TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 17
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro,
em 04 de outubro de 1994
Capítulo 17
Do Supremo, o
inferior tem apenas ciência da existência
Do estado que
o sucede, intimidade ou admiração
Do estado
seguinte, temor ou desprezo
Não havendo
suficiente confiança, surge a desconfiança.
Quem valoriza
a palavra, realiza a obra sem deixar rastros
Assim, o povo
achará que surgiu por si, naturalmente.
Neste Capítulo, Lao Tse nos fala sobre
os três níveis de vivência no Tao:
o nível superior
o nível mediano
e o nível inferior.
O ser humano pode compreender ou
conviver com o que chamamos de Sagrado ou forças superiores - não importa o
nome que se atribui, o Tao, Deus, Divindades, Desconhecido - de três maneiras.
O nível inferior é vivenciado com temor
ou com desprezo. Existem pessoas que têm
pavor dos deuses, acham que os deuses castigam, censuram, nos vigiam, nos
mandam tempestades e raios, trovões, guerras, miséria... Ou possuem uma mentalidade cética,
materialista, sem acreditar em nada.
Num outro estado mais acima, existem as
pessoas que vivem o Sagrado com intimidade ou com admiração. Parecem ter uma espécie de deslumbramento,
uma reverência com algo que é superior.
Muitas vezes isso pode ser levado ao extremo eclodindo uma espécie de
paixão que, no sentido negativo, pode levar à histeria mística e
religiosa. Outras vezes, as pessoas
demonstram uma intensa intimidade com o que se chama de Sagrado.
Não importa se aconteça de uma maneira
ou de outra, a interpretação desse Sagrado, desse Absoluto, parece ser de uma
maneira de ‘idealização’. Sempre essa
intimidade ou essa admiração parecem querer dizer ‘aquilo que eu idealizo é o
que eu gostaria de ser e que não sou ou que ainda não sou’. Em qualquer caso, é uma idealização.
A idealização é a utilização da
linguagem. Você pode idealizar algo se
isto não for definido através de uma forma - mesmo que esta forma seja abstrata
- mas tem que ser definida.
Do Supremo, o
inferior tem apenas ciência da existência
Do estado que
o sucede, intimidade ou admiração
Do estado
seguinte, temor ou desprezo
No estado do Supremo, não há linguagem,
não há forma. Quem alcançou a vivência
de real integração com o Supremo - esse estado puro do Tao - não tem nada para
dizer: é, simplesmente.
Essa vivência não pode ser revelada
através da palavra. Não pode ser
ilustrada através da palavra nem pode ser ilustrada através de alguma
linguagem. O Supremo, mesmo para aqueles
que ainda não O alcançaram, é sabido que Ele existe.
Uma pessoa que pratica o Caminho do Tao
numa compreensão superior, mesmo que ainda não tenha alcançado o Supremo, não
tem como traduzir o Absoluto e o ilimitado e o infinito através das palavras
finitas, ou das formas finitas - porque mesmo que essa pessoa ainda não esteja
neste estado, ela sabe que o Absoluto não pode ser interpretado. Ela apenas sabe que Ele existe.
Dessa maneira, mesmo que se force a
interpretação deste estado, todas as palavras usadas serão apenas indicações
que apontam para uma direção. Para que
as pessoas possam se dirigir por si mesmas e possam alcançar o caminho do Tao.
É por esta razão que o Taoísmo usa o
termo Tao como Caminho, como uma referência desta busca e não usa o termo Deus
como a referência desse Absoluto. Assim,
se evita uma possível interpretação personalizada ou realizada através de uma
linguagem.
O Caminho é apenas uma referência para
nós. O Caminho só existe se andarmos
nele. O Caminho só existe uma vez que
Ele seja percorrido. Se não caminharmos,
o Caminho não existe.
Se uma estrada de milhões de dólares é
construída e ninguém a usa, teoricamente a estrada existe, mas na prática,
não. Igualmente, acreditamos
teoricamente que o Absoluto existe, mas se Ele não for vivenciado..., ele não
existe.
Por isso, o Taoísmo usa o termo Tao
para representar a possibilidade desse
alcance do Absoluto. Como um
Caminho que só existe quando nós o vivenciamos, o caminhamos, o
percorremos. Mas quem realmente vive
esse Caminho - o Tao - não tem palavras para defini-lo, para interpretá-lo -
sabe apenas que Ele existe.
Existem aquelas pessoas que
conseguiram, através de uma prática mística, alcançar uma experiência
extraordinária e maravilhosa que transcende a barreira do mundo físico, da
linguagem e da forma.
Quando essas pessoas retornam de usas
experiências e tentam descrevê-la através da linguagem, da forma, da imagem,
etc., o que então acontece? Uma vez esta
experiência tenha sido transformada em conceitos verbalizados, na verdade, não
mais estará se falando da experiência - porque não se fala, não se revela o Absoluto
através da linguagem. Essas pessoas são
aquelas que demonstram ‘intimidade’.... ‘porque na minha experiência eu me
encontrei com Deus’.... E o discípulo,
admirado, diz: Venerável mestre, como
foi que você encontrou com Deus?
.................................................................................... Deus, portanto, parece ser aquela luz
irradiante, parece tudo ser uma ficção científica e todos ficam maravilhados.
Esse é o segundo nível, o nível do
fenômeno. O segundo nível é o da
experiência do fenômeno. Esse nível
ainda é melhor do que o terceiro, quando, se as pessoas forem religiosas, rezam
para não serem castigadas ou para serem abençoadas. E se não forem religiosas, desprezam qualquer
experiência ou fenômeno porque não acreditam em nada.
Por isso, no texto que se sucede, Ele
diz:
Não havendo
suficiente confiança, surge a desconfiança.
Portanto, existem as pessoas que vivem
no estado do Supremo, que compreendem as coisas de uma maneira superior. Existem as pessoas que compreendem a um nível
mediano, aquelas que compreendem a um nível inferior e existem aquelas pessoas
que não compreendem. Nesse nível, estão
as pessoas que não possuem convicção das coisas.
No nível superior, existe a convicção,
a consciência da existência de algo além do mundo em que vivemos; algo supremo,
algo sagrado, algo transcendental que não pode ser descrito através da
linguagem. Sabe-se que o Supremo está
além da linguagem: apenas sabe-se que Ele existe.
O segundo nível acredita que existe algo
e tenta interpretar esse algo através da linguagem.
O terceiro nível também acredita mas
não consegue interpretar nada. Também
tem confiança no que acredita ou acredita de uma maneira ignorante ou ainda
acredita não acreditando e critica. Isso
também é uma espécie de convicção, uma espécie de confiança. Também nesse nível estão as pessoas céticas,
que não acreditam.
No quarto nível, abaixo das três
categorias anteriores, surge o nível de ‘Não havendo suficiente confiança,
surge a desconfiança’. São aquelas pessoas que
não têm nem convicção das coisas. Nos
três níveis anteriores existe a convicção demonstrada de formas
diferentes. Nesse quarto nível, as
pessoas não são totalmente confiantes em suas próprias mentes, não têm a
convicção de acreditar que existe ou que não existe - ficam flutuando entre o
‘às vezes acho que sim e ás vezes acho que não - às vezes penso e às vezes não
penso’. Surge, então, a desconfiança e a
vida é vivida na incerteza.
Em seguida, nas duas últimas frases,
Lao Tse diz:
Quem valoriza
a palavra, realiza a obra sem deixar rastros
Assim, o povo
achará que surgiu por si, naturalmente.
Por que então teria surgido toda essa
polêmica e toda essa divisão entre as convicções dos seres? Porque, na verdade, o Homem Sagrado valoriza
suas palavras. A vivência no Sagrado
está além de sua linguagem. O Sábio, o
Iluminado, sente não poder transportar essa experiência para a linguagem, para
a palavra, para que não seja distorcida, para não trazer má interpretações
dessas experiências que estão além das palavras.
Por isso, Ele diz:
Quem valoriza
a palavra, realiza a obra sem deixar rastros
Quem vive o Absoluto - que não tem
forma -, age naturalmente em sua vida cotidiana, não deixando rastros.
O que são rastros?
O rastro é a personalidade. Os grandes mestres iluminados não têm
personalidade, não têm sub-consciente ou inconsciente.
Numa palestra de um grande mestre
budista em meditação, um discípulo perguntou como seria a conduta de um grande
mestre iluminado.
O mestre respondeu que quem alcança a
iluminação não tem subconsciente ou inconsciente, apenas tem uma única
consciência. Essa consciência não é o
consciente como antítese do inconsciente e não é o consciente que cobre, que
esconde o inconsciente - simplesmente não existem consciente e inconsciente nem
subconsciente. Existe apenas uma única
Consciência. Essa Consciência não tem
julgamento, é uma luz pura, uma lucidez pura.
O ser iluminado, então, não terá
atitudes inconscientes ou subconscientes.
Não se encontram mestres iluminados que, de vem em quando, deixam
transparecer atitudes inconscientes ou subconscientes. Isso não existe. Se existirem algumas atitudes inconscientes,
esses mestres ainda não teriam alcançado, pelo menos, a Plena Iluminação. Podem até ter uma consciência mais iluminada
do que as pessoas comuns, mas a Plena Iluminação só pode ser alcançada quando
se atinge a Consciência Única.
O mestre iluminado age naturalmente,
com a consciência plenamente integrada com a natureza. A natureza é tudo o que está em torno
dele. Ele faz parte naturalmente de
todas as coisas: se tem fome, come; se tem sono, dorme; na hora de trabalhar,
trabalha; na hora de descansar, descansa.
As pessoas comuns se disciplinam
mecanicamente e não descansam na hora de descansar, por isso a atividade não
pode ser bem feita. Elas se forçam a
aceitar as coisas de forma racional, aceitar coisas que realmente não aceitam e
que, mais tarde, deixam transparecer esses reflexos através das doenças.
Quem alcança a Plenitude da Consciência,
quando é para não aceitar uma situação, age sem raiva, sem ódio, sem
desprezo. Diz simplesmente: Não é
possível ser assim. E comporta-se de uma
maneira muito natural.
Para uma pessoa que não tenha alcançado
a iluminação, ela pode até ter uma consciência de que o fato é inaceitável mas
ainda guarda dentro de si um julgamento e por causa desse julgamento, essa
pessoa será levada a sentir repúdio em relação à situação e agir e reagir com
sentimento de repúdio, ou de insegurança ou de raiva.
A pessoa iluminada não tem tais
sentimentos - de repúdio ou insegurança.
Simplesmente, ela diz: Não é
possível. E pronto. E, por incrível que pareça, tal resposta é
mais fácil de ser aceita pelas pessoas que estão propondo algo fora da
normalidade, ou incorreto.
Quando a raiva ou o ódio vem à tona,
cria-se o conflito.
Quando a energia é natural, não se cria
o choque.
Dessa maneira, quem alcança o estado da
iluminação, resolve as situações de forma mais natural. Simplesmente age naturalmente: na hora de
dizer sim, é sim; na hora de dizer não, é não; na hora de fazer, faz; e na hora de não fazer, não faz. Torna-se, então, uma pessoa invisível, sua
personalidade dissolveu-se, tornou-se transparente. A pessoa que não cria choques nem confrontos,
não deixa rastros.
A personalidade é exatamente aquele pé
que marca os rastros. Cada pessoa que tenha andado, deixa seus
rastros como sua marca pessoal. O ser
iluminado não tem essa marca. O caminho
é natural. Não deixa rastros.
Por isso, Ele diz:
Quem valoriza
a palavra, realiza a obra sem deixar rastros
Assim, o povo
achará que surgiu por si, naturalmente.
As pessoas que vivem em torno de um Ser
Iluminado, acabam sendo beneficiadas por Ele, sem perceberem. Chegam a pensar que as coisas aconteceram
naturalmente. Muitos Karmas negativos
são desmanchados ou dissolvidos sem que as pessoas tenham consciência que isso
aconteceu por intermédio dos benefícios espalhados pelo Ser Iluminado. Tudo acontece tão naturalmente, que ninguém
na verdade presta atenção ao que acontece.
O sol nasce todos os dias e convivemos
naturalmente com essa realidade, não sentimos nada de estranho - porque não
existe nada que chame a atenção - e tudo está dentro da normalidade.
O Homem Sagrado está tão integrado com
a natureza e com todas as pessoas que tudo o que ele faz, acontece
naturalmente.
O Tao Te Ching diz que o Homem Sagrado
realiza a obra, conclui a obra e se retira, sem que ninguém perceba.
...............
foto: Eliane Milward
TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 17
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de
Janeiro, em 04 de outubro de 1994
Transcrição e
Síntese de Janine Milward
A tradução
dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês
para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora
Ursa Maior,
sendo
hoje publicada pela Editora Mauad, São
Paulo, Brasil
Nesta mesma
Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização
da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao
Tse, o Tao Te Ching