Buscando a simplicidade
Wu Jyh Cherng
Conhecendo a glória,
resguardando a humildade
Mestre Maa diz que conhecer a glória é saber enxergar corretamente
todas as riquezas, famas e valores do mundo para transcendê-los.
Uma pessoa que não é capaz de encarar a riqueza, a fama e o poder,
estará fugindo. E fugindo, tudo isso
passa a ser uma sombra que a perseguirá.
É preciso ter a coragem, a força, ou seja, o Yang, para encarar o
mundo e ao mesmo tempo, prescindir dele.
Sendo o vale sob o céu
Mestre Maa diz que o vale sob o céu também pode ser entendido como uma pessoa com o coração totalmente
aberto. O vale está aberto para o
espaço. Uma pessoa com o coração como o
vale sob o céu, é uma pessoa com o coração aberto para o universo.
Sendo o vale sob o céu,
completará a Virtude Eterna
Aí está o Tai Chi, ou seja, a Unidade que corre dentro do Wu Chi,
como se fosse um riacho da vida correndo dentro de um vale receptivo, que não
retém, que não impede, deixando a vida ir e vir, infinitamente e não sendo
alterado por isto, não deixando de ter a vida e não sendo preso pela vida.
E retornará a ser madeira
bruta
Essa é a representação do estado primordial de ser. A pessoa volta a ser como se fosse uma árvore
pura, ao invés de ser uma mesa, uma cadeira, algo feito de madeira.
É voltar a ser a não-forma, voltar a ser a naturalidade. Voltar a ser algo diretamente instalado na
natureza. Uma pessoa que tenha a
receptividade, como o vale sob o céu, como o seu espírito, como sua maneira de
ser, tudo o que nasce dentro de sua vida, nasce de uma maneira natural. Tudo o que existe em sua vida é como se fosse
uma árvore que nasce em um vale, naturalmente, com toda sua perfeição. Sem que essa perfeição seja engenhosamente
talhada ou organizada.
A madeira bruta partida
transforma-se em instrumentos
Quem possui o estado do Tai Chi, esse estado puro, essa matéria
prima de ser, pode ser transformado em infinitas maneiras de ser. Como o Tai Chi que nasce do Wu Chi. Dentro do Tai Chi, existem o Yin e o Yang,
existem o Céu, a Terra e o Homem, existem as quatro imagens, os cinco
elementos, os oito trigramas e tudo o mais.
Ou seja, a partir da Unidade, se encontra o infinito, com infinitas
manifestações. Porém, todas essas
infinitas manifestações são governadas por uma única Consciência.
O universo é complexo mas a sua governança é simples.
Por isso, Lao Tse diz:
E o Homem Sagrado utiliza-os
através de um regente
Esse regente é uma Consciência que está em tudo, é uma única Lei
que a tudo governa, uma lei simples.
Muitas vezes, pergunta-se em relação ao Taoísmo:
-
Sempre que o Taoísmo fala em simplicidade, em naturalidade, como é
possível, na prática mística, falar-se em tantos reinos celestiais, tantas
divindades, tudo tão complexo, tão complicado?
-
Afinal, o universo, segundo o Taoísmo, é complexo ou é simples?
-
Afinal, fala-se da filosofia da simplicidade ou fala-se da
complexidade?
A resposta é muito simples: o universo é complexo. Mas a Lei que rege o universo é simples.
Ninguém pode afirmar que o universo não seja complexo. São milhões
e milhões de galáxias, milhões e milhões de sistemas solares dentro das
galáxias, existem milhões e milhões de espécies de seres, com formas e
características diferenciadas.
No Taoísmo, existem 33 céus
do Céu Posterior, 33 Céus do Céu Anterior.
Mais ainda 3 fronteiras: os mundos do desejo, da forma e da
não-forma. E também existem o caminho
que vai para cima e o caminho que vai para baixo. Divindades de luz, divindades de obscuridade,
outras tantas categorias e divisões entre as divindades, subdivididas em outros
tantos ministérios...
Enfim, tudo muito complexo.
De onde se inspira essa complexíssima teologia?
Inspira-se simplesmente na própria natureza do universo. Porque o universo é complexo.
Qualquer universo é complexo.
De uma folha de árvore levada ao laboratório, pode-se perceber toda sua
complexidade. Cada folha de árvore é um
universo, cada grão de areia é um universo.
Cada fio de cabelo, cada pessoa, cada país, cada planeta, cada sistema
solar é um universo, cada grande universo é um universo e tudo forma um grande
universo: são infinitos universos, um dentro do outro.
O universo é extremamente complexo em sua própria estrutura. Mas existe uma simples Lei para regê-lo. Essa simples Lei é o Absoluto, a unidade, a
dualidade, a triplicidade... e as regras matemáticas.
Quem compreende a essência, compreende a simplicidade. Através da simplicidade, podemos viver o
complexo universo e cada departamento seu, de uma maneira simples.
O homem com o espírito simples, através da simplicidade, pode se
relacionar com tudo.
Portanto, o mundo é complexo mas a vida pode ser simples ou
complicada. Isso só depende do coração
simples ou confuso, do homem.
Quem tem a simplicidade em seu âmago, pode ter uma vida simples,
apesar da complexidade que a envolve.
É assim formada toda a estrutura mística do Taoísmo.
Não se pode negar o que existe, mas é preciso buscar a
simplicidade, mesmo que o todo seja extremamente complexo.
Com a simplicidade em nosso âmago, podemos viver a complexidade da
vida e do mundo.
Como podemos ter isso?
Buscando a simplicidade.
Por isso, Lao Tse diz:
Conhecendo o masculino,
resguardando o feminino
Conhecendo o mundo complexo, permanecendo o espírito em estado
receptivo, quieto e tranqüilo. Mesmo em
grandes turbilhões da vida, sempre agindo de forma calma e tranqüila, sem fuga,
sem relutâncias.
Dessa maneira, o Taoísmo parece difícil. Difícil porque não existem regras ou
doutrinas (o que poderia parecer mais fácil, para as pessoas em geral).
Por que então é difícil?
Porque nós temos dificuldade em encontrar essa simplicidade
interior.
Por isso, Lao Tse diz:
E o Homem Sagrado utiliza-os
através de um regente
Esse regente é uma Consciência única que ordena todas as coisas sem
que estas sejam separadas.
O universo é o Tai Chi.
Dentro do Tai Chi existem o Yin e o Yang.
No encontro do Yin e do Yang formam-se o Céu, a Terra e o
Homem. Criam-se as quatro direções, os
oito trigramas e as infinitas possibilidades em suas combinações.
Porém, tudo isso é Yin e
Yang.
E o Yin e o Yang formam o Tai Chi.
E todo o Tai Chi está dentro do Wu Chi.
Isso é simples.
E, nessa simplicidade, se governam todas as coisas sem que elas se
separem. Mesmo que aparentemente estejam
separadas. Mas não estão.
E Lao Tse a isso denomina:
Isto tudo é um grande corte
sem incisão.
Uma pessoa que vive com a simplicidade e a essência ensinadas por
Lao Tse e o I Ching, é capaz de discernir as coisas.
O que é discernir?
Discernir é fazer um grande corte: isso eu faço, isso eu não
faço. É o discernimento. O discernimento é um corte.
A diferença entre julgamento e discernimento é que
Julgamento
- que é mais preconceituoso - é um corte com incisão.
Discernimento
é saber seguir o caminho naturalmente correto, sem que seja preciso haver um
corte, uma ruptura.
Ou
seja, tudo é um trabalho muito mais sutil, mais interior.
Capítulo 28
Conhecendo o masculino, resguardando o feminino
Sendo a ravina sob o céu
Sem se afastar da Virtude Eterna
Retornará a ser criança
Conhecendo o branco, resguardando o negro
Sendo o modelo sob o céu
Sem se enganar com a Virtude Eterna
Retornará à Extremidade Inexistente
Conhecendo a glória, resguardando a humildade
Sendo o vale sob o céu
Sendo o vale sob o céu, completará a Virtude Eterna
E retornará a ser madeira bruta
A madeira bruta partida transforma-se em instrumentos
E o Homem Sagrado utiliza-os através de um regente
Isto tudo é um grande corte sem incisão.
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Foto: Sítio das Estrelas, Janine
TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 28
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG
Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 24 de janeiro de 1995
Transcrição e Síntese de Janine Milward
A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil
Nesta mesma Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching