Submeter-se permite a retidão




Submeter-se permite a retidão

Wu Jyh Cherng


Submeter-se - Mestre Maa nos diz que é como ‘o Espírito que se submete ao movimento do Sopro’.

Se a primeira frase - Curvar-se permite a plenitude - pode ser entendida como o movimento do Chi, o movimento da Energia, a segunda frase - Submeter-se permite a retidão -, pode ser entendida como o Espírito que se submete ao Sopro.

O que fazemos em nossa prática de meditação?  Colocamos a Consciência dentro do Sopro.  Mas o Sopro é estático.  O Sopro tem vários níveis.  No nível mais denso é o ar da nossa respiração.  O Sopro em nível mais sutil é a energia que circula em nossos meridianos e em nossos vasos energéticos.  E ainda num nível mais sutil, é chamado de Sopro do Céu Anterior, que é uma energia que está além da consciência física e energética.  São esses, portanto, os três níveis do Sopro.

Ainda existe um quarto nível que é o Sopro do Céu Anterior do Céu Anterior - que é uma energia fóra de nós.


Na prática mística do Taoísmo, nós colocamos a Consciência dentro do Sopro.  Como o Sopro está em constante movimento, a Consciência vai se movimentar naturalmente junto com essa Energia.  Daí, se entra nas Rodas de Moinho, na viagem das Rodas de Moinho.  No entanto, é preciso sempre haver movimento.  Quando o Sopro pára, a Consciência também pára.  Por isso, na prática da meditação existe um estado que é chamado de ‘Estado de Fixação’.

A Fixação é o momento quando a respiração pára e o pensamento pára.  Como a Consciência se submete ao movimento do Sopro, se este pára, a Consciência pára também.  Nesta hora, se alcança um estado de serenidade absoluta, uma quietude absoluta, quando a Consciência não fala, não pensa, não sente, não faz nada.  Porém, a Consciência não está apagada, está viva de uma forma transparente e quieta.  De repente, se percebe que tudo o que existe no movimento do mundo pára.  Naquela hora, entra-se no Estado Zero, no estado da absoluta quietude.  Esse é o estado da Fixação.


Curvar-se é saber ter humildade, saber ter adaptabilidade, maleabilidade.  Submeter-se é saber fluir, saber acompanhar, submeter-se aos movimentos naturais do mundo, saber seguir o grande fluxo da energia do destino.

Uma pessoa que caia numa correnteza forte de um rio e não sabe nadar, o que tem que fazer? Tem que relaxar e fluir com o movimento da água.

Devemos saber fluir com o nosso destino individual e devemos saber fluir com o destino coletivo e devemos saber nos submeter ao destino próprio pessoal.  A pessoa que é capaz de seguir e fluir conforme o movimento cósmico, não mais precisa se preocupar com o destino social ou individual - porque ela estaria atuando acima dessas questões.  Podem guerras, matanças, nascimentos, mortes, renascimentos, destruição, ascensão e queda acontecer.... e tudo passa.... mas o sol e a lua, o vento e a chuva sempre se repetem.  Quando a pessoa está sintonizada com as leis do céu - com o Caminho do Céu -, ela é capaz de se colocar acima dessas leis sociais, podendo, portanto, escapar do Karma social.

Também quando a pessoa consegue acatar bem o seu Karma social, ela consegue fazer com que o seu Karma pessoal não seja tão evidente.  Se uma pessoa consegue acatar o Karma pessoal, ainda tem o risco de ser esmagada pelo Karma social.  Se a pessoa consegue adaptar-se ao Karma social, ainda pode ser esmagada pelo próprio destino cósmico - porque os Karmas social e individual têm que seguir de acordo com as leis cósmicas.

Hoje em dia, o ser humano está cada vez mais contra a natureza, gerando um destino pessoal e social contrários às leis cósmicas.

É preciso saber transformar: sair do nível do Karma para entrar no nível do Dharma, sair da causa e do efeito pra entrar no nível da sabedoria.  A sabedoria está acima da causa e do efeito.



Portanto, falávamos do saber curvar-se, possuir pouco, esvaziar-se e não levar as coisas aos extremos.  A consciência ecológica é um processo de saber não possuir muito.  Nós consumimos demais.  A sociedade humana é extremamente consumista.  As florestas, os minérios - consumimos tudo o que existe na Terra. E com esse consumismo desenfreado, um dia não teremos mais saída porque tudo será esgotado.

A sabedoria é saber fluir na vida, consumindo apenas o necessário.  Isso é um conceito taoísta:  não consumir até o máximo para que a sociedade sempre tenha tempo e dê tempo para a natureza se reciclar e se refazer.

Também em pequena escala, devemos pensar  da mesma maneira:  quando comemos, devemos ingerir apenas 70 por cento da comida, para darmos espaço suficiente para o estomago realizar seu trabalho sem se exaurir.

É preciso que se entenda que tudo o que atinge seu máximo, se desbalança e vira de lado.

Saber se curvar e se submeter significam saber se adaptar e fluir.

Submeter-se permite a retidão - buscar o equilíbrio.  É preciso saber buscar a adaptabilidade para se ser pleno.  Quem estuda o I Ching sabe disso.  Muitas vezes, no I Ching, tanto Confúcio como o Rei Wen falam: para se manter a integridade pessoal, muitas vezes, devemos saber nos curvarmos e saber nos preservarmos.  A insistência, a rigidez e a possessividade apenas nos levam ao infortúnio.

O culto afro-brasileiro, por exemplo, teve que se submeter ao catolicismo, no Brasil.  Houve um sincretismo entre os orixás e os santos.  Naquela época, se os negros que aqui chegaram não se curvassem e se submetessem, poderiam ser massacrados por completo - nada teria sobrado de sua cultura e de suas raízes.

Por um lado, é preciso curvar-se... mas, por outro lado, se preserva aquilo que é preciso ser preservado.  A maleabilidade é uma sabedoria.

Também para as outras culturas e religiões, aconteceram épocas quando era preciso o curvar-se e o submeter-se.  Hoje, o Taoísmo já não mais precisa fazer isso porque se vive numa sociedade mais aberta.  Não tão aberta para sairmos às ruas com megafones...  É preciso saber se curvar e se submeter às circunstâncias.  E todas as circunstâncias são temporárias.  Vive-se de uma maneira em uma época e em outras épocas, vive-se de outra maneira.

Aparentemente, submeter-se a uma regra, a uma força externa, parece ser uma perda de identidade ou uma perda de virtude.  Na verdade, é uma sabedoria saber preservar algo que deve ser preservado.


 Capítulo 22



Curvar-se permite a plenitude
Submeter-se permite a retidão
Esvaziar-se permite o preenchimento
Romper permite a renovação
Possuir pouco permite a aquisição
Possuir muito permite a ganância.

Por isso, o Homem Sagrado abraça a Unidade
Tornando-a modelo sob o céu
Não julga por si, por isso é óbvio
Não vê por si, por isso é resplandecente
Não se vangloria, por isso há realização
Não se exalta, por isso cresce
Só por não disputar, nada pode disputar com ele

Antigamente se dizia:  “Curvar-se permite a plenitude”.
Como poderiam ser palavras vazias?

Assim, ao alcançar a plenitude, encontra-se o retorno

...............

Foto:Sítio das Estrelas, Janine



TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 22
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 06 de dezembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward


A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching