta.
“Possui o que
ultrapassa a todos os homens
Para auxiliar a
naturalidade dos dez mil seres
E não encorajar
a ação.”
O realizador do Tao pode possuir
conhecimentos e ensinamentos que ‘ultrapassam todos os homens’. A pessoa pode ser grande estudiosa, grande
conhecedora do céu, da terra, do espírito, da metafísica, da essência humana,
da psique humana, da ciência moderna, o que for.
O Taoísmo é, por um lado, altamente
místico e, por outro lado, altamente filosófico. É cheio de conhecimentos. E também altamente científico. Traz muitas coisas a serem estudadas. Os mestres taoístas são pessoas muito
estudiosas.
Por isso, Lao Tse diz:
“Aprende
através do não aprender
...............................
Para auxiliar a
naturalidade dos dez mil seres”
Os conhecimentos não são para interferir
no destino das pessoas de uma maneira que fuja à naturalidade, que saída da
naturalidade. Os conhecimentos são para
nos colocar a todos no caminho da naturalidade.
Não são para driblar o destino e sim para nos integrar de uma maneira
mais sábia com o destino natural de todas as coisas.
“E não
encorajar a ação.”
O Homem Sagrado não encoraja as pessoas
a terem ação intencional. Ele passa os
conhecimentos sem artificialidade, par que as pessoas não fiquem mais
artificiais ou fiquem mais engenhosas.
Em resumo, o Caminho do Taoísmo
basicamente visa a busca de um estado do ser humano onde ele possa viver os
três princípios fundamentais:
-
a verdade, a autenticidade (ser uma pessoa verdadeira)
-
a bondade (para que cada ato nosso seja naturalmente bondoso, bom
para nós mesmos e para os outros, nos integrando a tudo e a todos
harmoniosamente)
-
a beleza, a harmonia (as coisas são belas quando são harmoniosas).
Capítulo 64
O que tem paz é fácil de manter
O que é anterior ao despertar é fácil de planejar
O que é frágil é fácil de quebrar
O que é pequeno é fácil de dissolver
Realiza-se a partir de antes da existência
Organiza-se a partir de antes da desordem
Uma árvore de grande abraço gera-se de uma fina muda
Uma torre de nove andares levanta-se de um acúmulo de terra
Uma viagem de mil léguas inicia-se debaixo dos pés
Quem age, fracassa
Quem se apega, perde
Assim, o Homem Sagrado não age, por isso não fracassa
Não se apega, por isso não perde
Os homens, na realização das atividades,
Sempre fracassam em suas quase-conclusões
Cautela tanto no fim como no princípio
Conduz à atividade sem fracasso
Assim, o Homem Sagrado deseja através do não-desejo
Não valoriza as coisas de difícil aquisição
Aprende através do não aprender
Possui o que ultrapassa a todos os homens
Para auxiliar a naturalidade dos dez mil seres
E não encorajar a ação.
......................................................................
Foto: Sítio das Estrelas, Janine
TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 64
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG
Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 19 de setembro de 1995
Transcrição e Síntese de Janine Milward
A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil
Nesta mesma Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching