O prestígio e a humilhação geram susto




TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 13
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 06 de setembro de 1994


Capítulo 13

O prestígio e a humilhação geram susto
A nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo

O que são prestígio e humilhação?
Prestígio é inferior
Ao obtê-lo, ficamos assustados
Ao perdê-lo, ficamos assustados
Isto é o que quer dizer “o prestígio e a humilhação geram susto”

O que quer dizer “a nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo”?
A razão de eu ter essa ‘grande preocupação’ é ter um corpo
Se eu não tivesse um corpo
Com que teria que me preocupar?

Por isso,
Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo
A este o mundo pode se entregar
Quem ama faz do mundo o seu corpo
Neste, o mundo pode confiar.


Esse Capítulo fala da importância em não pendermos para uma extremidade ou outra extremidade.

Fala em não sermos prisioneiros dos valores; fala na importância de se viver em paz e em tranqüilidade.

As coisas que normalmente tiram nossa paz são a fama, a riqueza, o prestígio, etc. 

Por isso, Lao Tse diz:

O prestígio e a humilhação geram susto
A nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo


A pessoa, antes de alcançar o prestígio, fica com medo, preocupada.  Para conseguir o prestígio, batalha pela conquista, fica em estado de alerta.  Depois de conquistar o prestígio, a riqueza, a pessoa também fica em estado de alerta.

Quem nada tem ou quer, não fica em estado de alerta.  Quem tem, fica em estado de alerta porque tem medo de perder o que conquistou.

Quem não tem e quer, dedica toda a atenção e preocupação para gerar dinheiro e riqueza.  Quando se conquista, fica todo o tempo preocupado em manter essa riqueza.  A preocupação é diferente, porém continua a ser gerada.

Temos medo e nos sentimos inseguros porque não temos fama, não temos poder, não temos o controle da situação, não temos riqueza, não podemos dominar as pessoas ou as situações.

E quando possuímos tudo isso, ficamos com medo porque não queremos perder tudo.

Isso demonstra a prisão no conceito.


O que significa o nome?  O prestígio?  Tudo isso é um valor.  Na verdade, o ser humano precisa de um mínimo para sua sobrevivência: comer, vestir, trabalhar, morar bem.  Além disso, a pessoa estará correndo riscos.  Existe aquilo que representa o mínimo necessário e todo o resto que pode ser dispensado.

Existem pessoas que só tomam uísque importado e outras que só usam roupas de tal  griffe.  Tudo isso são conceitos.  Quando a pessoa se torna prisioneira do conceito, a vida se torna mais arrastada, mais desgastante.  Tem que trabalhar muito, se esforçar muito para conquistar essas coisas.  Então, se torna infeliz.

Obviamente, todos gostam de tomar um bom uísque e vestir uma boa roupa.  Apenas que a prisão no conceito é que pode tornar as pessoas infelizes.


Em outra análise, Lao Tse diz que a conquista do prestígio pode gerar o orgulho.  A acolhida da humilhação pode gerar a ira.  Uma pessoa que se sinta humilhada pode criar dentro de si uma raiva.

Nenhum de nós gosta de ser desprestigiado ou humilhado.  Podemos não responder imediatamente nem diretamente.  Mas lá dentro do coração, criamos a raiva ou o aborrecimento.  Tudo pode ocorrer num nível mais inconsciente que nem percebemos.  Mas a acumulação dessas raivas ou dessas dores gera doenças.

Também a pessoa pode adoecer por causa da ira, adoecer espiritualmente por causa do orgulho.  Estes sentimentos podem ser explícitos ou não; podem ou não aparecer exteriormente.

Quando buscamos algo que a sociedade estabelece como valor e não conseguimos, somos desprezados ou humilhados.  O prestígio é o valor que nós determinamos ou que adotamos porque outros assim determinaram.  Os conceitos podem ser ilusórios.  No entanto, também a humilhação é um valor.  O prestígio é um valor.  A conquista ou a perda são ilusões.

O que é real é o que fica na alma.

Quando uma pessoa passa a vida guardando a ira e a humilhação dentro de si mesma, não apenas prejudica sua vida emocionalmente como também, quando transmigra para uma outra vida, não leva o corpo de hoje, nem a memória consciente, mas leva seus sentimentos.

Ou seja, a pessoa leva para uma outra vida o ódio, a humilhação, etc.

Tudo o que se leu e se compreendeu nessa vida, não é mais lembrado quando se acorda como outra pessoa, em outra vida posterior.  Apenas levamos conosco nossas capacidades.  Podemos ter lido muito nessa vida que levaremos para a próxima uma grande capacidade para a leitura mas não nos lembraremos daquilo que estudamos anteriormente.

Igualmente, uma pessoa que se sentiu humilhada e desprestigiada nessa vida, não se lembrará da humilhação e do desprestígio que sofreu porém algo restará dentro dessa pessoa que a levará a ter um temperamento contestador, revoltado.

Isso é o que Mestre Maa chama de Semente __________  (Nota da Transcritora: não foi possível compreender esta palavra).   Essa semente fica.  Levamos conosco para outra vida a natureza do sentimento que resta como personalidade.

Por isso, Lao Tse diz:
O prestígio e a humilhação geram susto


Na prática espiritual do Tao, se propõe a não-criação de valores a partir de coisas que não têm valor.  Também não se busca algo impermanente.  Não projetar algo permanente dentro daquilo que é impermanente.

As pedras preciosas, por exemplo, se não as julgarmos preciosas, serão apenas pedras.  Assim como o ouro, o chumbo, o Mercúrio.  São simplesmente metais.  No entanto, o conceito de valor diz que o ouro é mais valioso do que o chumbo.  Portanto, se cobiça o ouro e não o chumbo.

A sociedade julga que o presidente do país é importante e o lixeiro das ruas, não.  Dessa maneira, leva-se o conceito do prestígio e do desprestígio que geram orgulho e revolta.

Tudo isso é o resultado do valor que nós criamos.  No texto, se diz que não se deve criar valor em cima das coisas que não têm valor.  Para que não se fique prisioneiro de coisas sem valor.

Em seguida, Lao Tse diz:

A nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo


Prestígio, humilhação, nobreza, preocupação, tudo se reflete imediatamente no corpo.

No Taoísmo, existe uma prática chamada fisio_______________  (Nota da Transcritora: não foi possível entender o que foi dito) - que é a leitura postural.  Pelos traços, pelas rugas, pela formação dos ângulos do rosto e pela maneira de o corpo se comportar, chega-se a uma análise da personalidade da pessoa.  O corpo reflete o prestígio, a nobreza, o sentimento da pessoa.

Lao Tse analisa o prestígio, dinheiro, riqueza, humilhação... como coisas ilusórias ou prejudiciais.


Ele entra num segundo nível de análise onde joga com palavra contra palavra (o que é muito comum em seus textos).  Ele analisa sob outro ângulo: 

O que são prestígio e humilhação?
Prestígio é inferior
Ao obtê-lo, ficamos assustados
Ao perdê-lo, ficamos assustados
Isto é o que quer dizer “o prestígio e a humilhação geram susto”


Ficamos assustados com a realidade, com aquilo que não está de acordo conosco.  É provável que não sejamos realmente tão bons, tão habilitados em alguma coisa que fazemos.  E como o conceito é o de que devemos nos considerar o máximo, levamos um susto. Isso gera uma alteração.  Por outro lado, se conquistamos algo, geramos o medo da perda, o medo de não conseguirmos manter as coisas no mesmo nível.  Também nesse caso se gera o susto - susto no sentido de medo.

Uma pessoa assustada vive o tempo todo carregando o coração na mão.  O tempo todo fica alerta, não relaxa e a energia não flui.  Quando se tem medo de perder ou de não poder cumprir expectativas criadas interna ou externamente, a pessoa contrai o diafragma.  Portanto, parece carregar o coração na mão.


O que quer dizer “a nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo”?
A razão de eu ter essa ‘grande preocupação’ é ter um corpo
Se eu não tivesse um corpo
Com que teria que me preocupar?


Quando uma pessoa tem o corpo, ela tem a vida.  e tem a morte.  O corpo nasce e o corpo morre.  O corpo simboliza a impermanência do ser.  Não existe um corpo que permaneça para sempre.  O corpo morre, ele é algo temporário, impermanente.

Se o nosso valor maior é um valor impermanente, ficamos assustados o tempo inteiro, com o coração na mão.

Quando estamos ansiosos com alguma coisa, ficamos inseguros.  Quando temos algo, ficamos inseguros.  Tudo o que tem forma é impermanente.  Dessa maneira, Lao Tse nos diz para não sermos prisioneiros de uma forma, de uma imagem que pressupomos que seja permanente... mas que, na verdade, é impermanente.

A fama não permanece, nem o prestígio, nem a riqueza, nem o corpo físico, nem a memória.

Tudo o que tem forma é impermanente.  E todos os apegos a uma forma - seja concreta ou abstrata - são apegos por algo impermanente.  Sempre que queremos nos amparar em algo, descobrimos que isso é impermanente, daí surge a frustração.  Nada é permanente.

Lao Tse nos diz para tomarmos essa consciência.


Por isso,
Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo
A este o mundo pode se entregar
Quem ama faz do mundo o seu corpo
Neste, o mundo pode confiar.


O Verdadeiro Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo, renunciando ao seu ego.  Nada existe exclusivo dele, até seu corpo físico pertence ao mundo.  Tudo o que ele possui pertence ao mundo e não lhe pertence.  Isso é transcender à limitação do ego.

Quando nos entregamos ao mundo, o mundo se entrega a nós.  O mundo não pode se entregar nas mãos de uma pessoa que não se entrega ao mundo.

Vemos isso acontecendo nos chamados homens poderosos e conquistadores.  Eles conquistaram o mundo mas não se entregaram como pessoas; quiseram possuir o mundo mas não se entregaram ao mundo.  Dessa forma, o mundo não pôde se entregar a eles.

São Francisco de Assis se entregou ao mundo, renunciou a si mesmo para o mundo e o mundo vem devolvendo suas riquezas para ele e para seus seguidores.

Se uma pessoa quer que o mundo acredite nele, ela tem que se entregar ao mundo.

Quando Ele diz
Quem ama faz do mundo o seu corpo
Neste, o mundo pode confiar

                                                                                              Lao  Tse nos ensina a amar o mundo como amamos o nosso próprio corpo.  É comum as pessoas não suportarem a dor física no próprio corpo mas toleram a dor física do outro.  No entanto, amar o mundo como seu próprio corpo diz que tudo devemos sentir e amar como se fosse em nós mesmos.

O Homem Sagrado abraça o mundo, toma tudo o que existe no mundo como parte dele, trata todas as coisas e todas as pessoas com afeto e com carinho.

O Homem Sagrado faz do mundo o seu corpo.  Nesse sentido, Ele abraça o mundo sem querer possuir o mundo, mas sim abraça o mundo amando-o como o seu próprio corpo.  Esse é o conceito Taoísta de afetividade.


Em Capítulos posteriores, Lao Tse vai nos dizer que possuímos três tesouros:

Afetividade
Simplicidade
Humildade
São os três fundamentos do Taoísmo.


Portanto, temos que viver abraçando o mundo com o nosso próprio corpo.

Quem vive com simplicidade, não tem neurose de prestígio e humilhação.

A humildade nos ensina a não querermos ser o primeiro, o máximo do mundo.

Lao Tse chama a humildade com o simbolismo da água.  A água traz a vida para a terra, deixa a terra fértil, faz com que nos mantenhamos vivos, e, no entanto, a água sempre desce para baixo, sempre se mantém na parte mais baixa e, às vezes, até mais suja.  Corre para os pântanos, torna-se lama, esgoto, e vai para o fundo do mar.  Essa é a leitura simbólica da humildade, ficar na base, embaixo, beneficiar sem querer.

Chuang Tzu diz que o Grande Oceano durante dez anos de seca nunca reduziu um centímetro sequer.  Durante dez anos de enchentes, também o oceano nunca aumentou um centímetro sequer.  Esse oceano simboliza a grande humildade que nunca se altera pelas circunstâncias.

A água é maleável, persistente, transformadora, vira chuva, cai, vira rio, vira mar, vira vapor.  A água tem adaptabilidade, é discreta porque se esconde no fundo dos buracos.  Simboliza a sabedoria, a profundidade interior, a discrição.  A água é humilde.  A grande sabedoria, a sabedoria profunda, normalmente nos traz uma característica de humildade.

Nas escolas tradicionais do Taoísmo, não se encontram gurus amplamente ovacionados, recebendo flores e homenagens, carregados em glória triunfante.  Não.  Os mestres taoístas são pessoas extremamente simples.

Existe uma história sobre Gengis Khan que era um grande conquistar e que instalou sua capital em Pequim, na China.  Ele era atormentado por visões fantasmagóricas em seu palácio.  Um dia, mandou chamar um mestre Taoísta para exorcizar os fantasmas.  O mestre mandou dizer que iria mais tarde.  O que aconteceu na verdade é que imediatamente os fantasmas fugiram, antes mesmo do mestre aparecer no palácio e exercer grandes funções e pompas.  Também não apareceu o mestre no palácio para receber as honras de seu trabalho bem feito.  Apenas fez seu trabalho de longe e permaneceu como estava em sua vida.

Isso é o que Lao Tse diz sobre o Homem Sagrado que realiza sua obra mas que não precisa do reconhecimento disso.  Ele simplesmente faz.  E quando chega sua hora, retirar-se do mundo sem ressentimentos, sem necessidade de prestígio.

Para o Taoísmo, a felicidade homem está em ver que a obra foi cumprida, realizada.  Não importa quem recebe as honras.  O prestígio não é importante.  O Taoísta simplesmente faz o que tem que fazer.  Quem precisa de prestígio, tem um ego não-resolvido.


Essas são as pequenas diferenças que o Taoísmo propõe.  Obviamente, não são todas as pessoas que concordam com isso.  para aqueles que concordam, tentar viver essas verdades e ir se transformando aos poucos, é seguir o Caminho do Tao.

Toda a essência, o espírito do Taoísmo, está dentro do Tao Te Ching.


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foto: Sítio das Estrelas, Janine 


TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 13
do Tao Te Ching, de LAO TSE,
POR WU JYH CHERNG

Transcrição de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 06 de setembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward


A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo.
Nesta mesma Editora,
encontra-se a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng

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