O Grande Caminho é o Caminho
do Caos Primordial,
o Caminho do Tai Chi e o Caminho do Wu Chi
Wu Jyh Cherng
O que é o Caminho do Tai Chi?
É o caminho da integração com todas as coisas.
O que é o Caminho do Wu Chi?
É a transcendência da forma e da linguagem. É a Consciência límpida e transparente
convivendo integradamente com todas as coisas.
É o caos primordial. Uma vez
conscientes disso, surgem o Yin e o Yang e surgem também os cinco movimentos,
as diferentes energias começam a acontecer.
Na teoria dos cinco elementos, teremos essas energias divididas da
seguinte maneira:
Madeira Metal Fogo
Água
Todos esses elementos
encontram-se no centro, com o elemento Terra.
A Madeira - primavera - manhã
O Fogo - verão - meio-dia
O Metal - por do sol - outono
A Água - inverno - noite
Estes representam as quatro partes da natureza, quatro partes da
vida: nascimento - auge da vida - envelhecimento - morte.
A virtude da Madeira é a Bondade
A virtude do Metal é a Justiça
A virtude do Fogo é a Polidez
A virtude da Água é a Sabedoria
No conceito da Bondade em oposição à Justiça, se virmos a Água e o
Fogo girando em torno da Bondade - Madeira - manhã representando o nascimento;
e a Justiça - Metal - por do sol representando a morte....., a Água seria o
algo após a morte e o Fogo a ausência da vida anterior ao nascimento. A vida é a vitalidade que vai ficando cada
vez mais exuberante e a morte é a vitalidade que vai declinando.
Por isso, a linguagem simbólica diz:
Quando se perde o Grande
Caminho,
Surgem a bondade e a justiça.
Quando se perde o caos primordial, quando se perdem a Consciência
Pura e a Vida Infinita, quando o ser humano perde esse estado, o que
surge? Surgem a morte e a vida. Na vida e na morte existem vantagens e
desvantagens - a vantagem é o nascimento e a desvantagem é a morte. Quando algo está em seu processo de declínio,
isso é desvantagem; quando algo está crescendo, isso é nascimento, isso é vida,
isso é vantagem.
Quando existem os conceitos de vantagem e de desvantagem, é porque
passam a existir o julgamento e a intenção.
Queremos as vantagens e queremos evitar as desvantagens, porém tudo isso
é um processo inevitável. Tudo o que
nasce, morre; tudo o que cresce, reduz.
Surgem, então, o apego e o temor.
Apego à vida e temor à morte: nós perdemos o equilíbrio.
Na linguagem simbólica, o Grande Caminho é o caminho sem divisão,
onde tudo está unido, onde a Consciência é única, onde a Consciência é Infinita
e a Vida é Única. Se a Vida é Única, nós
temos que ter a morte.
A Consciência Infinita traz a não-limitação. Isso é o Grande Caminho e quando ele é
perdido, surgem as vantagens e as desvantagens, o positivo e o negativo, o que
se gosta e o que não se gosta, e nossa cabeça passa a ser um jogo de manobras e
de lutas interiores. Essas manobras
mentais envolvem questões como vantagens e desvantagens, lucros e prejuízos, o
que é bom e o que é ruim, o que é justiça e o que é bondade.
Quando tudo isso surge, cria-se um estímulo em nosso interior para
que passemos a ser mais inteligentes, mais engenhosos, mais premeditados,
agindo sempre considerando todos os lados.
O que estamos, então, perdendo?
Perdemos a naturalidade.
Quando é para rir, não mais rimos e quando é para chorar, não nos
permitimos chorar. Perdemos a
naturalidade.
Existem aquelas pessoas que fazem truques para rir e chorar no
momento certo porque assim lhes será conveniente, conquistando a compaixão ou a
simpatia do próximo. São pessoas
inteligentes que sabem fazer as coisas certas nos lugares e momentos certos,
trazendo julgamento em cima de julgamento, perdendo a pureza interior, perdendo
a Consciência Interior Pura.
Isso acontece a todos nós: nós todos temos um pouco disso. Isso faz com que nos tornemos cada vez mais
falsos, mais engenhosos, mais hipócritas.
Uma pessoa reconhecidamente hipócrita é aquela que dentro de uma
média geral das pessoas, é a mais hipócrita, a mais engenhosa e,
conseqüentemente, a que leva mais vantagem sobre todos. As outras pessoas que não podem tirar suas
próprias vantagens - com ciúme e com inveja - chamarão aquele indivíduo de
‘hipócrita’.
Mestre Maa fala inúmeras vezes que a inteligência é a utilização de
uma mente calculista e comparativa, de um coração calculista e comparativo,
trabalhando com a esperteza e a engenhosidade.
Isso também acontece em níveis diferentes: alguns são mais ingênuos e
outros são mais perversos, difíceis de serem controlados, como se tivessem um
vício. O que Mestre Maa nos diz é que
tudo isso significa a perda da verdade e da constância interiores.
Normalmente, não possuímos a devoção da mente, a constância da
mente; não temos consciência mental nem emocional nem física e não vivemos a
verdade. Tudo aquilo que pensamos que é
verdadeiro um dia percebemos que não é tão verdadeiro assim. Vivemos uma verdade e um dia, descobriremos
que não é uma verdade. Isso porque não
vivemos a verdade interior e a consciência interior.
Dessa maneira, Mestre Maa
nos diz que o taoísta não deve brincar ou se divertir com seus poderes
extra-sensoriais, com sua força, sua criação e sua inteligência interiores e
não deve pronunciar, discutir ou discursar indevidamente sobre a boa ou a má
fortuna das pessoas.
Através da prática mística - a experiência mística é a meditação - chega uma hora em que
surge uma força interior dentro da pessoa que ela passa a ter o recurso
‘sobrenatural’ ou ‘extra-sensorial’.
Isso é um fruto inevitável da prática espiritual que é realizada com
disciplina. Quando isso acontece, a
pessoa se torna mais capaz, o que chamamos de ‘inteligência interior’.
Quando isso acontece, as pessoas comuns começam a demonstrar seus
poderes e fazem seus ‘shows’. Nesses
casos, é necessário jogar essa energia novamente para dentro de si para que ela
seja transmutada. Isso é o que a
Alquimia chama de Matéria Viva.: uma energia necessária em estado genuíno para
formar o verdadeiro caráter interior da pessoa e não é para ser usada
indevidamente.
Já foi falado em outra ocasião que não se encontram mestres
taoístas que agem como showmen. Os grandes mestres taoístas são muito
simples. Existem sim, taoístas que fazem
shows mas são pessoas que ainda não alcançaram esse controle interior.
Sabemos, no entanto, que todos os mestres taoístas tradicionalmente
vêm da linhagem de Lao Tse e portanto, seus trabalhos e seus comportamentos não
podem estar muito diferentes ou distanciados daquilo que está escrito no Tao Te
Ching.
Continuando a leitura através do segundo nível do texto:
Os Seis Parentes, na linguagem
simbólica, significam a consciência na Visão, na Audição, no Olfato, no
Paladar, no Tato e na Intenção. São seis elementos.
Quando os seis parentes não
estão em paz,
Ou seja, aquilo que ouvimos, que vemos, que cheiramos, que sentimos no paladar, que
sentimos no tato, que pensamos e que temos a intenção de fazer - busca-se,
então, uma ordem para disciplinar a estrutura interior.
Por isso, Ele diz:
Surgem o amor filial e o amor
paternal.
Procura-se colocar uma liderança, uma relação de disciplina
interior.
O amor da relação entre pais e filhos, simbolicamente, significa a
boa integração entre o comando e o comandado para se ter o domínio do cheiro
que se quer sentir, da visão, do paladar, da sensação e da intenção.
Visão, paladar, olfato e audição são mais fáceis de serem
dominados. A sensação (tato) física
também dá para dominar em relação aos outros.
Mais difícil é criar dentro de si o domínio interior.
O sensorial abrange os cinco primeiros parentes. A Intenção já é de domínio do psíquico. É preciso saber tentar controlar, não no
sentido da repressão mas sim do esvaziamento e a melhor maneira de esvaziar é
distrair e não reprimir.
Tudo isso tem que ser tratado de uma maneira dinâmica e não de uma maneira rígida.
Quando uma coisa é absolutamente incontrolável e intensivamente
repetida, é uma ‘obsessão’ e precisa ser tratada.
Aquilo que não se tem consciência é mais inocente.
Entretanto, o Taoísmo trabalha com a consciência todo o tempo, e
assim, inevitavelmente, um dia essa consciência tem que surgir.
Se tivermos uma consciência de que um dia transmutaremos, o lado
mais sutil das coisas irá aparecer. Se
transmutarmos mais ainda, coisas ainda mais sutis aparecerão. ............ Até não se conseguir mais
realmente nada, porque então se terá atingido o Vazio.
Em uma de suas aulas, foi perguntado ao Mestre Maa se os mestres
iluminados não pensam, não têm intenção de fazer as coisas? A resposta é que a
intenção deles nasce da naturalidade, os pensamentos deles nascem da
naturalidade; através de um processo meditativo de auto-realização, eles chegam
ao não-pensamento. Através do
não-pensamento, são pensamentos de Retidão.
Todos os pensamentos que nascem do não-pensamento são pensamentos de
Retidão, são pensamentos equilibrados, são pensamentos naturais.
Estes pensamentos não podem ser nocivos e por essa causa os mestres
têm a intenção de ensinar, de passar conhecimentos, têm a intenção de fazer
coisas para ajudarem as pessoas. Tudo
isso nasce do interior e não é hipocrisia, como diz o texto. Se tudo isso realmente nasce de uma
consciência verdadeira que nos leva a ajudar as pessoas, isso é uma Intenção.
Outra pessoa que não foi doutrinada e que dentro de si nasce
espontaneamente o desejo de ajudar os outros, isso é uma Intenção.
A diferença é que existe a intenção sem intenção e a intenção que
tem intenção. Essa é uma diferença
fundamental.
No Taoísmo, é preciso saber
diferenciar o não-julgamento do não-discernimento.
Quem tem discernimento sabe o que deve ou não deve fazer.
Quem tem julgamento também sabe o que deve ou não deve fazer.
Apenas que o discernimento é também julgamento, um julgamento que
nasce a partir de uma consciência natural das coisas.
E o julgamento, vulgarmente
falado, não é o julgamento de discernimento e de consciência. é uma opção ou um conceito que não
necessariamente é uma consciência. No
julgamento, diz-se que o que é bom e o que não é bom, mas não se sente nem se
vive naturalmente e, portanto, este julgamento não é o resultado de uma
consciência verdadeira.
Como então se equilibra isso?
Enquanto não tivermos a Consciência Iluminada, temos que fazer
muitas práticas de meditação. A
meditação é um instrumento para nós conseguirmos esse equilíbrio, essa
Consciência Iluminada. A prática da
meditação diária é o caminho para se alcançar o equilíbrio interior.
E, enquanto não tivermos essa consciência despertada interiormente
através de uma prática mística, temos que fazer o que entendemos de melhor
possível. Mesmo que isso ainda
signifique o conceito e não a consciência verdadeira.
Se pudermos fazer o bem com consciência, alcançaremos o ideal. Enquanto não atingirmos essa consciência,
devemos tentar fazer o bem a partir do conceito. Quando não existe a consciência, pelo menos a
existência do conceito já é um bom passo.
Enquanto se pratica o conceito de uma maneira boa, vai-se
trabalhando a consciência para que um dia não precisemos mais do conceito e
possamos usar diretamente a consciência.
Quando alguém está doente e não pode usar suas pernas, deve fazer
uso das muletas ao mesmo tempo em que faz terapia. Quando as pernas se curam, as muletas são
abandonadas porque não têm mais serventia.
Dessa maneira, quando ainda não se atingiu a consciência, deve-se
apoiar no bom uso do conceito.
Quando há desordem e confusão
no reino,
Surge o patriota.
O reino é o nosso
corpo. Nossa consciência comanda
nosso reino, nosso corpo que é o território de milhões e milhões de
células. Quando nosso corpo, nosso
reino, estão em desordem e confusão, o que é necessário? Um salvador da
pátria. É preciso um patriota para nos
centrar e disciplinar e nos fazer restaurar nosso equilíbrio.
Por isso, na prática espiritual temos que trabalhar a centralização
da consciência.
Mestre Maa nos diz que temos seis sentidos, ou seja, seis parentes:
visão, audição, olfato, paladar, tato e intenção. Se um desses sentidos estiver disciplinado,
esse único sentido se torna o ‘patriota’ que será seguido, que servirá de
exemplo para os demais e se tornará o comandante.
Capítulo 18
Quando se perde o Grande Caminho,
Surgem a bondade e a justiça.
Quando aparece a inteligência,
Surge a grande hipocrisia.
Quando os seis parentes não estão em paz,
Surgem o amor filial e o amor paternal.
Quando há desordem e confusão no reino,
Surge o patriota.
...............
TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 18
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG
Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 11 de outubro de 1994
Transcrição e Síntese de Janine Milward
A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil
Nesta mesma Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching