A Ação sem-intenção do Céu e da Terra
Wu Jyh
Cherng
O Céu e a Terra e os sábios iluminados não se importam com os seres
humanos. O que se quer dizer com
isso? O Céu e a Terra não têm piedade,
não são piedosos.
Toda a piedade é um ato de doação, um ato de benefício feito ao
próximo com intenção.
O Céu e a Terra não têm essa piedade... e será então que eles nada fazem? Pelo contrário. Tudo o que o Céu e a Terra fazem, tudo o que
a natureza faz, é sem-intenção. O Céu e
a Terra doam nossa água, nosso ar, nosso calor, nossa Terra, a vida - mas não o
fazem por piedade, eles simplesmente fazem.
E sem intenção. É uma doação sem
intenção.
O Céu e a Terra não são
bondosos
Tratam os dez mil seres como
cães de palha
Todos os seres vivem entre o Céu e a Terra. O Céu, a Terra e a natureza tratam todos os
seres sem intenção. Antigamente, o cão
de palha era usado para o ritual de oferenda substituindo o sacrifício dos
animais. Pega-se a palha, faz-se o
formato de um cachorro e o queima.
Por que se queima o cão de
palha? Primeiramente, assim não se
sacrifica a vida. A oferenda torna-se
simbólica. A oferenda é necessária, ela
simboliza a doação, o desapego.
No altar, se põem comida, dinheiro, se acende incenso - tudo isso
como um gesto de doação. A doação é um
gesto que representa o desapego. Se nos
apegamos às coisas, não existe doação.
As oferendas, no entanto, não são um suborno às Divindades. Tratam-se, sim, de um processo de
desapego. Todas as doações são realizadas
para o desapego e não para o suborno. Na
verdade, devemos colocar as coisas no altar, não desejando nada, simplesmente
oferecendo, como um desapego em si.
Quando se realiza uma oferenda, oferece-se um cão de palha. Por que3 um cão e não um boi ou um porco de
palha? Porque o cão é o animal da
fidelidade, passando a vida inteira sendo fiel a seu dono. Por isso se oferece o cão de palha que tão
bem simboliza a fidelidade.
Num ritual de oferenda de um cão de palha, simboliza-se a entrega,
um gesto de desapego, de resguardo da vida e de fidelidade. Fidelidade perante as tradições espirituais,
perante os Imortais, perante às Divindades, os Mestres Ascensionados.
Nessa frase também está implicada a idéia de que, em se oferecendo
um cão de palha, está se dando uma importância ao simbolismo do gesto. Desde há muito tempo na história da
humanidade muitas coisas foram simbolicamente realizadas para poupar vidas e
para manter apenas o espírito da coisa e não para que a oferenda se tornasse
algo distorcido e de conveniência.
Diz-se, então, que o Céu e a Terra não são piedosos porque tratam
os dez mil seres como cães de palha... significando que o Céu e a Terra tratam
todas as pessoas sem a intenção de fazer o bem, no entanto, eles simplesmente
fazem o bem. E se não tratam bem as
pessoas, se não têm piedade, tratam
todos os seres como cães de palha.
Tratar muito bem alguém, tornar uma pessoa muito valiosa para si mesmo,
pode significar que se está querendo exercer a posse sobre esta mesma
pessoa. Todos os valores que temos em
relação a coisas e pessoas trazem um sentimento de posse. Quem não tem qualquer sentimento de posse não
trata algo ou alguém como valioso e nem trata como sem valor. Não faz as coisas nem se relaciona por
piedade com as pessoas; apenas faz tudo
como dever ser feito. Dessa maneira, faz
todas as coisas sem sentimento, sem intenção, sem julgamento.
O Céu e a Terra fazem o sol, a luz, o vento, o lume, a chuva, sem
intenção de fazê-los. O ser humano sim,
é que quase sempre tem uma intenção naquilo que faz. O ser humano tende a julgar que a tempestade
acontece porque o Céu está aborrecido com ele, que a seca acontece porque a
Terra está irada. Nós sempre julgamos
que a Terra e o Céu possuem uma identidade egóica. Que reagem como nos, seres humanos, reagimos
em relação aos nossos amigos ou inimigos.
Nós podemos nos irar contra pessoas e criar tempestades em suas vidas ou
tornar suas vidas áridas ou secas. E
fazemos tudo isso com intenção. Como uma
reação do nosso ego. Porém o Céu e a
Terra não possuem egos, eles simplesmente fazem as coisas e fazem-nas sem
intenção. Dessa maneira, eles tratam os dez
mil seres como cães de palha.
Capítulo 5
O Céu e a Terra não são
bondosos
Tratam os dez mil seres como
cães de palha
O Homem Sagrado não tem
piedade
Trata os homens como cães de
palha.
O espaço entre o Céu e a Terra
se assemelha a um fole
É um vazio que não distorce
Seu movimento é a contínua
criação.
O excesso de conhecimento
conduz ao esgotamento
E não é melhor do que
manter-se no meio.
foto: Sítio das Estrelas, Janine
Este texto é extraído da transcrição
da gravação da Aula ministrada por Wu Jyh Cherng, em 21 de junho de
1994, sobre o Capítulo 5 do Tao Te
Ching, o Livro do Caminho e da Virtude, de Lao Tse - com Tradução e
Interpretação do Mestre Cherng.
Esta Aula foi transcrita e
sintetizada por Janine Milward.
O Título deste texto
A Ação Sem-Intenção do Céu e
da Terra
foi idealizado por Janine e não faz parte do
texto original.
A tradução dos Capítulos do
Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora
Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo,
Brasil
Na Editora Mauad, São Paulo, Brasil,
encontra-se ainda no prelo a
realização da publicação, em breve,
das interpretações de Wu Jyh
Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao
Tse, o Tao Te Ching