Três Níveis de Vivência no Tao




Três Níveis de Vivência no Tao

Wu Jyh Cherng


Neste Capítulo, Lao Tse nos fala sobre os três níveis de vivência no Tao: 


o  nível superior
o nível mediano
e o nível inferior.

O ser humano pode compreender ou conviver com o que chamamos de Sagrado ou forças superiores - não importa o nome que se atribui, o Tao, Deus, Divindades, Desconhecido - de três maneiras.

O nível inferior é vivenciado com temor ou com desprezo.  Existem pessoas que têm pavor dos deuses, acham que os deuses castigam, censuram, nos vigiam, nos mandam tempestades e raios, trovões, guerras, miséria...  Ou possuem uma mentalidade cética, materialista, sem acreditar em nada.

Num outro estado mais acima, existem as pessoas que vivem o Sagrado com intimidade ou com admiração.  Parecem ter uma espécie de deslumbramento, uma reverência com algo que é superior.  Muitas vezes isso pode ser levado ao extremo eclodindo uma espécie de paixão que, no sentido negativo, pode levar à histeria mística e religiosa.  Outras vezes, as pessoas demonstram uma intensa intimidade com o que se chama de Sagrado.

Não importa se aconteça de uma maneira ou de outra, a interpretação desse Sagrado, desse Absoluto, parece ser de uma maneira de ‘idealização’.  Sempre essa intimidade ou essa admiração parecem querer dizer ‘aquilo que eu idealizo é o que eu gostaria de ser e que não sou ou que ainda não sou’.  Em qualquer caso, é uma idealização.

A idealização é a utilização da linguagem.  Você pode idealizar algo se isto não for definido através de uma forma - mesmo que esta forma seja abstrata - mas tem que ser definida.



Do Supremo, o inferior tem apenas ciência da existência
Do estado que o sucede, intimidade ou admiração
Do estado seguinte, temor ou desprezo


No estado do Supremo, não há linguagem, não há forma.  Quem alcançou a vivência de real integração com o Supremo - esse estado puro do Tao - não tem nada para dizer: é, simplesmente. 

Essa vivência não pode ser revelada através da palavra.  Não pode ser ilustrada através da palavra nem pode ser ilustrada através de alguma linguagem.  O Supremo, mesmo para aqueles que ainda não O alcançaram, é sabido que Ele existe.

Uma pessoa que pratica o Caminho do Tao numa compreensão superior, mesmo que ainda não tenha alcançado o Supremo, não tem como traduzir o Absoluto e o ilimitado e o infinito através das palavras finitas, ou das formas finitas - porque mesmo que essa pessoa ainda não esteja neste estado, ela sabe que o Absoluto não pode ser interpretado.  Ela apenas sabe que Ele existe.

Dessa maneira, mesmo que se force a interpretação deste estado, todas as palavras usadas serão apenas indicações que apontam para uma direção.  Para que as pessoas possam se dirigir por si mesmas e possam alcançar o caminho do Tao.


É por esta razão que o Taoísmo usa o termo Tao como Caminho, como uma referência desta busca e não usa o termo Deus como a referência desse Absoluto.  Assim, se evita uma possível interpretação personalizada ou realizada através de uma linguagem.

O Caminho é apenas uma referência para nós.  O Caminho só existe se andarmos nele.  O Caminho só existe uma vez que Ele seja percorrido.  Se não caminharmos, o Caminho não existe.

Se uma estrada de milhões de dólares é construída e ninguém a usa, teoricamente a estrada existe, mas na prática, não.  Igualmente, acreditamos teoricamente que o Absoluto existe, mas se Ele não for vivenciado..., ele não existe.

Por isso, o Taoísmo usa o termo Tao para representar a possibilidade desse  alcance do Absoluto.  Como um Caminho que só existe quando nós o vivenciamos, o caminhamos, o percorremos.  Mas quem realmente vive esse Caminho - o Tao - não tem palavras para defini-lo, para interpretá-lo - sabe apenas que Ele existe.



Existem aquelas pessoas que conseguiram, através de uma prática mística, alcançar uma experiência extraordinária e maravilhosa que transcende a barreira do mundo físico, da linguagem e da forma.

 Quando essas pessoas retornam de usas experiências e tentam descrevê-la através da linguagem, da forma, da imagem, etc., o que então acontece?  Uma vez esta experiência tenha sido transformada em conceitos verbalizados, na verdade, não mais estará se falando da experiência - porque não se fala, não se revela o Absoluto através da linguagem.  Essas pessoas são aquelas que demonstram ‘intimidade’.... ‘porque na minha experiência eu me encontrei com Deus’....   E o discípulo, admirado, diz:  Venerável mestre, como foi que você encontrou com Deus?     ....................................................................................   Deus, portanto, parece ser aquela luz irradiante, parece tudo ser uma ficção científica e todos ficam maravilhados.

Esse é o segundo nível, o nível do fenômeno.  O segundo nível é o da experiência do fenômeno.  Esse nível ainda é melhor do que o terceiro, quando, se as pessoas forem religiosas, rezam para não serem castigadas ou para serem abençoadas.  E se não forem religiosas, desprezam qualquer experiência ou fenômeno porque não acreditam em nada.


Por isso, no texto que se sucede, Ele diz:

Não havendo suficiente confiança, surge a desconfiança.


Portanto, existem as pessoas que vivem no estado do Supremo, que compreendem as coisas de uma maneira superior.  Existem as pessoas que compreendem a um nível mediano, aquelas que compreendem a um nível inferior e existem aquelas pessoas que não compreendem.  Nesse nível, estão as pessoas que não possuem convicção das coisas.

No nível superior, existe a convicção, a consciência da existência de algo além do mundo em que vivemos; algo supremo, algo sagrado, algo transcendental que não pode ser descrito através da linguagem.  Sabe-se que o Supremo está além da linguagem: apenas sabe-se que Ele existe.

O segundo nível acredita que existe algo e tenta interpretar esse algo através da linguagem.

O terceiro nível também acredita mas não consegue interpretar nada.  Também tem confiança no que acredita ou acredita de uma maneira ignorante ou ainda acredita não acreditando e critica.  Isso também é uma espécie de convicção, uma espécie de confiança.  Também nesse nível estão as pessoas céticas, que não acreditam.

No quarto nível, abaixo das três categorias anteriores, surge o nível de ‘Não havendo suficiente confiança, surge a desconfiança’.  São aquelas pessoas que não têm nem convicção das coisas.  Nos três níveis anteriores existe a convicção demonstrada de formas diferentes.  Nesse quarto nível, as pessoas não são totalmente confiantes em suas próprias mentes, não têm a convicção de acreditar que existe ou que não existe - ficam flutuando entre o ‘às vezes acho que sim e ás vezes acho que não - às vezes penso e às vezes não penso’.  Surge, então, a desconfiança e a vida é vivida na incerteza.



Capítulo 17


Do Supremo, o inferior tem apenas ciência da existência
Do estado que o sucede, intimidade ou admiração
Do estado seguinte, temor ou desprezo
Não havendo suficiente confiança, surge a desconfiança.

Quem valoriza a palavra, realiza a obra sem deixar rastros
Assim, o povo achará que surgiu por si, naturalmente.



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Foto: Sítio das Estrelas, Janine



TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 17
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 04 de outubro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward


A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching