... é preciso ter um Vazio interior para se poder retornar à Extremidade Inexistente, que é a maneira do Céu Anterior ser



 ... é preciso ter um Vazio interior para se poder retornar à Extremidade Inexistente, que é a maneira do Céu Anterior ser

Wu Jyh Cherng


Conhecendo o branco, resguardando o negro

O branco é dia, é consciente, é lúcido.
O negro é noite, é inconsciente, é interior.

É preciso sabermos ter a consciência, o racional, o lógico, o lúcido, o dia, e a utilização da inteligência.  E, ao invés de usarmos a inteligência, devemos procurar nos manter em estado mais intuitivo, receptivo, interiorizado e menos racional.

Mestre Maa diz que, apesar de termos a inteligência, devemos procurar aprender a viver de maneira como se fossemos menos inteligentes, ignorantes até.  Ou seja, apesar do conhecimento que a inteligência permite, devemos nos resguardar e nos manter como ignorantes.  Isso pode ser um conselho sábio porque, se a pessoa, apesar de sua inteligência, se colocar como ignorante, ela terá sempre a humildade de aprender, para ouvir, para interagir.

Ser ignorante, é ter humildade.  Somos ignorantes perante o mundo, temos muita coisa para aprender, dessa forma, somos como uma ‘ravina sob o céu’, ficamos embaixo, com humildade, recebendo a água que vem do céu, a água que vem dos rios que descem das montanhas, deixando a energia passar por nós, sem a prendermos, sendo humildes e receptivos - isso é saber ser ignorante.

E Mestre Maa nos diz que na prática espiritual, sabendo ser ignorantes, podemos cultivar e criar a grande inteligência.  Não nos apegando à inteligência - que na verdade é a pequena inteligência -, podemos realmente cultivar a grande inteligência.


Qual é a diferença entre a pequena inteligência e a grande inteligência?

A pequena inteligência é aquela esperteza para entender as coisas, é sempre ter uma palavra na ponta da língua, é aparentemente saber resolver qualquer problema.

A grande inteligência é a sabedoria de ter uma consciência da totalidade, de saber ter a consciência unida a todas as consciências de uma maneira natural e suave.  Essa é a grande consciência.

E a pequena consciência é o eu diante dos outros e sempre vencendo os outros.  Tudo ainda acontecendo no nível da dualidade, sem a integração com os outros.

A pequena inteligência pode muitas vezes ser até destrutiva.  Vemos isso na ciência, na ciência moderna.  O homem, com sua inteligência, está o tempo todo em guerra com a natureza, com as pessoas, com o céu, com a terra, com todos os seres.  Então, essa inteligência ativa acaba destruindo tudo em sua frente, muitas vezes sendo conhecida como ‘transformadora do mundo’ - apenas que essa ‘transformação’ é simplesmente a destruição da harmonia e do equilíbrio.

A grande inteligência é aquela que não se choca com os outros seres, ela é unida com todos os seres.

Essa é a diferença entre a grande inteligência e a pequena inteligência.


Resguardar o negro” significa resguardar essa ignorância, a quietude e a humildade, para podermos criar a grande inteligência.

Por isso, Ele diz:
Conhecendo o branco, resguardando o negro
Sendo o modelo sob o céu

Esse seria o modelo, segundo Lao Tse.  Esse modelo é saber ser receptivo, saber ter humildade.


Sem se enganar com a Virtude Eterna
Retornará à Extremidade Inexistente

Extremidade Inexistente é o Wu Chi.  Quem rompe com a barreira do racional, da mente, da palavra, entra no verdadeiro silêncio  cósmico.  Isso se chama entrar no Portão Negro.  O Portão Negro é o lugar da grande quietude e dentro dele nasce a grande inteligência, nasce a grande vitalidade.


Quando é a diferença entre a Grande Vida e a pequena vida?

A Grande Vida são todas as vidas como uma única vida.  Vida de todos os tempos como uma única vida.  Vida de todos os lugares como uma única vida.

A pequena vida é a vida de hoje, separada da de ontem, da de amanhã, de aqui e de ali.

Conseguindo restaurar a Grande Vida com a Grande Inteligência, unindo a Grande Vida com a Grande Inteligência - fazendo uma única realidade -, isso se chama a Imortalidade.

Esse é o  conceito da Imortalidade no Taoísmo - a Vida e a Consciência Infinitas.


Por isso, inúmeras vezes na meditação Taoísta, devemos nos alertar para o fato de que é muito comum surgirem efeitos, fenômenos.  De repente, começamos a sentir a energia circulando dentro do corpo, o corpo sai e volta, vêem-se luzes, divindades aparecem, sons, palavras, objetos movendo...  Com a assiduidade da prática espiritual, os fenômenos acontecem.

E quando acontecem, o que se faz?

Não faz, não se faz nada.  Devemos jogar tudo para dentro do Vazio, novamente.  Não devemos prestar qualquer atenção, nem lutar contra, nem alimentar, nem negar.  Tudo, na prática da meditação, visualização, mantra, respiração, tudo isso é instrumento para se entrar no Vazio.

Qualquer efeito gerado será um efeito paranormal ou extrasensorial.  E quando os efeitos aparecem, nosso comportamento é o de não confirmar tais efeitos e também o de não negá-los.  O comportamento é nem o da confirmação, nem o da negação.

Ao se confirmar, fica-se preso aos efeitos, fica-se preso à pequena vida e à pequena consciência.

Ao se negar, está-se confirmando através do lado inconsciente, através do inverso.

Também por isso não se deve ter uma obsessiva paixão pelas divindades nem se deve ter repúdio pelos demônios.

O grande repúdio aos demônios é uma paixão ao avesso.   Uma grande paixão pelas divindades, é trazer o demônio inverso por detrás das divindades.

A divindade representa a transcendência, está acima da paixão, do apego.

O que fazemos então?

Ignoramos.  Devemos ser ignorantes até perante aquilo que estamos conquistando.

Sendo ignorantes, estamos nos colocando como a ravina, o vale sob o céu.  Assim, tudo será natural, passará por nós sem ficar preso, e sem sermos presos a nada.  Com a água presa no vale, o vale se enche, a água fica estagnada, a vida se torna estagnada, nada mais cabe, a consciência se torna limitada.

Por isso Lao Tse diz que é preciso ter um Vazio interior para se poder retornar à Extremidade Inexistente, que é a maneira do Céu Anterior ser.



Capítulo 28


Conhecendo o masculino, resguardando o feminino
Sendo a ravina sob o céu
Sem se afastar da Virtude Eterna
Retornará a ser criança

Conhecendo o branco, resguardando o negro
Sendo o modelo sob o céu
Sem se enganar com a Virtude Eterna
Retornará à Extremidade Inexistente

Conhecendo a glória, resguardando a humildade
Sendo o vale sob o céu

Sendo o vale sob o céu, completará a Virtude Eterna
E retornará a ser madeira bruta

A madeira bruta partida transforma-se em instrumentos
E o Homem Sagrado utiliza-os através de um regente

Isto tudo é um grande corte sem incisão.

...............

Foto: Sítio das Estrelas, Janine



TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 28
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 24 de janeiro de 1995

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng

 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching