O ALTAR TAOÍSTA
Wu Jyh Cherng
No altar taoísta, as três representações do Absoluto aparecem num
quadro horizontal. São três pessoas
sentadas: a do centro está vestida de azul, a do lado direito está vestida de
verde e a da esquerda, está vestida de amarelo ou verde-amarelado.
A pessoa do centro representa o Tao, o Senhor do Princípio Inicial. A pessoa do lado direito é o Senhor do
Tesouro e do Espírito. A pessoa do lado
esquerdo é o Senhor do Caminho e da Virtude.
Como podem, então, existir três representações do Absoluto se o
Absoluto não tem forma, está além da linguagem?
Não seria contraditório haver
figuras no altar se o Absoluto não tem forma, nem linguagem e não pode ser
representado por nada? Por que então o
Absoluto aparece através do desenho das três pessoas?
Isso acontece assim porque, dessa maneira, é representada a
manifestação do Tao em pessoa, ou seja, a possibilidade de três aspectos do
Absoluto serem representados por pessoas.
Quando o homem encontra o Tao, ele tem em si mesmo essas três
representações: a representação do Tao, a representação da Sagrada Leitura e a
representação do Mestre. São essas as
três identidades que o ser que alcança o Tao pode possuir simultaneamente.
No Taoísmo, o altar é um espelho, o espelho que reflete a nossa
verdadeira identidade. O Absoluto não
tem forma, mas o Absoluto representado em pessoa tem forma. Isso traz o conceito fundamental de que, para
o Taoísmo, o alcance do Tao ainda pode estar contido nesta vida, ainda pode
acontecer nesta vida. não é preciso morrer
e perder o corpo físico para se alcançar o Absoluto. Pode-se viver perfeitamente esse Absoluto
aqui na terra com o corpo físico.
Surge, portanto, a misteriosa manifestação: nessa hora, nós nos
transformamos em três, nos transfiguramos, passamos a ser múltiplos.
Isso traz o conceito misterioso de que no Taoísmo, um grande mestre
espiritual de alto nível pode, até no nível físico, ser uno e múltiplo ao mesmo
tempo. por isso, o mestre pode se olhar
no espelho e se ver em três pessoas: primeiramente, como o próprio Tao; depois
como a própria Revelação. E, finalmente,
como o próprio Mestre.
O Mestre Celestial é representado como duplo, como a representação
do masculino e do feminino: duas divindades, Yang e Yin. O Mestre Celestial é o terceiro mestre mais
importante entre os fundadores do Taoísmo.
É o grande reformador e organizador das ordens. A Ordem Ortodoxa Unitária - que é a Ordem que
seguimos -, é a mais antiga Ordem do Taoísmo e foi fundada pelo mestre
Celestial.
A força do Mestre Celestial é representada no altar por dois selos:
são os dois quadros verticais e amarelos: o da direita representa a
manifestação feminina do Mestre Celestial, a manifestação Yin. O da esquerda, representa a manifestação
masculina, o Yang. Essas representações são
como dois braços. Se o altar fosse uma
pessoa, o quadro do lado direito seria o braço Yang, braço racional, braço da
determinação. E o braço esquerdo seria o
braço da receptividade, da compaixão, da suavidade, da sustentação. De um lado a mão impostada, doando, e do
outro, a mão aberta, recebendo.
Quando estamos em frente ao altar, estamos aproveitando em nosso
lado Yang a força Yin do Mestre Celestial; e do nosso lado Yin, a sua força
Yang nos conectando.
Surge, assim, uma força dinâmica no altar em função do ciclo
infinito de energias entre o Yin e o Yang.
O Altar e as Divindades em imagens são exatamente o espelho que nos
reflete. No espelho, nós nos vemos como
pessoas comuns. No Altar, nós nos vemos
como num espelho mágico que reflete nossa verdadeira identidade. Nós nos vemos com um Homem Sagrado. Por isso, as divindades taoístas são como
figuras físicas no altar, simbolizando o sagrado que ainda se encontra no corpo
físico. E se as imagens refletem nossa
verdadeira identidade, a nossa sagração pode ser feita de inúmeras formas:
podemos nos sagrar como imagem de Lao Tse, que nos deixou todos esses
conhecimentos, essas técnicas, essa sabedoria; podemos nos sagrar como o
Sagrado Guerreiro, com seu sangue de serenidade, com sua mão direita de justiça
e discernimento e com sua mão esquerda de compaixão, suavidade e
receptividade. Podemos nos sagrar como o
mestre Celestial que nos transmite a força das manifestações do Yang e do Yin. Podemos nos sagrar como o Rei dos Mistérios
ou outras Divindades. Assim entendemos o
Altar.
Tudo aquilo que se encontra no Altar tem um propósito, um
significado, tudo foi estudado e elaborado minuciosamente pelos mestres
iluminados e patriarcas de alto nível.
No Altar Taoísta, existem quatro oferendas básicas: o incenso, a
flor, a água e a luz.
A luz da lâmpada, da lanterna ou da vela simboliza a luz da
consciência, o encontro da nossa consciência com a consciência sagrada.
O incenso é normalmente um pedaço de palito com essências e pozinho
de carvão que se queima simbolizando o despojamento e a transformação. Transformação do corpo físico em corpo
etéreo, transformação do indivíduo. O
aroma que permeia o ambiente simboliza a consciência do ego dissolvido que
começa a abraçar o todo. Enquanto se
queima o incenso, o palito vai desaparecendo, ao mesmo tempo que o aroma vai se
acentuando e se espalhando pelo ambiente.
Do mesmo modo, a partir do momento que dissolvemos nosso ego, nossa
consciência passar ser como o aroma que abraça todos os seres, igualmente.
A água simboliza a purificação.
Nós usamos a água para lavar todas as coisas. Muitas vezes, no Altar, a água é substituída
por chá, como o mesmo simbolismo. A água
retira os apegos, as loucuras, os traumas.
A flor simboliza a vida.
Sendo a flor o símbolo da vida, a partir do momento que se percebe que a
árvore floresceu, entende-se que a primavera chegou, que a vida da árvore está
ficando resplandecente. Uma pessoa cheia
de energia, diz-se que está na flor da vida.
a flor deve ser trocada periodicamente, simbolizando que nossa
vitalidade deve sempre ser renovada.
No Altar também encontramos as frutas. As frutas simbolizam o despojamento. Despojamento de valores porque, se cortarmos
tudo de uma pessoa, teremos que manter o ar, a comida, a água, o mínimo
necessário de vestimentas. A comida
simboliza, portanto, aquilo que é essencial na vida do ser humano. A comida
também simboliza o despojamento do ego.
Todas as imagens e todas as oferendas que estão no altar refletem
nossa verdadeira identidade e nós devemos reverenciar a nossa verdadeira
identidade. O céu designa o sagrado e
esse sagrado, na verdade, está dentro de nós.
O sagrado de dentro e os agrado de
fóra de nós se unem num só. Dessa
maneira, nós juntamos nosso espírito ao espírito do Altar. Por tudo isso, vemos que o Altar não é,
portanto, uma supertição. Faz-se o
Altar, recita-se o mantra, reverenciam-se as Divindades, acende-se o incenso -
não se faz tudo isso sem significado.
A força do Altar vem da busca direta entre o ser e as três representações
do Absoluto. Tao significa Caminho e nós
caminhamos até o Tao através da recepção da Sagrada Leitura, através dos livros
e dos textos que foram revelados e passados através das gerações.
Hoje em dia, os textos são impressos; mas, antigamente, eram todos
manuscritos. Em minhas aulas com Mestre
Maa, muita coisa vinha de um manuscrito dele e era tarefa dos alunos copiar os
textos e depois devolve-los, ou seja, a transcrição era feita a partir do
manuscrito e feita com disciplina para copiar corretamente, sem palavras
erradas. Essa é a segunda representação
do Absoluto.
A terceira representação é a iniciação da passagem do mestre para
discípulo, de geração para geração.
Esses são os três pilares do Tao: a caminhada individual de cada
um, a busca intuitiva, a busca da integração com o Absoluto, com o Sagrado; a
recepção da leitura e do conhecimento do Absoluto. E a ligação com as linhagens tradicionais e
ininterruptas.
Os três pilares são: o Tao, a Sagrada Leitura e os Mestres.
Portanto, quando estamos olhando para o Altar, estamos olhando para
o sagrado que existe em nós, como um espelho que nos diz: Eu estou mostrando a você quem você realmente
é. Não se esqueça que você é o Sagrado
Guerreiro, que você é o mestre ascencionado, que você é a própria sabedoria,
que você caminha na Virtude e na Imortalidade.
Não se esqueça que todo o sagrado está dentro de você, para você
despertar e renascer.
Encaixando-se os contrários, temos formado um anel de união. Diante do espelho, nossa mão e nosso braço
esquerdos tornam-se nossa mão e nosso braço direitos. A união, então, é formada: o mundo visível e
o mundo invisível, o mundo humano e o mundo sagrado se unem como um só. A partir daí, rompe-se a barreira do espelho.
O espelho cai e tudo se torna um só.
Esse é o propósito do Altar.
Tudo o que existe no Altar - as representações das Divindades, as velas
vermelhas, o incenso, o chá, as flores, os panos coloridos... - são meios para
se fazer essa união.
Esse é o caminho do misticismo unido ao caminho da existência.
A Força do Altar
Quando
se faz um altar, concentra-se lá a
força. Quando uma pessoa reverencia um
altar, vai ali deixar sua força. No
entanto, essa energia é uma concentração.
É uma troca de energias porque se manda energia para o Tao e o Tao manda
sua energia de volta.
Essa
centralização de força no altar é feita com o sentimento de respeito, de
reverência, de humildade. São energias
boas.
Portanto,
o altar acaba se tornando um campo, um centro de força que vai magnetizar quem
perto dele chegue.
Nos
aproximamos do altar de força positiva e nos sentimos trocando energias.
Nos
meus tempos de aprendiz, há sete anos atrás, conheci uma moça que estava bem
mais adiantada. Ela me ensinou a
perceber o tipo de forças presentes em vários lugares. Energia boa ou não.
Para se
reconhecer um Mestre, basta se prestar atenção no altar. Se o altar tiver muita força, o mestre tem
muita força. Se o altar causar enjôo,
dor-de-cabeça ou mal-estar, certamente a energia daquele mestre não está
equilibrada para você. Sentindo uma
força mais nítida, certamente é um sacerdote que trabalha com força de justiça,
de exorcismo, de algo mais rígido.
Sentindo uma sensação mais leve, ficando-se emocionado, certamente é uma
pessoa mais devocional, que trabalha com força mais emotiva.
Conhece-se
então a pessoa a partir da força de seu altar.
O altar é o centro de vibração, a gente se aproxima do altar e o campo
de vibração nos envolve.
Todos
os altares recebem energia. Quando lá
vamos rezar, orar, acender um incenso, estamos externando nossa energia em
direção ao altar.
Parece
um fundo, um clube de investimentos.
Chega uma hora que concentrou tanta força, que todas as vezes que nos
aproximamos nos sentimos re-equilibrados, re-energizados.
Essa é
a função do altar.
O ALTAR TAOÍSTA
Transcrição de Aulas
Ministradas e Gravadas
Por WU JYH CHERNG
Na Sociedade Taoísta do
Brasil, Rio de Janeiro.
Fusão de textos de partes das
aulas de 21 de junho e 27 de setembro de 1994
E ainda partes dos Textos
relativos ao Capítulo 12 do Tao Te Ching, de Lao Tse,
em aulas ministradas em
agosto/setembro de 1994
e ao Capítulo 5, em 21 de
junho de 1994