o Homem Venerável termina o dia de caminhada Sem se afastar da ponderação e dos recursos.




TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 26
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG



Capítulo 26


A ponderação torna enraizado o leviano
A quietude torna governado o inquieto
Por isso, 
o Homem Venerável termina o dia de caminhada 
Sem se afastar da ponderação e dos recursos.

Embora existam maravilhas em perspectiva
Permanece quieto e naturalmente transcende

Como pode um senhor de dez mil veículos
Utilizar seu corpo levianamente sob o céu?
Ao ser leviano, perderia a raiz
Ao ser inquieto, perderia o governo.




Este Capítulo fala da importância da quietude e da tranqüilidade.

Fala de que, quando algo é pesado, é difícil de ser removido.  Quando algo é leve, é flutuante.  Quando algo é sólido, é difícil de ser balançado.

Simbolicamente, a falta desse peso refere-se à distração, à não-convicção, à contínua mudança de opinião, à fragilidade emocional e mental.

O corpo é como um reino sendo sua consciência o rei que governa este reino.

Ter a raiz forte significa ter uma consciência sólida.  Quando falta uma consciência sólida e firmemente enraizada, o corpo torna-se desgovernado.  Ou seja, com a falta do peso do governante, o reino fica desgovernado.

Como seria uma pessoa sem peso?

É como se flutuasse.

Mestre Maa nos fala das 4 atitudes que devem ser mantidas distantes.  São atitudes que demonstram falta de raiz, falta de solidez:

Mesquinharia
Ansiedade
Arrogância
Superficialidade

Um governante não pode ser mesquinho, ele tem que ser abrangente, tem que saber perder e tem que saber ganhar.  Não pode ter ansiedade.  A estabilidade de um governante imediatamente se reflete na estabilidade do reino.

Um governante ansioso torna o povo ansioso porque suas atitudes são mutáveis, instáveis e inquietas, aplica leis e recursos rápidos, muda leis e decretos um atrás do outro.  Projetos e regras do jogo são mudados a cada momento.  Costumes e valores alterados a todo momento, isso gera inquietação e instabilidade.

Por ser o governante o centro de toda a atenção e por ser uma peça-chave de toda a engrenagem chamada reino, suas atitudes são importantes.

A arrogância é uma espécie de flutuação - falta de peso -, uma emoção que não pode ser contida, como uma bola de ar dentro d’água.

O governante tem que saber se controlar e não ser arrogante.  Porque senão, pode criar uma tragédia no reino ou pode transformar-se numa arrogância coletiva.  Essa arrogância coletiva pode levar à histeria, à violência e ao fanatismo.

Um governante não pode ser superficial.  Na superficialidade, só se constrói aquilo que é visto, só são incentivados costumes superficiais, levando o país a se tornar superficial.


No campo social, no campo político, esse Capítulo pode atuar perfeitamente como um conselho para os políticos.

O Tao Te Ching é um livro altamente político.

Se prestarmos atenção, na cultura chinesa, existem três pensamentos predominantes:

O Taoísmo
O Confuncioismo
O Budismo

Dos 3 pensamentos, um deles é a-político, que é o Budismo.  O Budismo realmente não tem uma colocação política explícita, porém conseguiu influenciar políticos.

O Taoísmo e o Confucionismo têm posições políticas claras.

No Confucionismo, a posição política gira em torno de um feudalismo hierárquico e administrativo.  Diz que o debaixo tem que respeitar o que está acima.  E o que está acima tem que ter uma conduta nitidamente controlada por uma  série de princípios éticos que são fiscalizados por aqueles que estão no meio e embaixo.

O debaixo respeita o do meio; o do meio respeita o de cima.  O do meio fiscaliza o de cima, o de baixo fiscaliza o do meio.  E assim acontece o controle entre as relações dos superiores com os inferiores.

Essa é a regra do jogo que tem dominado na China desde os dois mil e quinhentos últimos anos, desde Confuncio até a recente revolução cultural.

A revolução cultural resolveu preservar a ditadura mas eliminou os códigos éticos e morais que vigoravam anteriormente, como forma de dominação e controle entre os debaixo com os de cima.

Também varreu os códigos, derrubou sos governantes do segundo escalão para baixo e incitou todos contra todos.  A ditadura permaneceu mas abalou o país socialmente.

Mas, como o valor social nunca pode ser desmanchado, na verdade, foi substituído por outro valor.  Esse novo valor social não é mais confuncionista, ou seja, o respeito pelos mais velhos, pelas pessoas mais virtuosas, passou a ser o temor por quem é mais poderoso.

Dessa maneira, elogios e reverências permanecem; permanecem dentro de uma estrutura de medo.

O Taoísmo é excessivamente democrático.

O Taoísmo trabalha na consciência.  o governante não faz a obra para si próprio.  O Homem Sagrado não governa com o coração.  O Rei é mero administrado da vontade do povo.

Nesse aspecto, o Taoísmo mostrou ser perigoso politicamente e poucas dinastias o adotaram.

O Confucionismo foi a ideologia predominante na China.


Lao Tse dá conselhos de alerta para as pessoas que estão no poder, quando diz:

Como pode um senhor de dez mil veículos
Utilizar seu corpo levianamente sob o céu?

O corpo é nosso reino.  Como podemos utilizar nossos territórios, nossos recursos naturais, de uma maneira leviana, sob o céu?  Na Terra?

Ao ser leviano, perderia a raiz
Ao ser inquieto, perderia o governo.


Visto de uma maneira mais simbólica, Lao Tse nos diz que a Consciência de uma pessoa comanda todos seus movimentos.  Veículo é movimento, é um instrumento da consciência.  Como um veículo, movimenta-se de um lado para outro.  As palavras são veículos para conduzir uma idéia, um pensamento, para manifestar a consciência do homem.  Os veículos são instrumentos que tornam a vida do homem poderosa na Terra, sob o céu, no mundo.

Se todos nós temos infinitas potencialidades de realização no mundo, nós temos a responsabilidade perante nós mesmos.

Normalmente, o que acontece é que tendemos a anular a consciência, ou seja, o espírito, e valorizamos excessivamente o poder esse poder passa a ser nocivo.


Mestre Maa diz que o coração pode ser entendido como a mente imortal do homem.  A mente do homem é o coração do homem.  Mente e emoção são os governantes do homem.

Quando um governante não está estável, as energias do Sopro Vital, as essenciais vitais não têm onde se apoiarem e nem se aglomeram.

Dessa maneira, mesmo que a pessoa, através da meditação, da prática de Alquimia, do Mantra ou de algum outro trabalho místico - captando a energia -, se a pessoa não tiver uma quietude emocional e mental, a energia que foi captada não consegue se fixar.  Não conseguindo se fixar, a energia se dispersa.

Na Alquimia, primeiramente, precisamos colher a matéria-prima.

O que é a matéria-prima?

É a lucidez interior e a energia pura.  Essa energia entra dentro de nós e se não encontrar uma quietude, é dispersada e castrada por nossa inquietação.

E se estivermos muito agitados, essa energia que entra, sairá carregada de uma emoção violenta.

Por isso, na segunda frase, Lao Tse diz:

A quietude torna governando o inquieto

Sabendo criar o silêncio interior, mantendo a estabilidade emocional e mental, automaticamente desgastamos menos energias vitais e desgastamos menos essências vitais.

As energias são menos desgastadas quando encontram emoções mais estáveis.  E isso acontece na quietude interior.

A quietude interior é exatamente o coração do homem, a raiz do seu ser.

A quietude traz equilíbrio emocional e mental.  Com o equilíbrio emocional e mental, não desgastamos nossa energia vital nem essências vitais.  Dessa maneira, temos mais saúde.

A busca da quietude é muito importante.
Muitas pessoas chamadas esotéricas não conhecem a busca da quietude interior, o silêncio interior.

Por isso, no Taoísmo, existe um processo complexo de técnicas e práticas místicas, com várias escolas, mas em todos, todos fazem uma prática da meditação do silêncio.

Podem até acontecer diferenças entre uma técnica ou outra, mas todas as escolas e práticas seguem a busca do silêncio interior.

Pode-se até não fazer nada, sem visualização, sem mentalização, sem Portal Negro, sem chaves, sem               , sem                     , sem nada.

Até mesmo, apenas se sentar, ficar lá, sem fazer nada, nada, nada, nada, nada, nada, ficar fazendo um pouco de silêncio.

Literalmente, a meditação em chinês significa Sentar no Silêncio.  Entra, senta dentro do silêncio.

Não é o silêncio que entra dentro de você, é você que entra dentro do silêncio.

Na meditação, não nos emocionamos, não nos movimentamos, não movimentamos nosso corpo, o corpo deve ficar parado, a mente parada, ficamos quietinhos.

Temos que ficar quietinhos.


Pergunta:  O que significa ‘ponderação’, que aparece na primeira frase? (referindo-se ao texto).

Cherng:  Voltando ao texto, a ‘ponderação’ é uma coisa ponderada.  Devemos ser mais lentos, não tendo pressa.  O mesmo que eu falava no início, quando sentirmos o impulso de fazermos alguma coisa, devemos ponderar, sem termos pressa.  Devemos ter calma, devemos cultivar esse valor.  A ponderação tem esse valor.

O silêncio é prática.

A ponderação torna enraizado o leviano

O leviano é o sujeito mesquinho, pretencioso, arrogante e superficial.


A ponderação torna enraizado o leviano
A quietude torna governando o inquieto
Por isso, 
o Homem Venerável termina o dia de caminhada 
Sem se afastar da ponderação e dos recursos.

Estamos, então, em frente a dois pontos:

Lao Tse nos diz que temos que ter a prática.  A prática espiritual é para ser feita, feita em cada momento do dia, em cada momento de nossa vida.

A prática da meditação tem que acontecer todos os dias.

Por isso, Lao Tse diz que o Homem Superior termina sua caminhada do dia.  Todos os dias, Ele caminha.  A meditação é diária.

Sentar e meditar é uma prática mística.  O caminho é diário.

O Homem Superior termina o dia de caminhada.  Ele conclui sua obra.

Como podemos concluir uma obra?  Como podemos concluir uma caminhada?

Caminhando.

Esse foi o primeiro ponto que Ele mencionou: a prática diária da meditação.


O segundo ponto é:

Só concluímos nossa caminhada se tivermos uma meta.  Chega-se a uma meta, porque se caminhou. 

Se não sabemos para onde vamos e qual caminho tomar, não vamos terminar nossa caminhada do dia.

Também se tivermos uma meta e não praticarmos, não chegaremos a atingi-la.

Com a CONSCIENCIA do que queremos fazer, e PRATICANDO, com certeza iremos concluir nossa meta.

Por isso, Ele diz:
 Por isso, 
o Homem Venerável termina o dia de caminhada 
Sem se afastar da ponderação e dos recursos.


Na prática da Alquimia, Recursos e Ponderação são dois elementos:

Recurso - é o Sopro Uno do Céu Anterior, é a energia da Consciência Pura.

A energia pode atuar em diferentes níveis.

A energia de uma pessoa pode ser uma energia dispersa, confusa.

Como também pode ser uma energia concentrada, compacta.

Quando a Consciência é única e definida, a energia também é definida.

Quando a consciência da pessoa é dispersa, confusa, a energia também é dispersa e confusa.

É impossível termos uma consciência concentrada se a energia está espalhada em mil outras energias, cheia de momentos de alternância.  

Por isso, o Homem Superior termina o dia de caminhada sem se afastar da ponderação e dos recursos.

Sem se afastar da energia única, genuína e pura.

E essa energia só se manifesta quando nossa consciência tem uma prioridade, uma meta definida, centralizada, com uma diretriz.


Ponderação - ponderação é saber controlar a gradação da nossa concentração, da nossa intensidade da busca.  Sem ponderação, ou somos dispersos ou somos fanáticos.

É preciso que acreditemos no Caminho do Tao para podermos ser taoístas. 

Sem a ponderação, no entanto, podemos um momento acredita e em outro momento, não acreditar.

Com a dispersão, não conseguimos os recursos, ou seja, a energia não concentra, não temos forças.

Assim, são tão importantes a ponderação e os recursos.

Só teremos recursos, se tivermos ponderação.

Por isso, 
o Homem Venerável termina o dia de caminhada 
Sem se afastar da ponderação e dos recursos.

Ele fala de se ter uma meta equilibrada, com toda a energia voltada para essa meta e que essa meta seja constantemente praticada para se poder  realmente alcançar sua realização.

Sem isso, a nossa vida é constantemente ou uma confusão ou um conflito.  Conflito conosco mesmos, ou com os outros, com o radicalismo elevado a extremos, com dispersão em excesso, não realizando nada, acabando morrendo na velhice sem termos feito exatamente nada.

Dessa maneira, Ele fala da importância da ponderação.


Na prática da Alquimia, a ponderação é também chamada de Gradação do Fogo.  Ao se cozinhar, não se usam vários graus de temperatura do fogo?  Isso se chama Gradação do Fogo.


Embora existam maravilhas em perspectiva
Permanece quieto e naturalmente transcende


Lao Tse nos fala da importância de não nos dispersarmos por causa das perspectivas e maravilhas que aparecem na nossa vida.

Não devemos nos sentir seduzidos pelas maravilhas do mundo, para permanecermos na quietude e assim, naturalmente, transcendermos essa sedução externa.  Não devemos ignorá-las, apenas não sermos  ‘pegos’.

Mestre Maa sempre nos diz uma coisa:
1) Devemos manter a consciencia do meio, para que nossa consciência não seja seduzida pelas coisas de fora; para não perdermos a quietude.

2) Não devemos chamar a atenção das outras pessoas sobre nós.  Devemos ser sempre invisíveis, devemos nos tornar menos evidentes, devemos ser mais discretos.


Por isso, Lao Tse diz:

Como pode um senhor de dez mil veículos
Utilizar seu corpo levianamente sob o céu?
Ao ser leviano, perderia a raiz
Ao ser inquieto, perderia o governo.

O corpo é o reino.  O coração é o governante.  Uma pessoa que não tem peso no corpo, torna-se flutuante e naturalmente esse corpo não é mais governado.

Esse foi o Capítulo de hoje.



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FOTO: SÍTIO DAS ESTRELAS, Janine

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 26
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil, 
Rio de Janeiro, em 10 de janeiro de 1995

Transcrição e Síntese de Janine Milward


A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng, 
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se 
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching



O Caminho se orienta por sua própria natureza.

Image Credit: NASA/SDO
http://www.nasa.gov/content/first-notable-solar-flare-of-2015/#.VLZV-9LF9mY



TAO TE CHING - O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 25
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

CAPÍTULO 25

Há algo completamente entorpecido
Anterior à criação do céu e da terra
Quieto e êrmo
Independente e inalterável
Move-se em círculo e não se exaure
Pode-se considera-lo a Mãe sob o céu

Eu não conheço seu nome
Chamo-o de Caminho
Me esforçando por denominá-lo, chamo-o de Grande
“Grande” significa Ir
“Ir” significa Distante
“Distante” significa Retornar

O Caminho é grande
O céu é grande
A terra é grande
O rei é grande
Dentro do universo há quatro grandes e o rei é um deles

O homem se orienta pela terra
A terra se orienta pelo céu
O céu se orienta pelo Caminho
O Caminho se orienta por sua própria natureza.





No Capítulo 25, Lao Tse volta a falar sobre o próprio Tao, sobre as características do Tao, de que maneira o homem se situa diante do Tao, como vive-lo e como realizá-lo.

Na primeira parte, fazendo uma descrição, ele diz assim:

“Há algo completamente entorpecido
Anterior à criação do céu e da terra
Quieto e êrmo
Independente e inalterável
Move-se em círculo e não se exaure
Pode-se considera-lo a Mãe sob o céu”

Lao Tse faz uma determinação sobre a natureza do Tao. O Tao, aqui traduzido como Caminho, é o Absoluto. Qual é a característica do Absoluto. O Absoluto é aquele que não pode ser alterado. Ele é completamente independente, se movimenta em círculos e não se exaure. É a mãe de todas as coisas. É esse algo que é anterior a todas as coisas, que não precisa de nada para complementá-lo, que não pode ser alterado por nada, que não pode ser desvirtuado por nada. É aquele que cria e é anterior à existência do microcosmo e do macrocosmo. É anterior ao céu e à terra.

Sendo anterior ao céu e à terra, no texto do I Ching é chamado de Céu Anterior ou Anterior do Céu.

Sua característica é uma espécie de algo entorpecido.

Na prática mística, uma pessoa consegue experimentar a experiência do Tao. A pessoa se encontra com algo ao qual se integra, se une com esse algo de característica caótica e entorpecida. É como se fosse aquele estado de embriagues que não chega ao extremo, um estado caótico, um estado de perda de noção do tempo, do espaço, do físico... A pessoa entra num estado que chamamos de caos primordial, onde não há diferenciação e não há a separação das coisas. É como se fossem várias latas de tinta de diferentes cores puras misturadas e que, ao serem mexidas, fica tudo tão misturado que não se pode definir exatamente onde ficam o amarelo, o vermelho, o azul, o verde, o branco...

Por isso, Ele usou o termo ‘entorpecimento’: o sujeito entorpecido perde a noção do tempo, do espaço, do físico, das limitações. O sujeito sai das limitações da definição individual ou coletiva, sai das fronteiras do eu e dos outros, o ego se dissolve e tudo se torna o Um que não pode ser definido.

Esse estado de ‘embriaguês’, de ‘entorpecimento’, não pode ser definido exatamente. Na prática da meditação, é chamado de estado do caos primordial.

O Tao em estado latente é uma espécie de caos primordial onde todas as coisas se encontram potencialmente. Todas as coisas no estado do Tao são indivisíveis, indefiníveis e inseparáveis.

Existe um outro texto taoísta que se intitula “O Tratado da Transparência e da Quietude Permanentes” que, logo no princípio, diz que o Grande Caminho não tem forma, não tem sentimento, não tem nome.

Quem encontra o Tao, o Absoluto, não pode atribuir-lhe um nome. Não pode dizer que o Tao é uma coisa quadrada, por exemplo. Quadrado é nome, quadrado é linguagem. O Tao está além da possibilidade da linguagem. Também não se pode dizer que o Tao é uma espécie de sentimento alegre. Alegria é uma linguagem, não uma linguagem verbal mas uma linguagem sentimental. Não uma linguagem racional mas é uma linguagem emocional. E é uma linguagem. O Tao não tem sentimento. Ele não é um sentimento porém possui caoticamente em si todos os sentimentos. E não sendo nenhum deles, dEle podem nascer todos os sentimentos: o sentimento da ira, o sentimento da compaixão, o sentimento da alegria, o sentimento da tristeza... mas o Tao não é nenhum deles e não se limita a nenhum deles, ou seja, o Tao não se limita a nenhuma linguagem.

A linguagem racional normalmente é expressa através da palavra, da escrita, das idéias e conceitos. Existe a linguagem emocional que são os sentimentos, as emoções, as sensibilidades. Existe a linguagem física que são as expressões que formam imagens, imagens abstratas ou imagens concretas.

Enfim, todas as coisas imagináveis ou inimagináveis do universo são linguagens. O universo é a composição de todas as linguagens. Sendo a junção de todas as linguagens, o universo é auto-pro-criador, todo o tempo algo está nascendo e algo está morrendo. Tudo no universo a cada instante é ao mesmo tempo um nascimento e ao mesmo tempo uma morte e ao mesmo tempo é a vida. E durante.

Todas as formas do universo estão sempre em constante renovação e em constante morte. O universo é a soma de todas as linguagens e ao mesmo tempo todas as linguagens que existem dentro do universo estão em constante modificação. A linguagem também não é permanente.

Por isso, o I Ching tem o nome de Livro das Mutações porque fala exatamente que o universo está em constante modificação.

Todas as linguagens fazem parte da constante mutação do universo que é composto do céu, da terra, do homem e de todos os seres. E todos os seres, todos os homens, todas as terras e todo o céu estão em constante mutação: são impermanentes.

O Absoluto, por ser inalterável e independente como o caos primordial, não pode ser interpretado ou delimitado ou limitado através de quaisquer linguagens. Ao mesmo tempo, esse caos abraça todas as linguagens. Mesmo em constante transformação, esse caos abraça e inclui em si todas as linguagens de uma maneira não distinguível e não definível.

Por isso, Ele diz que
“Há algo completamente entorpecido”

“Anterior à criação do céu e da terra”

Isso é o Tao, o Tao em estado latente que nós chamamos de “O Caminho do Céu Anterior”, o Tao do Céu Anterior.

O céu e a terra que são criados pelo Tao são chamados de “O Caminho do Céu Posterior, o Tao do Céu Posterior.

Esse Céu Anterior é “quieto e êrmo”. Ele é infinitamente grande e infinitamente silencioso.

É “Independente e inalterável”. Podemos alterar todas as coisas que têm forma mas não podemos alterar a não-forma. Podemos modificar todas as imagens mas não podemos modificar a não-imagem. Podemos rasgar todos os livros mas não podemos rasgar o vazio que permite o livro existir dentro dele. Não podemos sair por aí quebrando o vazio com um pau. O vazio não se quebra... igualmente o Absoluto, o Tao, algo êrmo, quieto, independente e inalterável.

Todo o trabalho do Taoísmo é exatamente o de buscar a integração, o encontro com esse algo chamado Tao.

E o Tao, o Absoluto, não pode ser encontrado quando nos opomos a ele ou quando estamos fóra dele.

O que é oposição? É o se colocar do outro lado.

Quando nos opusermos ao Tao, não o encontramos.

No misticismo, a integração não pode ser feita de oposição. Muitas religiões colocam o divino em oposição ao humano. Quando optamos pela interpretação do Tao através da linguagem, nos opomos, estamos fóra. E estando fóra, supomos que deus é quadrado ou, na verdade, apenas pensamos assim.

Se estivermos dentro do Tao, estaremos despidos de todas as linguagens e de todas as formas. Só podemos entrar dentro do silêncio através do silêncio. Só podemos viver o vazio, nos esvaziando. Só podemos alcançar o Céu Anterior e viver o Tao como o Absoluto, se nos esvaziarmos e entrarmos no Absoluto, ou seja, o homem só encontra deus quando ele se torna deus. O homem só encontra o sagrado quando ele se torna sagrado.

Se nos opusermos ao divino, ao sagrado, nunca haverá a integração.

Vários críticos, de outras religiões, dizem que o Taoísmo é muito pretensioso, muito ousado porque quer igualar o homem a deus. Na verdade, o que queremos é nos integrar a esse deus, a esse sagrado. E só podemos encontrar deus e o sagrado quando nos tornamos deus e o sagrado. Só encontramos esse Vazio, esse Absoluto quando nos tornamos o Vazio, o Absoluto - quando nos esvaziamos.

Por isso, a nossa prática espiritual não é ousadia, é simplesmente uma compreensão das coisas, uma lucidez. Sempre trabalhamos no fundamento da quietude, no esvaziamento, no silêncio interior. Isso deveria acontecer tanto para as atividades silenciosas quanto para as atividades externas. Devemos saber viver esse silêncio interior em todos os momentos; esse vazio deve nos acompanhar enquanto estivermos falando, escrevendo, pensando, trabalhando. Tanto no estado ativo quanto no estado passivo, devemos manter dentro de nós uma quietude, um silêncio, um vazio, um ‘algo entorpecido’ que não faz a separação das coisas. Quando em atividade, temos que saber discernir o que fazer do que não fazer. É uma integração sutil.

Uma pessoa que entra nesse estado de entorpecimento, nesse estado êrmo e inalterável, tem a quietude interior ao mesmo tempo que nas atividades externas sabe distinguir naturalmente o que dever ser feito e o que não deve ser feito, não julgando de forma preconceituosa mas tendo o discernimento. Quando precisar falar em voz alta, falar em voz alta; quando precisar falar em voz baixa, falar em voz baixa; quando não tiver que falar, não falar; se tiver fome, comer; se não tiver fome, não comer. Trabalhar quando tiver que trabalhar e repousar na hora de repousar. Na atividade ou no silêncio sempre manter dentro de si a quietude. Essa quietude interior é exatamente o eixo que nos mantém em equilíbrio.

“Pode-se considera-lo a Mãe sob o céu”

‘Sob o céu’ é uma maneira erudita e poética de ver o mundo. Em chinês se diz que o melhor carro do mundo é o melhor carro sob o céu. ‘A Mãe sob o céu’ é a Mãe do mundo.

“Eu não conheço seu nome
Chamo-o de Caminho
Me esforçando por denominá-lo, chamo-o de Grande
“Grande” significa Ir
“Ir” significa Distante
“Distante” significa Retornar”

“Eu não conheço seu nome” - nem poderia, porque o Tao não tem nome.

“Chamo-o de Caminho” - essa é a diferença essencial entre o Taoísmo e as demais religiões. Enquanto as religiões usam o termo “Deus”, nós usamos Caminho.

O que é Caminho?

Caminho é um curso que só existe ao caminharmos sobre ele. Se não praticarmos o Caminho, o caminho não existe.

Para a pessoa que não vive em si a integração com o Absoluto, não existe Caminho, não existe o Tao. Dentro da linguagem ocidental para aqueles que usam o termo “Deus”, essa pessoa pode ser chamada de ‘ateu’.

Para aquela pessoa que vive essa integração e essa busca interior, existe o Caminho. O Caminho é aquele que se anda, é a própria busca. Nessa busca se encontra o Absoluto. Quando o homem aprende a viver o silêncio, está no Caminho. O Caminho é o próprio silêncio. O Silêncio é o próprio Absoluto. O sagrado, o Absoluto, o Deus, está dentro do homem que está em seu Caminho.

Não existe o Caminho se todas essas coisas não acontecerem.

Lao Tse diz que “não conhece seu nome” mas precisa dizer alguma coisa para a pessoa que ainda não alcançou esse estado do Absoluto, então chama-O de Tao. Tao significa Caminho.

Parece que Ele diz “não procure Deus, busque seu Caminho. Realizando seu Caminho, Deus estará em você”, naturalmente.

E o Tao não se chama deus porque se se chamar deus haverá de ter um nome e o Tao não tem nome.

Dentro do Taoísmo existe um termo para “deus” que é a palavra Shen e não é a palavra Tao que é claramente colocada como uma compreensão simbólica e externa de uma manifestação formal do Absoluto.

Por isso, hierarquicamente, o Absoluto não se chama deus, se chama Tao, ou seja, o Caminho.

Shen é a parte expressiva do Absoluto. É a parte visível do Absoluto, da Onipotência, do Todo manifestado e existente, ou seja, o Universo em si, o Uno em si. A consciência desse Uno, desse Um, chama-se Shen que é o espírito de todas as coisas e é representado alegoricamente como entidade.

As divindades estão na categoria do Shen. Qualquer um de nós, vivendo virtuosamente, poderá tornar-se uma divindade, um Shen ou uma manifestação do Shen.

O Rei de Jade é a soma de todos os Shen. Na linguagem simbólica e alegórica, uma pessoa que se torna uma divindade, que se torna um Shen - em linguagem ocidental, um “santo” -, passa a ser uma divindade de hierarquia inferior ao Rei de Jade. É como se fosse um ‘deusinho’ fazendo parte do grande deus. Na consciência sagrada cabem todas as consciências sagradas e todas as consciências sagradas são manifestações da consciência sagrada. Cada divindade é o Rei de Jade manifestado em forma de Santo Guerreiro, em forma de compaixão, em forma de misericórdia, em forma de justiça, em forma de demônio, tudo o que se possa imaginar.

Como todas as formas são mutáveis, todas as misericórdias podem se transformar em justiça e todas as justiças podem se transformar em misericórdia.

Na magia superior isso significa a transfiguração da divindade. A divindade é como um espelho, simplesmente reflete tudo. As divindades são simbolicamente representadas pelo ouro metafísico.

O ouro pode ser derretido e ir se modificando na forma; mas em sua natureza, sempre será ouro. O ouro pode estar debaixo da terra, pode ser uma jóia, pode ser um tesouro, pode ser unido a outro ouro mas sempre será ouro.

Como o ouro que permanece ouro sempre pode mudar de forma, o Shen - o espírito iluminado - é a consciência sagrada que pode tomar uma forma e outra forma e faz parte do grande ouro da grande consciência sagrada. Ao mesmo tempo é individual e coletiva. Como indivíduo, reflete o coletivo; como coletivo, traz dentro de si o indivíduo.

Portanto, cada divindade Shen pequena é um reflexo de um Shen puro que nós chamamos de Rei de Jade. O Santo Guerreiro e as outras divindades fazem parte - como células - da composição do Rei de Jade. O Rei de Jade tudo inclui. Dessa maneira, outras divindades que não são o Santo Guerreiro - por serem reflexos do Rei de Jade - podem se transfigurar em forma de Santo Guerreiro ou em outras divindades.

Na magia, isso se chama ‘transfiguração das divindades’. As divindades podem se transfigurar porque todas são múltiplas e unas ao mesmo tempo. o múltiplo e o uno são as partes manifestadas e visíveis do Tao.

A parte invisível do Tao é a Mãe de todas as coisas. É algo quieto, êrmo, entorpecido, independente e inalterável, anterior a todas as coisas.

Dessa maneira, percebemos um ponto essencial: o Tao, didaticamente, pode ser partido ao meio - o Céu Anterior e o Céu Posterior.

O Céu Anterior é a Mãe e o Céu Posterior é o Filho. O filho é o Uno que dentro de si faz nascer o múltiplo.

Teologicamente falando, o Taoísmo é matriarcal em primeiro lugar e patriarcal em segundo lugar; e múltiplo patriarcal em terceiro lugar. Diferente das outras várias religiões que trabalham com o múltiplo patriarcal em primeiro lugar e não mencionam o matriarcal.

Chamamos o matriarcal de Tao e não de ‘deusa’. Se fosse deusa seria o contrário de deus ou ao complementação feminina do deus masculino. Não se usa ‘deusa’, se usa Tao.

Para descrevermos o Tao, O chamamos de Transparência. No Taoísmo, o Absoluto está representado como a Tríplice Transparência. A transparência é o vazio e o invisível.

“Me esforçando por denominá-lo, chamo-o de Grande
“Grande” significa Ir
“Ir” significa Distante
“Distante” significa Retornar”

Imaginemos um discípulo perguntado: “Mestre, o que é o Absoluto? O que você está buscando?”.

Lao Tse responderia: “Bem, o que eu estou buscando não dá para fazer. Podemos chamar de Tao. Tao é o Caminho que devemos seguir para encontrá-lO e realizá-lO e nos tornar o próprio Tao”.

E o discípulo continua: “Mas, Mestre, seja mais objetivo...”.

O Mestre responde: “Se você precisa da linguagem, pode chama-lO de Grande”

- “O que é Grande?”

- “Grande quer dizer Ir.

- “Mas.... ir para onde?”

- “Ir no Caminho...”

- “Mas, ir, o que é ir?”

- “Ir significa Distante”.

- “O que se busca?”

- “O Caminho”.

- “O que é o Caminho?”

- “Caminhando se saberá...”

- “É longe?”

- “Longe, onde é longe?” E Lao Tse conclui: “Longe é aqui”.

Por isso, “Distante significa Retornar”.

Esses versos podem ser compreendidos em nível mais rasteiro, não como em um nível metafísico, nem como estudo filosófico ou espiritual mas apenas sendo vistos como uma orientação prática.

O Caminho do Taoísmo precisa ser praticado: “Ir”. Um caminho por onde as pessoas não andam, não é um caminho. Uma vez entrando no Caminho, vai-se longe, vai-se profundamente e se retorna para a simplicidade, para o natural.

Mestre Maa sempre diz que o taoísta deve fazer para si mesmo um grande voto, ter uma grande meta e entrar profundamente no Caminho. A grandeza deve ser de um tamanho que não possa ser descrita, deve ser infinita.

No ocidente, as pessoas são incentivadas a quererem mais e mais as coisas materiais e não a aspirarem uma grande meta espiritual. Também as pessoas são instruídas a não se compararem com deus, a sempre agirem c Omo meros mortais.

Para o Taoísmo, o homem buscar sua plenitude espiritual não é uma ousadia, uma pretensão. É, sim, natural e é um dever.

As demais religiões consideram que uma pessoa que ajuda os pobres e os necessitados, que faz trabalho de benefício social, construí templos, etc, essa pessoa é considerada de grande mérito.

O Taoísmo não vê nisso nenhum mérito. Agir assim é simplesmente natural, é o que deve ser, é um dever. Aquilo que o mundo ocidental considera como meritório, nós consideramos como nada de mais, nada de menos; e sim, como natural.

Outras coisas que as outras religiões consideram como ambição excessiva ou pretensão, nos consideramos como nada de mais, nada de menos; e sim, como naturais e inevitáveis.

Esse é o caminho da naturalidade: seguir e fazer, simplesmente.

O Taoísmo é grande como o próprio Tao: é preciso ir, ir fundo no Caminho e nem por isso se perde o retorno... Isso é ser uma pessoa comum, natural e simples. Ser natural significa retornar. Ir distante e retornar. Retornar significa viver profundamente cada gesto, cada vida, cada segundo.

O profundo não deve ser uma força separativa, que distancia, que dualiza, que opõe o homem aos outros, sem a integração entre o homem e as divindades e menos ainda sem a integração entre as divindades. Menos ainda opondo a expressão à não-expressão, a manifestação à não-manifestação, op Céu Anterior ao Céu Posterior, o Tao manifestado ao Tao não-manifestado.

Na terceira parte, imaginemos o discípulo ainda não satisfeito, insistindo: “Mestre, como encontrar esse Grande?”.

Lao Tse dá então exemplos concretos e aponta objetivamente:

“O Caminho é grande
O céu é grande
A terra é grande
O rei é grande
Dentro do universo há quatro grandes e o rei é um deles”

Grande é ir longe e ir longe é estar presente.

Como encontrar esse grande? Esse grande está no céu, está na terra, está no rei. “Dentro do universo há quatro grandes e o rei é um deles”.

O que é o rei? Na antiguidade, o rei era o dono de todas as coisas. Numa sociedade monárquica, tudo pertence ao rei. Se o rei é o dono de todas as cosias, é dono de si mesmo. rei é a consciência. o Rei comanda tudo o que acontece no reino. A consciencoa comanda tudo o que existe dentro de nós.

O rei é a consciência, a consciência verdadeira, a consciência pura que é a consciência real.

Se prestarmos atenção, perceberemos aqui a trilogia de que nos fala o I Ching: o céu em cima, a terra em baixo e homem no meio.

O homem que tem a consciência é o rei. O rei é aquele que caminha unindo o céu e a terra.

Como se escreve o Trigrama do I Ching?

________ céu
________ homem
________ terra

A linha debaixo é a linha da terra. A linha do meio é o homem. Alinha de cima é a linha do céu. O homem vive entre o céu e a terra. No I Ching, o princípio e o fim se escrevem de baixo para cima.

(Nota da Transcritora: neste ponto da Aula, Cherng escreveu no quadro alguns ideogramas em chinês indicando rei, homem, céu e terra e a união de tudo isso. Como esta Aula foi gravada em fita cassete, não me foi possível saber e transcrever esses ideogramas).

O Tao é grande, o céu é grande, a terra é grande. Tudo isso significa trabalho, fazer, ir, praticar. O rei é grande e rei significa consciência.

A consciência no Caminho que une o céu, o homem e a terra. Quem possui essa consciência é dono de si mesmo: esse é o rei.

Ao unirmos o homem, o céu e a terra, o que se forma? Um círculo que não tem princípio nem fim. Dentro do círculo estão o céu e a terra. O céu, a terra, o homem e seu caminho se encontram dentro do céu e da terra - como uma infinitude.

..........................

Na alquimia taoísta existe um termo chamado de Elixir. O elixir é o plantio e significa imortalidade. Onde se semeia imortalidade se colhe imortalidade.

Aonde se semeia imortalidade?

No encontro do homem com o Caminho, no encontro da consciência com o sopro. Por isso, Lao Tse ressaltou o rei em importância, ou seja, a consciência.

Em seguida, Ele acrescenta:

“O homem se orienta pela terra
A terra se orienta pelo céu
O céu se orienta pelo Caminho
O Caminho se orienta por sua própria natureza”

Lao Tse coloca os quatro grandes em forma hierárquica. O rei é o homem, o homem que é dono de si próprio. É o homem que tem a consciência unido o céu e a terra em seu próprio Caminho.

Como realizar este Caminho?

“O homem se orienta pela terra”, precisa aprender com a terra, aprender com a natureza, com o rio, com a montanha, com a água, com o trovão, o lago, o vento, as mudanças de clima, as estações, a vida, a morte. O homem precisa aprender com a terra e ser abrangente, receptivo, quieto e suave.

“A terra se orienta pelo céu”. O Planeta Terra se orienta pela estrela do nosso sistema solar que se orienta pela grande estrela Vega que se orienta por algo que ainda não sabemos. Tudo se orienta pelo macrocosmo.

O homem deve aprender com tudo o que acontece em seu ambiente mais natural, depois deve aprender com o céu, com as estrelas, com o tempo - nosso relógio anda de acordo com o movimento da terra e das estrelas. Deve aprender com o céu e com as estrelas assim como a terra se orienta pelo céu.

“O céu se orienta pelo Caminho”, que é o próprio Tao.

E o Caminho se orienta por si próprio, por isso Ele diz: “O Caminho se orienta por sua própria natureza”. A natureza está no homem, na terra e no céu. Ou seja, podemos, na verdade, aprender com tudo o que existe em torno de nós, podemos aprender com a vida concreta, com a metafísica e com o Tao.

Podemos aprender com a natureza incorporando a natureza em nossa vida concreta e podemos aprender com o céu incorporando-o em nossa vida concreta.

Por isso, o Taoísmo se diferencia das outras escolas e métodos de ensinamento. Dentro do Taoísmo, encontramos a prática da alquimia, a prática da magia, a prática do ritual, trabalhos devocionais, trabalhos litúrgicos, trabalhos adivinhatórios, geomancia, astrologia,. Todas as práticas místicas formam uma aglomeração bastante grande e todas seguem o Tao.

Seguindo todas as práticas místicas o mesmo princípio, você pode ser um astrólogo que estuda o céu e que ocnsegue viver em você mesmo o Tao. Você poder ser um geólogo que estuda a terra para compreender a terra. Você pode viver os ensinamentos da terra em sua vida e assim, viver o Tao. Você pode ser uma dona-de-casa, pode ser um intelectual - o que for - mas nunca deixará de viver o Tao.

O Tao está em toda a parte e não está limitado em nenhuma parte.

O Tao não é apenas encontrado através da astrologia taoísta, não é apenas encontrado pelo ritual, não é apenas encontrado pela meditação. Pode ser encontrado por tudo e não apenas encontrado pelo Taoísmo.

O Tao não é apenas encontrado pelos taoístas. O Tao pode ser encontrado por todos, em todos os lugares, em todos os tempos, de todas as formas e não se limita a nenhuma forma.

O Taoísmo é aquele que tem a tradição de falar sobre o Tao.

Qualquer tradição, através de qualquer linguagem, sempre chega ao Tao - porque o Tao está fóra da linguagem.

O Taoísmo é um instrumento místico que nos leva à busca do Tao. Mas, quem encontra o Tao não está mais dentro do Taoísmo mas também não está fora do Taoísmo: está em tudo e não se limita em nada.

...............

FOTO: SÍTIO DAS ESTRELAS, JANINE

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 25
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 03 de janeiro de 1995

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching

Foto: TAO TE CHING - O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 25
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

CAPÍTULO 25

Há algo completamente entorpecido
Anterior à criação do céu e da terra
Quieto e êrmo
Independente e inalterável
Move-se em círculo e não se exaure
Pode-se considera-lo a Mãe sob o céu

Eu não conheço seu nome
Chamo-o de Caminho
Me esforçando por denominá-lo, chamo-o de Grande
“Grande” significa Ir
“Ir” significa Distante
“Distante” significa Retornar

O Caminho é grande
O céu é grande
A terra é grande
O rei é grande
Dentro do universo há quatro grandes e o rei é um deles

O homem se orienta pela terra
A terra se orienta pelo céu
O céu se orienta pelo Caminho
O Caminho se orienta por sua própria natureza.

No Capítulo 25, Lao Tse volta a falar sobre o próprio Tao, sobre as características do Tao, de que maneira o homem se situa diante do Tao, como vive-lo e como realizá-lo.

Na primeira parte, fazendo uma descrição, ele diz assim:

“Há algo completamente entorpecido
Anterior à criação do céu e da terra
Quieto e êrmo
Independente e inalterável
Move-se em círculo e não se exaure
Pode-se considera-lo a Mãe sob o céu”

Lao Tse faz uma determinação sobre a natureza do Tao.  O Tao, aqui traduzido como Caminho, é o Absoluto.  Qual é a característica do Absoluto.  O Absoluto é aquele que não pode ser alterado.  Ele é completamente independente, se movimenta em círculos e não se exaure.  É a mãe de todas as coisas.  É esse algo que é anterior a todas as coisas, que não precisa de nada para complementá-lo, que não pode ser alterado por nada, que não pode ser desvirtuado por nada.  É aquele que cria e é anterior à existência do microcosmo e do macrocosmo.  É anterior ao céu e à terra.

Sendo anterior ao céu e à terra, no texto do I Ching é chamado de Céu Anterior ou Anterior do Céu.

Sua característica é uma espécie de algo entorpecido.

Na prática mística, uma pessoa consegue experimentar a experiência do Tao.  A pessoa se encontra com algo ao qual se integra, se une com esse algo de característica caótica e entorpecida.  É como se fosse aquele estado de embriagues que não chega ao extremo, um estado caótico, um estado de perda de noção do tempo, do espaço, do físico...  A pessoa entra num estado que chamamos de caos primordial, onde não há diferenciação e não há a separação das coisas.  É como se  fossem várias latas de tinta de diferentes cores puras misturadas e que, ao serem mexidas, fica tudo tão misturado que não se pode definir exatamente onde ficam o amarelo, o vermelho, o azul, o verde, o branco...

Por isso, Ele usou o termo ‘entorpecimento’: o sujeito entorpecido perde a noção do tempo, do espaço, do físico, das limitações.  O sujeito sai das limitações da definição individual ou coletiva, sai das fronteiras do eu e dos outros, o ego se dissolve e tudo se torna o Um que não pode ser definido.

Esse estado de ‘embriaguês’, de ‘entorpecimento’, não pode ser definido exatamente.  Na prática da meditação, é chamado de estado do caos primordial.

O Tao em estado latente é uma espécie de caos primordial onde todas as coisas se encontram potencialmente.  Todas as coisas no estado do Tao são indivisíveis, indefiníveis e inseparáveis.  

Existe um outro texto taoísta que se intitula “O Tratado da Transparência e da Quietude Permanentes” que, logo no princípio, diz que o Grande Caminho não tem forma, não tem sentimento, não tem nome.

Quem encontra o Tao, o Absoluto, não pode atribuir-lhe um nome.  Não pode dizer que o Tao é uma coisa quadrada, por exemplo.  Quadrado é nome, quadrado é linguagem.  O Tao está além da possibilidade da linguagem.  Também não se pode dizer que o Tao é uma espécie de sentimento alegre.  Alegria é uma linguagem, não uma linguagem verbal mas uma linguagem sentimental.  Não uma linguagem racional mas é uma linguagem emocional. E é uma linguagem.  O Tao não tem sentimento.  Ele não é um sentimento porém possui caoticamente em si todos os sentimentos.  E não sendo nenhum deles, dEle podem nascer todos os sentimentos: o sentimento da ira, o sentimento da compaixão, o sentimento da alegria, o sentimento da tristeza... mas o Tao não é nenhum deles e não se limita a nenhum deles, ou seja, o Tao não se limita a nenhuma linguagem.

A linguagem racional normalmente é expressa através da palavra, da escrita, das idéias e conceitos.  Existe a linguagem emocional que são os sentimentos, as emoções, as sensibilidades.  Existe a linguagem física que são as expressões que formam imagens, imagens abstratas ou imagens concretas.

Enfim, todas as coisas imagináveis ou inimagináveis do universo são linguagens.  O universo é a composição de todas as linguagens.  Sendo a junção de todas as linguagens, o universo é auto-pro-criador, todo o tempo algo está nascendo e algo está morrendo.  Tudo no universo a cada instante é ao mesmo tempo um nascimento e ao mesmo tempo uma morte e ao mesmo tempo é a vida.  E durante.

Todas as formas do universo estão sempre em constante renovação e em constante morte.  O universo é a soma de todas as linguagens e ao mesmo tempo todas as linguagens que existem dentro do universo estão em constante modificação.  A linguagem também não é permanente.

Por isso, o I Ching tem o nome de Livro das Mutações porque fala exatamente que o universo está em constante modificação.

Todas as linguagens fazem parte da constante mutação do universo que é composto do céu, da terra, do homem e de todos os seres.  E todos os seres, todos os homens, todas as terras e todo o céu estão em constante mutação: são impermanentes.

O Absoluto, por ser inalterável e independente como o caos primordial, não pode ser interpretado ou delimitado ou limitado através de quaisquer linguagens.  Ao mesmo tempo, esse caos abraça todas as linguagens.  Mesmo em constante transformação, esse caos abraça e inclui em si todas as linguagens de uma maneira não distinguível e não definível.  

Por isso, Ele diz que
“Há algo completamente entorpecido”

“Anterior à criação do céu e da terra”

Isso é o Tao, o Tao em estado latente que nós chamamos de “O Caminho do Céu Anterior”, o Tao do Céu Anterior.

O céu e a terra que são criados pelo Tao são chamados de “O Caminho do Céu Posterior, o Tao do Céu Posterior.

Esse Céu Anterior é “quieto e êrmo”.  Ele é infinitamente grande e infinitamente silencioso.

É “Independente e inalterável”.  Podemos alterar todas as coisas que têm forma mas não podemos alterar a não-forma.  Podemos modificar todas as imagens mas não podemos modificar a não-imagem.  Podemos rasgar todos os livros mas não podemos rasgar o vazio que permite o livro existir dentro dele.  Não podemos sair por aí quebrando o vazio com um pau.  O vazio não se quebra... igualmente o Absoluto, o Tao, algo êrmo, quieto, independente e inalterável.

Todo o trabalho do Taoísmo é exatamente o de buscar a integração, o encontro com esse algo chamado Tao.

E o Tao, o Absoluto, não pode ser encontrado quando nos opomos a ele ou quando estamos  fóra dele.

O que é oposição?  É o se colocar do outro lado.

Quando nos opusermos ao Tao, não o encontramos.

No misticismo, a integração não pode ser feita de oposição.   Muitas religiões colocam o divino em oposição ao humano.  Quando optamos pela interpretação do Tao através da linguagem, nos opomos, estamos fóra.  E estando fóra, supomos que deus é quadrado ou, na verdade, apenas pensamos assim.

Se estivermos dentro do Tao, estaremos despidos de todas as linguagens e de todas as formas.  Só podemos entrar dentro do silêncio através do silêncio.  Só podemos viver o vazio, nos esvaziando.  Só podemos alcançar o Céu Anterior e viver o Tao como o Absoluto, se nos esvaziarmos e entrarmos no Absoluto, ou seja, o homem só encontra deus quando ele se torna deus.  O homem só encontra o sagrado quando ele se torna sagrado.

Se nos opusermos ao divino, ao sagrado, nunca haverá a integração.

Vários críticos, de outras religiões, dizem que o  Taoísmo é muito pretensioso, muito ousado porque quer igualar o homem a deus.  Na verdade, o que queremos é nos integrar a esse deus, a esse sagrado.  E só podemos encontrar deus e o sagrado quando nos tornamos deus e o sagrado.  Só encontramos esse Vazio, esse Absoluto quando nos tornamos o Vazio, o Absoluto - quando nos esvaziamos.

Por isso, a nossa prática espiritual não é ousadia, é simplesmente uma compreensão das coisas, uma lucidez.  Sempre trabalhamos no fundamento da quietude, no esvaziamento, no silêncio interior.  Isso deveria acontecer tanto para as atividades silenciosas quanto para as atividades externas.  Devemos saber viver esse silêncio interior em todos os momentos; esse vazio deve nos acompanhar enquanto estivermos falando, escrevendo, pensando, trabalhando.  Tanto no estado ativo quanto no estado passivo, devemos manter dentro de nós uma quietude, um silêncio, um vazio, um ‘algo entorpecido’ que não faz a separação das coisas.  Quando em atividade, temos que saber discernir o que fazer do que não fazer.  É uma integração sutil.

Uma pessoa que entra nesse estado de entorpecimento, nesse estado êrmo e inalterável, tem a quietude interior ao mesmo tempo que nas atividades externas sabe distinguir naturalmente o que dever ser feito e o que não deve ser feito, não julgando de forma preconceituosa mas tendo o discernimento.  Quando precisar falar em voz alta, falar em voz alta; quando precisar falar em voz baixa, falar em voz baixa; quando não tiver que falar, não falar; se tiver fome, comer; se não tiver fome, não comer.  Trabalhar quando tiver que trabalhar e repousar na hora de repousar.  Na atividade ou no silêncio sempre manter dentro de si a quietude.  Essa quietude interior é exatamente o eixo que nos mantém em equilíbrio.

“Pode-se considera-lo a Mãe sob o céu”

‘Sob o céu’ é uma maneira erudita e poética de ver o mundo.  Em chinês se diz que o melhor carro do mundo é o melhor carro sob o céu.  ‘A Mãe sob o céu’ é a Mãe do mundo.

“Eu não conheço seu nome
Chamo-o de Caminho
Me esforçando por denominá-lo, chamo-o de Grande
“Grande” significa Ir
“Ir” significa Distante
“Distante” significa Retornar”

“Eu não conheço seu nome” - nem poderia, porque o Tao não tem nome.

“Chamo-o de Caminho” - essa é a diferença essencial entre o Taoísmo e as demais religiões.  Enquanto as religiões usam o termo “Deus”, nós usamos Caminho.

O que é Caminho?

Caminho é um curso que só existe ao caminharmos sobre ele.  Se não praticarmos o Caminho, o caminho não existe.

Para a pessoa que não vive em si a integração com o Absoluto, não existe Caminho, não existe o Tao.  Dentro da linguagem ocidental para aqueles que usam o termo “Deus”, essa pessoa pode ser chamada de ‘ateu’.

Para aquela pessoa que vive essa integração e essa busca interior, existe o Caminho.  O Caminho é aquele que se anda, é a própria busca.  Nessa busca se encontra o Absoluto.  Quando o homem aprende a viver o silêncio, está no Caminho.  O Caminho é o próprio silêncio.  O Silêncio é o próprio Absoluto.  O sagrado, o Absoluto, o Deus, está dentro do homem que está em seu Caminho.

Não existe o Caminho se todas essas coisas não acontecerem.

Lao Tse diz que “não conhece seu nome” mas precisa dizer alguma coisa para a pessoa que ainda não alcançou esse estado do Absoluto, então chama-O de Tao.  Tao significa Caminho.

Parece que Ele diz “não procure Deus, busque seu Caminho.  Realizando seu Caminho, Deus estará em você”, naturalmente.

E o Tao não se chama deus porque se se chamar deus haverá de ter um nome e o Tao não tem nome.

Dentro do Taoísmo existe um termo para “deus” que é a palavra Shen e não é a palavra Tao que é claramente colocada como uma compreensão simbólica e externa de uma manifestação formal do Absoluto.

Por isso, hierarquicamente, o Absoluto não se chama deus, se chama Tao, ou seja, o Caminho.

Shen é a parte expressiva do Absoluto.  É a parte visível do Absoluto, da Onipotência, do Todo manifestado e existente, ou seja, o Universo em si, o Uno em si.  A consciência desse Uno, desse Um, chama-se Shen que é o espírito de todas as coisas e é representado alegoricamente como entidade.

As divindades estão na categoria do Shen.  Qualquer um de nós, vivendo virtuosamente, poderá  tornar-se uma divindade, um Shen ou uma manifestação do Shen.

O Rei de Jade é a soma de todos os Shen.  Na linguagem simbólica e alegórica, uma pessoa que se torna uma divindade, que se torna um Shen - em linguagem ocidental, um “santo” -, passa a ser uma divindade de hierarquia inferior ao Rei de Jade.  É como se fosse um ‘deusinho’ fazendo parte do grande deus.  Na consciência sagrada cabem todas as consciências sagradas e todas as consciências sagradas são manifestações da consciência sagrada.  Cada divindade é o Rei de Jade manifestado em forma de Santo Guerreiro, em forma de compaixão, em forma de misericórdia, em forma de justiça, em forma de demônio, tudo o que se possa imaginar.

Como todas as formas são mutáveis, todas as misericórdias podem se transformar em justiça e todas as justiças podem se transformar em  misericórdia.

Na magia superior isso significa a transfiguração da divindade.  A divindade é como um espelho, simplesmente reflete tudo.  As divindades são simbolicamente representadas pelo ouro metafísico.

O ouro pode ser derretido e ir se modificando na forma; mas em sua natureza, sempre será ouro.  O ouro pode estar debaixo da terra, pode ser uma jóia, pode ser um tesouro, pode ser unido a outro ouro mas sempre será ouro.

Como o ouro que permanece ouro sempre pode mudar de forma, o Shen - o espírito iluminado - é a consciência sagrada que pode tomar uma forma e outra forma e faz parte do grande ouro da grande consciência sagrada.  Ao mesmo tempo é individual e coletiva.  Como indivíduo, reflete o coletivo; como coletivo, traz dentro de si o indivíduo.

Portanto, cada divindade Shen pequena é um reflexo de um Shen puro que nós chamamos de Rei de Jade.  O Santo Guerreiro e as outras divindades fazem parte - como células - da composição do Rei de Jade.  O Rei de Jade tudo inclui.  Dessa maneira, outras divindades que não são o Santo Guerreiro - por serem reflexos do Rei de Jade - podem se transfigurar em forma de Santo Guerreiro ou em outras divindades.

Na magia, isso se chama ‘transfiguração das divindades’.  As divindades podem se transfigurar porque todas são múltiplas e unas ao mesmo tempo.  o múltiplo e o uno são as partes manifestadas e visíveis do Tao.

A parte invisível do Tao é a Mãe de todas as coisas.  É algo quieto, êrmo, entorpecido, independente e inalterável, anterior a todas as coisas.

Dessa maneira, percebemos um ponto essencial: o Tao, didaticamente, pode ser partido ao meio - o Céu Anterior e o Céu Posterior.

O Céu Anterior é a Mãe e o Céu Posterior é o Filho.  O filho é o Uno que dentro de si faz nascer o múltiplo.

Teologicamente falando, o Taoísmo é matriarcal em primeiro lugar e patriarcal em segundo lugar; e múltiplo patriarcal em terceiro lugar.  Diferente das outras várias religiões que trabalham com o múltiplo patriarcal em primeiro lugar e não mencionam o matriarcal.

Chamamos o matriarcal de Tao e não de ‘deusa’.  Se fosse deusa seria o contrário de deus ou ao complementação feminina do deus masculino.  Não se usa ‘deusa’, se usa Tao.

Para descrevermos o Tao, O chamamos de Transparência.  No Taoísmo, o Absoluto está representado como a Tríplice Transparência.  A transparência é o vazio e o invisível.

“Me esforçando por denominá-lo, chamo-o de Grande
“Grande” significa Ir
“Ir” significa Distante
“Distante” significa Retornar”

Imaginemos um discípulo perguntado:  “Mestre, o que é o Absoluto?  O que você está buscando?”.  

Lao Tse responderia: “Bem, o que eu estou buscando não dá para fazer.  Podemos chamar de Tao.  Tao é o Caminho que devemos seguir para encontrá-lO e realizá-lO e nos tornar o próprio Tao”.

E o discípulo continua:  “Mas, Mestre, seja mais objetivo...”.  

O Mestre responde:  “Se você precisa da linguagem, pode chama-lO de Grande”

- “O que é Grande?”

- “Grande quer dizer Ir.

- “Mas.... ir para onde?”

- “Ir no Caminho...”

- “Mas, ir, o que é ir?”

- “Ir significa Distante”.

- “O que se busca?”

- “O Caminho”.

- “O que é o Caminho?”

- “Caminhando se saberá...”

- “É longe?”

- “Longe, onde é longe?”   E Lao Tse conclui:  “Longe é aqui”.

Por isso, “Distante significa Retornar”.

Esses versos podem ser compreendidos em nível mais rasteiro, não  como em um nível metafísico, nem como estudo filosófico ou espiritual mas apenas sendo vistos como uma orientação prática.

O Caminho do Taoísmo precisa ser praticado: “Ir”.  Um caminho por onde as pessoas não andam, não é um caminho.  Uma vez entrando no Caminho, vai-se longe, vai-se profundamente e se retorna para a simplicidade, para o natural.

Mestre Maa sempre diz que o taoísta deve fazer para si mesmo um grande voto, ter uma grande meta e entrar profundamente no Caminho.  A grandeza deve ser de um tamanho que não possa ser descrita, deve ser infinita.

No ocidente, as pessoas são incentivadas a quererem mais e mais as coisas materiais e não a aspirarem uma grande meta espiritual.  Também as pessoas são instruídas a não se compararem com deus, a sempre agirem c Omo meros mortais.

Para o Taoísmo, o homem buscar sua plenitude espiritual não é uma ousadia, uma pretensão.  É, sim, natural e é um dever.

As demais religiões consideram que uma pessoa que ajuda os pobres e os necessitados, que faz trabalho de benefício social, construí  templos, etc, essa pessoa é considerada de grande mérito.

O Taoísmo não vê nisso nenhum mérito.  Agir assim é simplesmente natural, é o que deve ser, é um dever.  Aquilo que o mundo ocidental considera como meritório, nós consideramos como nada de mais, nada de menos; e sim, como natural.

Outras coisas que as outras religiões consideram como ambição excessiva ou pretensão, nos consideramos como nada de mais, nada de menos; e sim, como naturais e inevitáveis.

Esse é o caminho da naturalidade: seguir e fazer, simplesmente.

O Taoísmo é grande como o próprio Tao: é preciso ir, ir fundo no Caminho e nem por isso se perde o retorno...  Isso é ser uma pessoa comum,  natural e simples.  Ser natural significa retornar.  Ir distante e retornar.  Retornar significa viver profundamente cada gesto, cada vida, cada segundo.

O profundo não deve ser uma força separativa, que distancia, que dualiza, que opõe o homem aos outros, sem a integração entre o homem e as divindades e menos ainda sem a integração entre as divindades.  Menos ainda opondo a expressão à não-expressão, a manifestação à não-manifestação, op Céu Anterior ao Céu Posterior, o Tao manifestado ao Tao não-manifestado.

Na terceira parte, imaginemos o discípulo ainda não satisfeito, insistindo:  “Mestre, como encontrar esse Grande?”.

Lao Tse dá então exemplos concretos e aponta objetivamente:

“O Caminho é grande
O céu é grande
A terra é grande
O rei é grande
Dentro do universo há quatro grandes e o rei é um deles”

Grande é ir longe e ir longe é estar presente.

Como encontrar esse grande?  Esse grande está no céu, está na terra, está no rei.  “Dentro do universo há quatro grandes e o rei é um deles”.

O que é o rei?  Na antiguidade, o rei era o dono de todas as coisas.  Numa sociedade monárquica, tudo pertence ao rei.  Se o rei é o dono de todas as cosias, é dono de si mesmo.  rei é a consciência.  o Rei comanda tudo o que acontece no reino.  A consciencoa comanda tudo o que existe dentro de nós.

O rei é a consciência, a consciência verdadeira, a consciência pura que é a consciência real.

Se prestarmos atenção, perceberemos aqui a trilogia de que nos fala o I Ching: o céu em cima, a terra em baixo e homem no meio.

O homem que tem a consciência é o rei.  O rei é aquele que caminha unindo o céu e a terra.

Como se escreve o Trigrama do I Ching?

________    céu
________    homem
________    terra

A linha debaixo é a linha da terra.  A linha do meio é o homem.  Alinha de cima é a linha do céu.  O homem vive entre o céu e a terra.  No I Ching, o princípio e o fim se escrevem de baixo para cima.

(Nota da Transcritora:  neste ponto da Aula, Cherng escreveu no quadro alguns ideogramas em chinês indicando rei, homem, céu e terra e a união de tudo isso.  Como esta Aula foi gravada em fita cassete, não me foi possível saber e transcrever esses ideogramas).

O Tao é grande, o céu é grande, a terra é grande.  Tudo isso significa trabalho, fazer, ir, praticar.  O rei é grande e rei significa consciência.

A consciência no Caminho que une o céu, o homem e a terra.  Quem possui essa consciência é dono de si mesmo: esse é o rei.

Ao unirmos o homem, o céu e a terra, o que se forma?  Um círculo que não tem princípio nem fim.  Dentro do círculo estão o céu e a terra.  O céu, a terra, o homem e seu caminho se encontram dentro do céu e da terra - como uma infinitude.

..........................

Na alquimia taoísta existe um termo chamado de Elixir.  O elixir é o plantio e significa imortalidade.  Onde se semeia imortalidade se colhe imortalidade.

Aonde se semeia imortalidade?

No encontro do homem com o Caminho, no encontro da consciência com o sopro.  Por isso, Lao Tse ressaltou o rei em importância, ou seja, a consciência.

Em seguida, Ele acrescenta:

“O homem se orienta pela terra
A terra se orienta pelo céu
O céu se orienta pelo Caminho
O Caminho se orienta por sua própria natureza”

Lao Tse coloca os quatro grandes em forma hierárquica.  O rei é o homem, o homem que é dono de si próprio.  É o homem que tem a consciência unido o céu e a terra em seu próprio Caminho.

Como realizar este Caminho?

“O homem se orienta pela terra”, precisa aprender com a terra, aprender com a natureza, com o rio, com a montanha, com a água, com o trovão, o lago, o vento, as mudanças de clima, as estações, a vida, a morte.  O homem precisa aprender com a terra e ser abrangente, receptivo, quieto e suave.

“A terra se orienta pelo céu”.  O Planeta Terra se orienta pela estrela do nosso sistema solar que se orienta pela grande estrela Vega que se orienta por algo que ainda não sabemos.  Tudo se orienta pelo macrocosmo.

O homem deve aprender com tudo o que acontece em seu ambiente mais natural, depois deve aprender com o céu, com as estrelas, com o tempo - nosso relógio anda de acordo com o movimento da terra e das  estrelas.  Deve aprender com o céu e com as estrelas assim como a terra se orienta pelo céu.

“O céu se orienta pelo Caminho”, que é o próprio Tao.

E o Caminho se orienta por si próprio, por isso Ele diz:  “O Caminho se orienta por sua própria natureza”.  A natureza está no homem, na terra e no céu.  Ou seja, podemos, na verdade, aprender com tudo o que existe em torno de nós, podemos aprender com a vida concreta, com a metafísica e com o Tao.

Podemos aprender com a natureza incorporando a natureza em nossa vida concreta e podemos aprender com o céu incorporando-o em nossa vida concreta.

Por isso, o Taoísmo se diferencia das outras escolas e métodos de ensinamento.  Dentro do Taoísmo, encontramos a prática da alquimia, a prática da magia, a prática do ritual, trabalhos devocionais, trabalhos litúrgicos, trabalhos adivinhatórios, geomancia, astrologia,.  Todas as práticas místicas formam uma aglomeração bastante grande e todas seguem o Tao.

Seguindo todas as práticas místicas o mesmo princípio, você pode ser um astrólogo que estuda o céu e que ocnsegue viver em você mesmo o Tao.  Você poder ser um geólogo que estuda a terra para compreender a terra.  Você pode viver os ensinamentos da terra em sua vida e assim, viver o Tao.  Você pode ser uma dona-de-casa, pode ser um intelectual - o que for - mas nunca deixará de viver o Tao.

O Tao está em toda a parte e não está limitado em nenhuma parte.

O Tao não é apenas encontrado através da astrologia taoísta, não é apenas encontrado pelo ritual, não é apenas encontrado pela meditação.  Pode ser encontrado por tudo e não apenas encontrado pelo Taoísmo.

O Tao não é apenas encontrado pelos taoístas.  O Tao pode ser encontrado por todos, em todos os lugares, em todos os tempos, de todas as formas e não se limita a nenhuma forma.

O Taoísmo é aquele que tem a tradição de falar sobre o Tao.

Qualquer tradição, através de qualquer linguagem, sempre chega ao Tao - porque o Tao está fóra da linguagem.

O Taoísmo é um instrumento místico que nos leva à busca do Tao.  Mas, quem encontra o Tao não está mais dentro do Taoísmo mas também não está fora do Taoísmo: está em tudo e não se limita em nada.

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FOTO: SÍTIO DAS ESTRELAS, JANINE

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 25
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil, 
Rio de Janeiro, em 03 de janeiro de 1995

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng, 
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching