Os Bons Realizadores - Parte 1




 Os Bons Realizadores

Parte 1

Wu Jyh Cherng



Este Capítulo não fala no Tao mas fala do homem que alcançou o Tao.


Lao Tse chama de ‘bons realizados da antiguidade” aqueles homens que buscaram, que encontraram, que se tornaram o próprio Tao.  São os grandes sábios da antiguidade.

Isso caracteriza um dos pontos fundamentais do Taoísmo.

O Taoísmo nunca é completo se não for realizado.  Se Ele não se tornar uma prática. 

Jamais encontraremos no Taoísmo a característica de uma filosofia pura que não é aplicável, que não pode ser vivida.

Todos os fundamentos do Taoísmo  precisam ser vividos.  Eles só têm sentido quando são vividos.  O Taoísmo só é Taoísmo quando é vivido por uma pessoa.  Se vivemos o Taoísmo, nos tornamos taoístas.

Por isso mesmo que, ao fundarmos nossa Sociedade, ao invés de denominá-la Sociedade Brasileira de Taoísmo, nos decidimos por Sociedade Taoísta do Brasil.  Pelo menos, tentamos viver o Taoísmo, nos tornando Taoístas.

É, portanto, fundamental que o Caminho do Taoísmo seja realizado.



Como eram esses “realizadores”?

Os bons realizadores da antiguidade eram sutis,
Maravilhosos, misteriosos e despertados.
Eram profundos e não podiam ser compreendidos
E, justamente por não poderem ser compreendidos,
É preciso esforçar-se para ilustrá-los.


Lao Tse faz uma ilustração sobre esses grandes realizadores da antiguidade.

Como eles realizavam?

Na prática mística do Taoísmo, basicamente, nos realizamos através do seguinte processo:

-  Devemos trazer a visão e a audição para o interior anulando os pensamentos e as preocupações.

Dessa maneira, estaremos unindo nosso Espírito, nossa Alma, nosso Corpo e nossa Essência vital dentro de um único elemento chamado “Vontade”.  Esse é o quinto elemento fundido dentro dos quatro elementos.


Na teoria dos cinco elementos do I Ching, no Taoísmo, todas as pessoas possuem quatro elementos:

Alma   -   Corpo   -   Essências Vitais   -   Espírito

A Alma - que é Madeira - é oposta ao Corpo - que é Metal.

Temos 3 Almas e 7 corpos.

A Alma é o elemento Madeira.  A Madeira pode ser talhada.  A Alma também.  A Alma é nossa personalidade.  A personalidade pode ser modificada, pode ser polida, moldada.

Igualmente, a Madeira pode ser transformada numa mesa, num instrumento, pode virar um objeto.

Também nossa Alma pode ser talhada, torneada, moldada, tendo sua forma modificada, como a personalidade vai se modificando.


O Corpo corresponde ao elemento Metal.

Corpo não é aquele que nos protege?

Se não tivermos um Corpo, nossa Alma não terá proteção.  Nossa Alma precisa encarnar no Corpo e o Corpo é aquele que nos protege.   Assim como a casca da fruta protege a própria fruta.

O corpo físico é o mais denso dos corpos.  Temos 7 corpos, um dentro do outro, interpenetrando-se.

O Metal é um elemento rígido, forte, que agüenta impactos - assim como nosso Corpo


As Essências Vitais antagonizam com o Espírito.

O Espírito corresponde ao elemento Fogo e as Essenciais Vitais, ao elemento Água.

A Água é a essência da vida.  A terra sem água fica estéril.  Uma pessoa pode ficar vários dias sem comer mas não além de 4 dias sem beber - porque senão morre.  Setenta por cento de nosso corpo é composto de água, bem como nosso Planeta, de oceanos.


Nós temos Corpo, Alma, Consciência/Espírito e Essências Vitais.  Na prática mística do Taoísmo, todos esses elementos se unem, se juntam em um ponto.  Passar a ser abraçados por um ponto que chamamos de ‘Vontade’, o elemento do centro, o elemento Terra. 

Terra é aquela que acolhe tudo: a Água, o Fogo, a Madeira e o Metal.

Tudo está na Terra, sendo abraçado e segurado.


Na prática mística, essa Terra que segura tudo é representada pela palavra ‘Vontade’.

Vontade é uma intenção sutil.  Essa palavra, muitas vezes, pode ser destorcida.

Vontade inicial é vontade.  Passada a fase inicial, essa vontade passa a ser outras coisas.  Passa a ser desejo, obsessão, etc.  Logo no início, a vontade é indescritível, quase uma intuição de algo que não dá para descrever muito bem.

Ou seja, na prática da meditação, devemos todo o tempo cultivar dentro de nós uma espécie de Vontade, como vontade inicial de alguma coisa e colocar nossa personalidade dentro dessa Vontade, bem como nosso corpo.

Meditamos de olhos fechados, e então colocamos nosso corpo dentro dessa Vontade, a Consciência que pensa, que raciocina, as energias vitais - as sensações - tudo, tudo vai sendo colocado dentro dessa Vontade e assim, tudo desaparece.

Dessa maneira, entramos em estado de Fixação.  A Fixação é um estado onde não há pulsação nem respiração.

Obviamente, isso não acontece de um dia para outro.  Tudo deve ser colocado dentro dessa verdadeira vontade, dessa Vontade autêntica.

O que é a Vontade Autêntica?

É aquela que é diferente da vontade falsa.

A vontade falsa é aquela que é uma vontade agora mas que daqui a poucos minutos, já não é mais vontade, foi esquecida.  É uma vontade impermanente.  Essa vontade, como qualquer outra coisa no mundo manifestado, é impermanente.  Nossa vida é impermanente, nosso pensamento, nosso corpo, nossa consciência, nossa energia vital, todos são impermanentes.

Vontade impermanente não é uma Autêntica Vontade.  Autêntica Vontade é uma vontade que não é interferida pelo tempo e pelo espaço.

Como encontrá-la?

Não sei dizer.

É preciso usar a intuição.

Fechamos nossos olhos, relaxamos nosso corpo, deixamos nossa respiração fluir, e depois entramos intuitivamente dentro de um estado que não é propriamente focalizado em alguma parte do corpo, que não é um Mantra, nem uma Letra Sagrada, nem uma visualização.  É um estado extremamente sutil, que, entrando nele, levamos nosso corpo, nossa personalidade, nossa consciência, nossa essência vital.

Essa vontade, que chamamos de Autêntica Vontade ou Autêntica Terra, é como se fosse um buraco negro.

Imaginemos um buraco negro no centro do universo.  Todo esse universo é embutido dentro desse buraco negro e tudo assim, desaparece.


Meditando,
                        Meditando,
                                               Meditando............
                                                                                  Alguns Mestres, de repente, desaparecem mesmo, tendo seus corpos entrado numa outra dimensão, mais sutil e inencontrável fisicamente.


Pergunta:  A Fixação é o caos primordial?

Resposta de Cherng: 

A Fixação é um termo que se refere a um lado mais externo.  Ou seja, a respiração é a pulsação param, é a Fixação.  Tudo parou, mas não morreu, está vivo.

Internamente, a pessoa sentirá que está dentro de algo indescritível - que chamamos de Caos Primordial.

Essa viagem ao caos primordial - dependendo do nível e do grau de aprimoração da pessoa -, pode até chegar ao nível físico, fazendo com que a pessoa realmente desapareça.

No entanto, como a maioria das pessoas não consegue permanecer por muito tempo neste estado, volta-se e reaparece-se.

Existe um monge que vive em Singapura e que certa vez foi para dentro de uma caverna, para meditar.  Ao atingir o estado de Fixação, teve seu corpo desaparecido por 45 dias.  Segundo sua experiência pessoal, esses 45 dias lhe pareceram como uma ou duas horas.  Ele não chegou ao Absoluto, não alcançou o Caos Primordial.  Ele simplesmente foi para uma dimensão mais sutil.

Mestre Maa nos diz assim:

“Aquele que abraça o Princípio e resguarda a Unidade, pode penetrar com mais sutil insistência.”


Nesse estado, a pessoa pode viver uma situação e esquecer a palavra.  Pode romper a barreira da inexistência.  E seu Espírito estará integrado com o Espírito do Céu e da Terra.  A Energia da pessoa estará unida às essências do Céu e da Terra.

 De repente, percebemos que tudo o que sentimos, o mundo sente.  Tudo o que o mundo sente, nós sentimos.  Tudo o que pensamos, o mundo pensa.  Tudo o que o mundo pensa, está dentro da nossa mente.

Nos encontramos, então, integrados com tudo, nesse estado.


Mestre Maa ainda acrescenta:

“O Grande Tao não tem forma”.

Dessa maneira, ao adquirirmos Seu sentido, perdemos a forma.  Adquirindo Sua energia, perdermos Sua forma.  Adquirindo Sua razão, perdemos a palavra que O descreve.

Uma vez adquiramos esse esquecimento da palavra e da forma e de tudo, ainda podemos alcançar o esquecimento desse esquecimento.

Quando se chega ao sentido real das palavras, não se precisa mais de palavras.

Quando se chega à origem das energias, aí não mais existem energias.

Tudo foi esquecido, a energia abandonada, as palavras abandonas.

Então ainda abandonamos o abandono da palavra e o abandono da energia.

Por isso, na prática da meditação, quando se atinge a Fixação, não se tem mais palavras, nem pensamentos, nem respiração, nem batidas de coração.

A pessoa abandonou a  palavra, abandonou a energia porém chegou à raiz da vitalidade e à raiz de todos os pensamentos.

Quando se atinge este ponto, ainda não basta, é preciso abandonar e romper a barreira da capacidade de ficar não pensando, não respirando.  Volta-se, então, ao ‘normal’.  Porém, se foi mais adiante.


Existe um ditado Zen que diz assim:

“Antes, montanhas eram montanhas e rios eram rios”
-          Isto quer significar uma pessoa que está iniciando o Caminho.

“Depois, percebe-se que a montanha não é mais montanha e o rio não é mais rio”.

“Ao final, a montanha volta a ser montanha e o rio volta a ser rio”.


A pessoa abandonou tudo até chegar a transcender.  Transcendeu o sentido normal e depois transcendeu a transcendência do sentido normal...  e então, voltou ao normal.

Um grande Mestre é, aparentemente, igual a uma pessoa comum.  Um mestre que está em seu Caminho ainda a meio caminho, é diferente de uma pessoa comum.


Mestre Maa diz:

“A experiência profunda do Tao não pode ser detectada, não pode ser reconhecida.  Por isso, é preciso desenvolver essa experimentação até o nível mais profundo onde as palavras são meros esforços para descrever inutilmente uma experiência que está além das palavras”.




Capítulo 15


Os bons realizadores da antiguidade eram sutis,
Maravilhosos, misteriosos e despertados.
Eram profundos e não podiam ser compreendidos
E, justamente por não poderem ser compreendidos,
É preciso esforçar-se para ilustrá-los.

Eram receosos como quem atravessa um rio no inverno
Eram cautelosos como quem teme seus vizinhos
Eram reservados como o hóspede
Eram solúveis como gelo fundente
Eram genuínos como a madeira bruta
Eram vazios como os vales
Entorpecidos como a água turva.

O turvo, através da quietude, torna-se gradualmente límpido
O quieto, através do movimento, torna-se gradualmente criativo
Aquele que resguarda este Caminho não tem desejo de se enaltecer
E, justamente por não se enaltecer, mesmo envelhecido, pode voltar a criar.



Foto: Sítio das Estrelas, Janine

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 15
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 20 de setembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching