Três grandes portais - entradas e saídas de energia em nosso corpo




Três grandes portais - entradas e saídas de energia em nosso corpo

Wu Jyh Cherng

Na prática espiritual do Taoísmo, consideramos que nosso corpo tenha três grandes portais - entradas e saídas - de energia.  Eles são:

Os olhos - relacionados à visão
Os ouvidos - relacionados à audição
Os olhos e as narinas - relacionados ao paladar

São três portais que se relacionam com o mundo externo.

Quando uma pessoa é atraída excessivamente por algo externo que chame a atenção, sua energia vital é puxada para fora.

Quando olhamos diretamente para algo, nossa energia vital é sugada para aquilo que se olha.

Por isso, Lao Tse diz: 

As cinco cores tornam os olhos do homem cegos


Na pratica da meditação, a gente traz a energia para o interior.  Os olhos ficam fechados para que a energia não se esvaia pelos olhos.

Quando se ouve muitos sons, a energia vital é puxada por esse mesmo som, para fora.  Então, se perde a energia vital.



Temos Três Tesouros, os quais chamamos de Essência, Sopro e Espírito.

O Espírito é a Consciência.
O Sopro é a energia vital do nosso corpo.
Essência são os fluídos do nosso corpo.

Quando toda a nossa consciência está ligada com as várias coisas externas, os fluidos evaporam para fora.  As energias vitais vão abandonando o corpo.  A consciência fica pressionada pelas formas externas; começa a se esvaziar interiormente e esse esvaziamento vai prejudicar a capacidade mental, vai alterar a capacidade emocional, e vai reduzir a capacidade física da pessoa.  É um esvaziamento.

A prática da meditação é exatamente o contrário disso.

A visão é trazida para o interior, a audição e a respiração também.  Dessa maneira, a energia toda é trazida para dentro.

Se a atenção está no ar em que respiramos, então a energia também virá através do ar que respiramos.

Quando estamos como uma estátua erguida em um lugar evidente, num lugar que todos vêem, a energia se volta para nós.

Quando olhamos uma imagem - como no Corcovado -, uma parte dessa energia - mesmo que seja minúscula e invisível -, vai para essa imagem.

Sendo a imagem colocada num local bem visível, ela sofre as energias advindas de todas as direções.  E aquele local acaba se tornando um centro de forças.

São como os missionários que chegaram à América.  Construíram cruzeiros e igrejas em lugares que chamavam a atenção.  E o índio que não entendia nada daquilo, se sentia atraído; e quando olhava, sua energia se dirigia para o cruzeiro e para a igreja, criando, assim, força.  Dessa maneira, isso é involuntário.

Estamos o tempo todo voltados para as coisas que nos chamam a atenção externamente.  Mais ainda na sociedade moderna em que vivemos.  Os meios de comunicação, o marketing, tudo isso chama sua atenção e retira sua energia.


O mesmo princípio de algo evidente que chame a atenção de todos, serve como meio de descarrego de energia.

Um vaso de flor numa mesa de trabalho em local muito tenso, atrai para si a energia dos olhares.

Existem Mestres Sábios que criam coisas em regiões de energia negativa e prejudicial, para trazerem o descarrego.

Como também existem pessoas espertas que usam as energias acumuladas nas imagens e se apropriam delas, para mau uso.

Tudo aquilo que se vê, absorve energia.

Algo extremamente evidente, atrai energia.

A medalha de proteção traz uma divindade, uma imagem, que representa uma crença sua.  Pode ser uma crença filosófica ou religiosa.  Traz um fortalecimento interior.  Por outro lado, a medalha de proteção é um pára-raios: quando um  ‘mau-olhado’ atingir a pessoa, ‘baterá’ na medalha de proteção e lá descarregará.

Normalmente, a medalha de proteção é colocada na altura do peito, do coração.

Normalmente, a energia ruim atinge a pessoa na altura do coração ou do umbigo, na altura do estomago ou na nuca.

Os maus-olhados nem sempre são conscientes.

A inveja pode ser inconsciente, incontrolável.

O descarrego pode ser feito através das forças móveis: vento, água, água corrente, fogo, banhos.  Nunca se deve dormir sem banho.  O banho antes de dormir descarrega o corpo de tudo o que ele teve que passar durante o dia.

Quando estamos lúcidos, a energia está muito mais ativa.  Quando se relaxa, o campo de defesa fica menos ativo, portanto, toda aquela energia que está contida pela parte externa da aura, entra no corpo relaxado.

Durante o dia, num corpo ativo, a energia vai de dentro para fora.  Ao dormir e relaxar, a energia retorna para dentro.  Portanto, nessa hora, se o corpo não estiver descarregado, vai entrar toda a energia cumulada na periferia.

É bom comer bem, dormir bem, caminhar, tomar banho de sol, ter menos desgastes emocionais.

Os amuletos e as medalhas de proteção devem ser descarregados debaixo da torneira de água, com fumaça de incenso.  Também na cachoeira, no mar.

No banho de sal grosso, como acontece no Brasil, deve-se depois tomar o banho normal.

Quando a pessoa fica todo o tempo voltada para o chamariz exterior, através da visão, do som, dos sabores, sua energia vai se desgastando.

Por isso, Lao Tse, no primeiro trecho, aconselha às pessoas a evitarem os excessos.


Os três portais podem ser de saída ou de entrada.

Quando se inspira, o ar entra.
Quando se come, a energia dos alimentos entra.
Quando se fecha a atenção para o interior, a energia entra dentro de nós.

Quando se deixa de ouvir o som externo para se ouvir o som interno, trazemos a energia para o interior e nos fortalecemos.

Quanto mais a consciência se interioriza, maior centralização de forças dentro de nós.


Isso é exatamente o que Lao Tse diz na última frase:


Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho

Assim,
Afasta aqueles e escolhe este



Pergunta:  Quando se olha para o altar, a energia da pessoa também está saindo?

Resposta de Cherng: 

Sim.  É por isso que o altar tem força.  Mas tem uma diferença.  Quando se faz  um altar, concentra-se lá a força.  Quando uma pessoa reverencia um altar, vai ali deixar sua força.  No entanto, essa energia é uma concentração.  É uma troca de energias porque se manda energia para o Tao e o Tao manda sua energia de volta.

Essa centralização de força no altar é feita com o sentimento de respeito, de reverência, de humildade.  São energias boas.

Portanto, o altar acaba se tornando um campo, um centro de força que vai magnetizar quem perto dele chegue.

Nos aproximamos do altar de força positiva e nos sentimos trocando energias.

Nos meus tempos de aprendiz, há sete anos, conheci uma moça que estava bem mais adiantada.  Ela me ensinou a perceber o tipo de forças presentes em vários lugares.  Energia boa ou não.

Para se reconhecer um Mestre, basta se prestar atenção no altar.  Se o altar tiver muita força, o mestre tem muita força.  Se o altar causar enjôo, dor-de-cabeça ou mal-estar, certamente a energia daquele mestre não está equilibrada para você.  Sentindo uma força mais nítida, certamente é um sacerdote que trabalha com força de justiça, de exorcismo, de algo mais rígido.  Sentindo uma sensação mais leve, ficando-se emocionado, certamente é uma pessoa mais devocional, que trabalha com força mais emotiva.

Conhece-se então a pessoa a partir da força de seu altar.  O altar é o centro de vibração, a gente se aproxima do altar e o campo de vibração nos envolve.

Todos os altares recebem energia.  Quando lá vamos rezar, orar, acender um incenso, estamos externando nossa energia em direção ao altar.

Parece um fundo, um clube de investimentos.  Chega uma hora que concentrou tanta força, que todas as vezes que nos aproximamos nos sentimos re-equilibrados, re-energizados.

Essa é a função do altar.



As doutrinas místicas podem ser compreendidas de duas maneiras:

Através da via racional, assistindo aulas, palestras, lendo teorias e filosofias que são vistas se estão de acordo conosco ou não.

O outro caminho é a via intuitiva, sentindo a energia do ritual.  Como entender o ritual em chinês?  Levariam-se anos para traduzir tudo.

Enquanto isso, usa-se a intuição.  Sentir a energia que lá está, se a energia combina com você ou não.  Se você se sente bem ou não.

Se não nos sentirmos bem com a energia, uma coisa é certa, aquele não é o seu caminho.  Não é essa a sua família invisível.  Sensação natural é a de se sentir bem, como se estivesse voltando para casa.  Na nossa casa não sentimos estranheza, a energia flui.

Se não julgamos pelo racional, usamos a intuição.

O Taoísmo é um Caminho.  Não julgamos que o Taoísmo seja o único Caminho.  Existem outros caminhos.  Para cada momento individual, para cada temperamento, para cada natureza, existe um caminho.  Se não é o Taoísmo, é o Budismo.  Se não é o Budismo, é o Islamismo, ou Cristianismo - algum caminho se encontra.

Esse encontro ideal é a soma de duas coisas:  do racional e do intuitivo.

Existem pessoas com dificuldades para usar a intuição.  Outras com dificuldades para usar a razão.  Cada um tem suas dificuldades e suas facilidades.

Para o Taoísmo, pode a pessoa usar sua intuição ou sua razão.  Qualquer maneira é válida na busca do Caminho.  Quando se tiver material para estudar, estudar.  Quando não, se intui.  Então, o Caminho pode ser descoberto.



Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido


Lao Tse nos fala da disputa do homem com a natureza.  A não-integração do homem com a natureza.  Lao Tse diz que o homem tem que se integrar com os outros homens, e se integrar com todos os seres, e se integrar com a grande natureza.  E purificar-se com o próprio universo.  Não entrar em choque com a natureza.  Somos muito pequenos para brigar e lutar contra a grande natureza.

Chuang Tzu tem um conto onde diz que havia um gafanhoto pequenino e valente que lutava com os outros gafanhotos e caçava todos os insetos que porventura passassem em sua frente.  Ele se considerava onipotente e poderoso. 

Um dia, ele estava na beira da estrada e viu passar a carroça com as rodas de madeira...

-                      Quem são essa rodas que passam por aqui deixando marcas no chão, que absurdo!

O outro gafanhoto disse:

-                      Deixa prá lá, não vai lá, as rodas são muito fortes.

-                      Não, não, eu sou todo-poderoso!  Eu vou enfrentá-las!

E assim, acabou a história...


O homem tem essa mesma característica do gafanhoto valente.  Ele quer o tempo todo lutar contra a verdadeira natureza.  O homem pretende vencer a natureza, vencer outros seres, vencer o céu, vencer a terra.  Até pouco tempo atrás, a frase “o homem vencendo a natureza” era proclamada.  Hoje, com a compreensão ecológica mais clara, podemos ver que besteira essa frase representa!

O homem não sabe adaptar e integrar a natureza.

A caça é o típico exemplo de luta entre o homem e a natureza.  Mais ainda, levando para uma perversão maior ainda que gera uma euforia.  Quando o homem está caçando, fica eufórico.  Quando o homem está num processo de matança, entra em euforia.  Parece que o cheiro de sangue o provoca.

Os soldados na batalha são tomados por uma euforia de matança, são tomados por uma força que não tem controle.

Por isso, Lao Tse diz:

Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido


O homem perde a consciência, perde a serenidade, perde a paz interior e torna-se eufórico.


Em nível mais sutil, a caça pode simbolizar uma espécie de disputa, desafio ou vencimento.

Na verdade, a caça não precisa ser apenas de animais.  O homem, em seu trabalho, também age como se estivesse caçando.  Caças, disputas, perseguições acontecem no campo profissional, no campo social, no campo afetivo, no campo do relacionamento humano.  Tudo isso torna as pessoas eufóricas, torna o coração dos homens enlouquecidos.  Torna as pessoas desequilibradas.

O próprio desequilíbrio torna o ser humano perverso.  A palavra perversão em chinês significa desequilíbrio.  Algo que é ou excessivamente Yang ou excessivamente Yin.  Quando uma pessoa não consegue viver no equilíbrio, entra num processo de perversão.  Por isso, na medicina chinesa, uma energia excessivamente quente ou fria ou úmida é chamada de energia perversa.

Uma pessoa excessivamente apaixonada, por exemplo, está sofrendo uma perversão da paixão.

A  palavra perversão costuma assustar as pessoas.  Não deveria.  Todo o desequilíbrio é perverso.  Se temos uma mania que não conseguimos nos livrar dela, então temos uma energia perversa dentro de nós.  E a maneira de trabalhar isso é procurando o equilíbrio.  As coisas que estão em equilíbrio não são perversas.


Os bens de difícil aquisição tornam a caminhada do homem prejudicada


Chuang Tzu diz:  “Não busque o valor nas coisas que não têm valor”.

O diamante é valioso.  No entanto, é uma pedra, apenas uma pedra.  É um conceito artificial criado em cima de uma coisa natural.

Quando se cria um valor em cima de alguma coisa, passa-se a ser  obcecado por esse mesmo valor, por essa coisa.  Cria-se um valor para então se tornar escravo dele.  Algo valioso para ser guardado exige sacrifício, tanto para tê-lo quanto para mantê-lo.  Isso torna o Caminho do homem prejudicado porque ele não caminha com naturalidade, nem com suavidade, nem com facilidade.

O homem pensa que precisa ter prestígio social e por isso precisa ter recursos, ser famoso e poderoso.

Quando o homem precisa ter aquilo que não tem, ele se sacrifica para ter.  ele tem que trabalhar em excesso para ganhar dinheiro.  Ou talvez tenha que roubar, fazer truques, mentir.

O homem paga com sua vida aquilo que ele pensa ser valioso.  Quando  conquista tudo, perde o objetivo da vida e pensa na morte.

É isso o que Lao Tse chama de ‘caminho prejudicado’.


Em resumo, nestas cinco primeiras frases, Ele diz para que tentemos nos interiorizar, para que procuremos não sermos seduzidos pelas formas externas, para não nos desgastarmos, não alterarmos a consciência através da euforia, e para não procurarmos pelos falsos valores.

Para não vermos/ nos defrontarmos com a nossa realidade, ficamos projetando mil coisas para fóra, para nos distrair.  Tudo isso é exteriorização da consciência.  Podem ser cores, sons, sabores, prazeres, valores, criamos coisas e corremos atrás delas.


Por que o Taoísmo acha que a meditação é fundamental?

Pelo menos quinze minutos por dia, a gente deve se sentar, em silêncio, no silêncio e esquecermo-nos de tudo e voltarmo-nos para nós mesmos, dedicando-nos a nós mesmos.  Não pensar em ninguém, nem no trabalho, nem na buzina.  Prestar atenção só em nós mesmos, no nosso corpo e depois, na respiração.

Esse processo de interiorização é fundamental para nos colocarmos diante de nós mesmos e não nos distraindo com outras coisas.

Por isso, nós dizemos que a meditação do silêncio é a base de toda a prática espiritual Taoísta.  Esse é o meio de nos colocarmos diante de nós mesmos, sem julgamentos, sem pensamentos, sem querer nada, sem querer de querer nada.  Ficamos quietinhos, restabelecendo a consciência transparente, nos reestruturando, trazendo a paz interior e a tranqüilidade.


No final, Ele diz:

Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho
Assim,
Afasta aqueles e escolhe este.


O ventre refere-se ao interior.  Os olhos, ao exterior.

Olha-se para algo que está lá fora.  No ventre, os filhos são gerados.

Uma vez, se perguntou qual era a diferença entre a arte do crítico e a arte do artista?

A arte do crítico é a arte de criticar.  A arte do artista é a arte do fazer.  O crítico olha e o artista faz. 

Por isso, Lao Tse diz:

O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho


O Homem Sagrado produz.  Ele se volta para dentro.  Ele cria Arte.... ao invés de olhar a Arte para se distrair.

Quem apenas olha, não faz.


Na fase inicial da busca espiritual, faz-se de tudo.  Mas, a partir do momento em que se percebe uma profunda afinidade com uma determinada linguagem espiritual, a busca cessa e o homem volta-se para dentro.  Não se pode distrair demais.  Não se pode saber de tudo.



O Taoísta não deve ter orgulho.  Porém, nosso maior orgulho é o de pertencer à Escola dos realizadores e não à escola dos teóricos.



Capítulo 12

As cinco cores tornam os olhos do homem cegos
As cinco notas tornam os ouvidos do homem surdos
Os cinco sabores tornam a boca do homem insensível
Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido
Os bens de difícil aquisição tornam a caminhada do homem prejudicada

Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho
Assim,
Afasta aqueles e escolhe este



Foto: Sítio das Estrelas, Janine

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 12
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em agosto/setembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward


A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,

 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching