Impermanência e Imortalidade
Wu Jyh Cherng
O Céu é constante, a Terra é
duradoura
O que permite a constância e a
duração do Céu e da Terra
É o não criar para si
Por isso são constantes e
duradouros.
O Céu e a Terra não criam nada
para si. A razão do Céu e da Terra serem
duráveis e constantes é que a força primordial que os move, que mobiliza ambos,
não é a força do próprio Céu nem da própria Terra e sim a força do Grande Tao. Céu e Terra são movidos pelo Tao. O Tao está em todas as partes, é o princípio
de tudo, está presente em todas as coisas.
É essa força do Tao, como o Absoluto, que move o Céu e a Terra.
A diferença entre o ser humano e
o Céu e a Terra é que o Céu e a Terra trazem dentro de si uma coisa chamada
‘naturalidade’. No Céu e na Terra todas
as coisas acontecem dentro de uma naturalidade: o Céu e a Terra não pensam, não
premeditam. Eles emanam consciência,
emanam força energética, produzem movimentos físicos de uma maneira natural
enquanto o ser humano já perdeu, em sua grande parte, essa naturalidade. Nós agimos com demasiada intenção. Sempre tentamos produzir com nossa própria
mente, questionar com nosso próprio julgamento, com nossas próprias idéias,
ignorando a integridade do universo.
Vivemos a nossa vida consumindo a nossa própria energia e nossa própria
força enquanto esquecemos que existe uma energia cósmica que poderia estar nos
conduzindo em vez de nós estarmos conduzindo a nossa vida com a nossa própria
força. Precisamos aprender a permitir
que a força cósmica conduza nossa vida.
A natureza em consciência sem
ego, energia sem ego, movimento físico sem ego.
Você já imaginou se o sol tivesse um ego tão forte quanto o nosso? Também a Terra não tem ego. A Terra não pode decidir deixar de girar, por
exemplo. Bem como o sol, não pode
recusar doar sua luz aos planetas. Tudo
acontece naturalmente, sem intenção.
No caso do homem, ele usa sua
intenção para conduzir os eventos: o ser humano complica a sua vida ao ponto de
perder a própria naturalidade. Essa
perda da naturalidade faz com que as nossas vidas não tenham mais constância e
duração: que não sejam constantes e duradouras, como o Céu e a Terra.
Os mestres iluminados ou
ascensionados são exatamente aquelas pessoas que conseguiram de alguma maneira
recuperar essa constância e essa duração.
Dependendo do grau de recuperação dessa naturalidade e integração entre
o Céu e a Terra, eles se tornam ascensionados de um nível mais alto, mais amplo
e profundo, ou menos alto, menos amplo e menos profundo.
A continuar permanecendo como
estamos, nos tornamos sempre os mesmos: vivendo, morrendo, vivendo,
morrendo. E ainda podemos piorar mais
ainda essa condição, migrando para níveis inferiores.
O Taoísmo busca, portanto, essa
recuperação dessa integração da naturalidade.
O primeiro passo dessa jornada é a não-intenção. Não-intenção não deve ser entendida como não
fazer nada. Quando o Taoísmo fala do
famoso conceito da não-ação, deve ser entendido como ação-não-intencional. Uma ação que seja, pelo menos, menos
intencional. Não se deixa de fazer as
coisas. O que deve ser feito será feito,
apenas que feito de uma maneira mais natural, de uma maneira mais espontânea,
menos premeditada e menos engenhosa, com menos ego. Isso não significa que renunciaremos a nossa
capacidade mental, racional, intelectual, física e energética. Não.
Temos plena consciência das cosias apenas que usufruímos delas de uma
maneira mais natural, mais espontânea, mais suave. Isso é chamado de ação-não-intencional. As pessoas não perdem o pensamento, a
capacidade de pensar, de sentir, de sensibilizar-se, porém não são prisioneiras
da sensibilidade, do pensamento, de quaisquer capacidades.
Os animais são mais espontâneos
do que os homens. E menos disciplinados
em relação aos instintos. Porém o animal
não possui uma complexidade racional e uma complexidade emocional como o ser
humano. O ser humano possui uma múltipla
capacidade, como se fosse uma máquina bem mais sofisticada. O espírito primordial - que é o espírito
universal que existe na essência de cada ser - é igual tanto para o animal
quanto para o homem. A alma que envolve
a transfiguração desse espírito é que tem uma intensidade diferente, carregando
dentro de si todos os códigos e todo o constante processamento e as modificações. Quando essa alma entra dentro de um corpo,
dependendo do grau de sofisticação, o aproveitamento dos dados é
diferente. O espírito de cada um de nós
é como se fosse um disquete de computador, virgem, potencialmente
infinito. A alma é como o sol. O programa sofisticado e complexo gravado e
colocado numa máquina de alto potencial funciona de uma maneira diferente da de
um mesmo programa colocado numa máquina de menor intensidade. O corpo dos animais dispõe de uma capacidade
menor do que o corpo de uma alma encarnada humana. A diferença entre o disquete e a alma é de
que o disquete não é moldável; quando inserido numa máquina de menor
capacidade, trabalha conseqüentemente muito menos.
A alma não é assim tão rígida,
ela se amolda conforme o tempo que passa numa potencialidade limitada, se
enquadrando no nível daquela potencialidade e a partir daí, as encarnações vão
acontecendo em níveis mais inferiores - o que é denominado de ‘caminho da
obscuridade’. Do mesmo modo, a alma de
um animal pode reencarnar num ser humano, ampliando sua programação e
melhorando aos poucos, também.
Nessa infinitude de encarnações,
a alma está todo o tempo se moldando e esse é um dos conceitos fundamentais do
I Ching, a mutabilidade. O tempo inteiro
tudo está mudando. O corpo muda, a alma
muda, o conceito muda, a capacidade da consciência muda.
O Taoísmo não trabalha com os
conceitos de evolução e de involução.
Também não trabalha com os conceitos de castigo e punição. Você fez o seu destino até o ponto anterior
que fez com que você hoje seja assim.
Continuando a viver progressivamente a sua vida, você vai fazer com que
sua(s) próxima(s) vida(s) seja(m) o resultado daquilo que você fez até lá.
Portanto, não existe um juízo
supremo que faz um julgamento. Se um ser
humano encarnou num animal, ele criou essa situação para si mesmo, ele se
transformou num animal. Ao contrário, se
um animal se transformou num ser humano, ele também fez por isso. Se após um longo tempo de vivência, um homem
se tornou uma divindade em nível superior, tornou-se uma divindade celestial
num mundo mais sutil e mais iluminado, ele fez por isso.
Se existe evolução ou involução,
isso é uma questão de semântica. No
Taoísmo, não existe o chamado conceito de evolução espiritual onde acredita-se
que as pessoas podem progressivamente ir se desenvolvendo até chegarem à
perfeição.
Uma divindade pode retornar ao
nosso mundo como mestre. Volta e meia
existem pessoas do reino celestial encarnados na Terra por motivos
diferentes. Podem também migrar para uma
outra dimensão que não seja humana, migrar para outros mundos. No Taoísmo, quando das mudanças de dimensão
ou de encarnação, não existe uma decisão pragmática do homem. Ele apenas faz, apenas constrói sua
vida. Dois mais dois são quatro e
pronto. Não pode ser diferente. As mudanças vão simplesmente acontecendo, sem
que haja qualquer juízo sobre isso.
No caso de descenso de pessoas
já em níveis superiores, existem dois tipos: aqueles que por matemática somaram
5 a -2 e
obtiveram 3. E aqueles que por voto
próprio de compaixão, descem como trabalhadores. Eles vêm ajudar e depois retornam. Podemos perguntar se eles têm consciência
disso. Alguns sim, outros não,
dependendo do nível da pessoa e dependendo do nível do espírito encarnado.
As divindades não
necessariamente são imortais. Há o
conceito interior de divindades comuns e divindades imortais. Imortais são aquelas divindades que têm uma
autonomia maior. Existem inúmeros
reinos, mundos superiores ao nosso nível que ainda estão dentro do universo. O Imortal é aquele que rompeu a fronteira do
universo e foi para o mundo Wu Chi.
Todas as divindades que estão dentro do mundo do Tai Chi estão no mundo
do Um. Os Imortais foram para o mundo do
Zero, o mundo do Wu Chi. Dentro do mundo
do Tai Chi existem trinta e três Céus, ou seja, existem trinta e três níveis de
universos no mundo sagrado.
As bênçãos vêm através do
merecimento, não de forma gratuita. Uma
divindade, por votos de afetividade e compaixão, pode estar o tempo todo
trabalhando em benefício das pessoas.
Essa divindade pertence a um nível mais baixo, mais próximo ao de nosso
mundo. Mas mesmo essa ajuda só pode
acontecer no momento em que estamos sintonizados com ela. Palavras como merecimento, bênção,
julgamento, etc, são perigosas de serem usadas por trazerem idéias
distorcidas. Essas coisas não existem no
Taoísmo. É simplesmente uma questão de
causa e efeito.
CAPÍTULO 7
O céu é constante, a terra é duradoura
O que permite a constância e a duração do céu e
da terra
É o não criar para si
Por isso são constantes e duradouros
Assim
O Homem Sagrado deixa seu corpo para trás e o
Corpo avança
Além do corpo, o Corpo permanece
Através do não-corpo, conclui o Corpo
SZE: O Corpo aqui tem sentido de
corpo espiritual.
foto: sítio das estrelas, Janine
Este texto é extraído da
transcrição realizada por Janine Milward da gravação da Aula ministrada
por Wu Jyh Cherng, em 19 de julho de 1994,
sobre o Capítulo 7 do Tao Te Ching, o Livro do Caminho e da Virtude, de
Lao Tse - com Tradução e Interpretação do Mestre Cherng.
Esta Aula foi transcrita e
sintetizada por Janine Milward.
O Título deste texto
Impermanência e Imortalidade
foi idealizado por Janine e
não faz parte do texto original.
Na Editora Mauad, São Paulo, Brasil,
encontra-se ainda no prelo a
realização da publicação
das interpretações de Wu Jyh
Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao
Tse, o Tao Te Ching