TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 32
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro,
em 28 de fevereiro de 1995
Capítulo 32
O Caminho é
eterno e não tem nome
É genuíno e
embora pequeno
O mundo não
tem coragem de dominá-lo
Se reis e
príncipes pudessem preservá-lo
Os dez mil
seres iriam por si próprios obedecer
Quando o céu
e a terra unem-se
Para escorrer
o doce orvalho,
O povo não
pode interferir nisso, que por si é uniforme.
O princípio
domina a existência e o nome
Então o nome
passa a existir
E irá também
saber cessar
Sabendo
cessar não perecerá
A relação do
mundo com o Caminho
É como a dos
riachos e dos vales
Com os rios e
mares
Este
Capítulo, apesar de pequeno, é bastante complexo.
O Caminho é
eterno e não tem nome
O Tao, o Absoluto, além de ser um
Caminho a ser seguido é também o próprio Caminho que fazemos, que
percorremos. Essa busca não tem forma
nem limitação; pode acontecer em qualquer lugar, em qualquer época, sob
qualquer forma... porque o Tao é o Absoluto e o Absoluto é eterno, atemporal.
Em ‘O Caminho é eterno e não tem nome’ existem duas
palavras-chave: Caminho e eterno.
A palavra ‘Caminho’ nos lembra três
coisas:
-
O caminho é uma via para alcançarmos um
objetivo
-
O Caminho é uma via por onde vivemos e
caminhamos
-
O Caminho é aquele que estamos caminhando ou aquele que só existe
se estivermos nele caminhando.
A partir daí, teceremos esse Caminho,
essa Realização - que só existe quando fazemos o caminho. E o
Caminho é eterno. Por ser eterno,
faz com que a própria realização seja eterna e a própria vida que existe nesse
caminho, seja eterna. A caminhada é
eterna, está além do espaço e da limitação do tempo.
O Caminho é aquele que realizamos e
existe porque caminhamos. Podemos,
entretanto, caminhar para qualquer direção, por qualquer meio, em qualquer
lugar. Assim, o Caminho está em toda a
parte. Isso nos faz entender que o Tao é
o Absoluto e o Absoluto está em todos os lugares e em todos os tempos, podendo
ser de qualquer forma e não se limitando a nenhuma forma. E não tem nome, não pode ser limitado por uma
ou outra linguagem.
Por isso, Lao Tse diz: O Tao é eterno e não tem nome.
E continua:
É genuíno e
embora pequeno
‘pequeno’ significa essência. O átomo é pequeno e cabe em tudo, em tudo
existe o átomo. O Tao é a essência de
todas as coisas, é algo que, apesar de invisível, está por detrás de todas as
coisas e está em toda a parte. Por isso
é pequeno, é genuíno, é algo puro.
Existe Tao num cachorro, numa pessoa, numa montanha, no rio. Podem o cachorro e a pessoa ser diferentes,
mas o Tao que neles existe, é o mesmo.
Lao Tse quer nos dizer que a essência,
a existência, é única embora as coisas sejam diversas e diferentes em
diferentes épocas e lugares.
O mundo não
tem coragem de dominá-lo
O mundo não tem força para dominar,
para inibir ou para não permitir que essa essência, essa síntese, se
manifeste. Ou seja, é impossível
fazermos com que o Tao seja limitado de uma maneira ou de outra. O Tao está em toda parte.
A prática espiritual do Taoísmo
enfatiza que precisamos encontrar essa essência. Precisamos encontrar essa síntese, essa
essência que está por detrás de todas as coisas, de todos os seres. Sabendo encontrá-la, encontraremos uma
consciência que é comum a todos e encontraremos também a energia que é comum a
todos. Essa consciência e essa energia -
no estado de essência - não são separadas, ou seja, na essência, a vida e a
consciência são a mesma coisa.
Esse algo que Ele chama de ‘genuíno’ e ‘pequeno’ é uma
consciência pura e uma vida pura que existem, que é o próprio Tao, eterno, sem
nome, que está em toda a parte e que apenas podemos senti-lo, percebê-lo e
vivenciá-lo - uma vez vivamos o Tao.
Como viver o Tao?
Praticando. Praticando na vida cotidiana, através da
meditação, em cada gesto, procurando sensivelmente perceber, sentir a presença
do Tao nas pessoas, nos seres, nas coisas, em tudo o que se possa e não possa
imaginar. Em tudo se encontra o Tao.
Dessa maneira, podemos viver no mundo
diante das adversidades e das diferentes pessoas e concepções, a tudo encarando
com o mesmo espírito e o mesmo sentimento.
Porque nossa relação com o mundo como um todo se dará pela essência e
não pela periferia ou pela superficialidade.
Normalmente, tendemos a julgar o certo
e o errado pela forma e imagem que a situação é mostrada e não pela essência,
ou seja, a intenção ou o sentimento contidos na situação.
Se encararmos tudo o que existe no
universo pela sua essência, chegaremos à conclusão de que tudo é igual. Não existiriam então a discriminação e o
preconceito e existiria sim uma aceitação e um respeito em relação a tudo e a
todos, através das diversas formas de expressão existentes no mundo.
Essa é a concepção essencial do
Taoísmo. E como se posiciona o Taoísmo -
enquanto ensinamento místico ou como religião - diante das outras religiões e
dos outros pensamentos?
De forma igual. O Taoísmo vê todas as religiões e doutrinas
místicas como infinitas e variáveis expressões naturais existentes. E vê que, por detrás de todas elas, existe uma essência comum a todas. E entende que não é porque a essência é comum
que todas suas expressões sejam iguais.
A expressão não é igual. A
essência é que é igual. O Taoísmo
confraterniza pela essência mas não precisa necessariamente misturar as linguagens. O Taoísmo é uma tradição que enfatiza que
cada pessoa deve encontrar - entre as inúmeras linguagens - aquela linguagem
que mais lhe convém para sua realização e através da linguagem escolhida,
alcançar sua essência. E ao mesmo tempo
reconhecer, em última análise, que a essência de todas as religiões e doutrinas
místicas, é a mesma. No entanto,
reconhecer que o caminho para se alcançar essa essência, não é o mesmo - porque
a expressão é diferente.
O Taoísmo respeita, portanto, todas as
expressões porque todas elas são um caminho para se chegar à essência. Interiorizando-se sob uma forma ou outra
forma, chega-se à essência. A essência é
igual. Como se fosse uma grande pirâmide
de quatro faces e inúmeros caminhos e escadarias para se atingir a cúspide.
Entretanto, o Taoísmo não é a favor do
sincretismo das tradições, das linguagens.
Porque cada linguagem é um caminho e cada caminho desencadeia mecanismos
que nos leva a caminhar. Como numa
corrente, anda-se elo após elo.
O Taoísmo considera, então, que cada
tradição se expressa com sua própria característica e que o aprendiz precisa
intuitivamente e racionalmente buscar sentir e encontrar o seu caminho e
escolher um só caminho para poder atingir assim, a profundidade das
coisas. É na profundidade que se
encontra a essência. E, uma vez se
encontrando a essência, alcança-se o estado Universal. Nesse estado, podemos até compreender as
expressões das outras tradições. Antes desse estado, apenas se consegue fazer
a mistura das expressões.
Cada expressão tem o seu próprio
encadeamento. Nós não precisamos ter
todos os caminhos dentro de nós.
Precisamos apenas de um caminho no qual nos definimos.
Como podemos perceber se estamos no
caminho certo?
Através da nossa real transformação.
O que se transforma em nós?
Nossa energia, nossa emoção, nossa
mente. Numa realização espiritual real,
no final de nossa vida, sentimos que essas transformações aconteceram. No entanto, se as pessoas saem e entram em
várias tradições, as transformações não acontecem, ou acontecem no sentido de
trazer às pessoas a fragmentação e a frustração do não-desenvolvimento. Apegos, medos emoções incontroláveis não
devem mais existir no final da vida por causa da real transformação.
Ao morrermos e transmigrarmos para
outra vida, os conhecimentos intelectuais religiosos não ajudarão em nada. O que realmente nos ajuda - mesmo que não atinjamos
a iluminação - é a real transformação, é aquilo que muda em nós, ou seja, a
aproximação da nossa consciência à essência: quanto mais próximos estivermos na
consciência essencial, menos loucuras teremos e mais genuínos, mais
transparentes seremos interiormente.
O curso natural de uma vida é
geralmente o inverso. A criança nasce
com pureza e genuinidade. Quanto mais
vive, mais os complexos e neuroses vêm à tona.
A vida vai ficando mais pesada e mais periférica.
E o que é o Caminho espiritual? O que é
o Tao?
É tentar resgatar e retornar a esse
princípio, retornar à essa essência.
Para isso, ao iniciarmos a busca, precisamos ver qual é o caminho que
melhor se adapta a nós para irmos mais e mais profundamente.
O Taoísmo é um dos caminhos que existem. O caminho do Taoísmo não se diz ser o melhor
dos caminhos. O melhor caminho é aquele
que cada pessoa escolhe. O melhor
caminho para a pessoa que se sente Taoísta é o Taoísmo.
Como cada caminho é um veículo para
transmutar nossa mente, nossa emoção, nosso corpo... nossa energia, para nos
transmutar essencialmente, devemos usar o
veículo com seus recursos e potencialidades para a transmutação e não
apenas para adquirir conhecimentos sobre esse veículo, ou seja, sobre um
caminho.
Desde que nascemos estamos envolvidos
por uma grande ilusão que faz com que vivamos no estado da ignorância e do
sofrimento. Estamos limitados pela vida,
pelo envelhecimento, pela doença e pela morte.
Dessa maneira, não temos tempo a perder, temos urgência em nos realizar.
Lü Tzu disse que mesmo começando cedo,
já está tarde. Começar o que? Começar a nos trabalhar, tentar nos
transformar. E como somos muito limitados
em forma, linguagem, tipo de personalidade, precisamos encontrar um veículo
ideal para nos adaptar a ele e o utilizarmos para a nossa transformação. No final da caminhada, não precisaremos mais
do veículo porque nos tornaremos o próprio veículo.
No cristianismo, Jesus Cristo se
realizou a tal ponto que se tornou Ele mesmo um caminho para os outros. E ele seguiu o seu próprio caminho.
Quem chega à plenitude da realização,
pode se tornar um caminho para os outros.
O Taoísmo não pretende ser a única
verdade. Mestre Maa fala sobre a
imparcialidade do Taoísmo, quando diz:
Para o Tao,
quando o homem deseja a vida, encontra a vida
Quando o
homem deseja a morte, encontra a morte.
Nosso caminho é nossa
responsabilidade. Disso surge a
concepção do Karma no Taoísmo: o que
vivemos hoje, formulará o nosso amanhã.
Nós somos os responsáveis pelo nosso caminho.
A interferência que existe nesse
caminho vem através da forma de ensinamentos: ensinamentos visíveis e
ensinamentos invisíveis, transmitidos pelos mestres e pelas divindades, uma
espécie de força que nos perpassa de uma maneira inconsciente: a palavra, o silêncio,
a expressão do céu e da terra, a água da montanha, a natureza, o sentimento
humano. Aprende-se através dos próprios
erros e através dos erros dos outros.
Em seguida, Ele diz:
Se reis e
príncipes pudessem preservá-lo
Os dez mil
seres iriam por si próprios obedecer
Eis aqui o conceito social do Taoísmo:
é muito melhor ganhar a confiança e respeito das pessoas pela virtude e não
pela força.
Quando o céu
e a terra unem-se
Para escorrer
o doce orvalho,
O povo não
pode interferir nisso, que por si é uniforme.
Quando as energias do céu e da terra se
tocam, quando a energia da terra sobre para o céu, quando a energia do céu
desce para a terra - essa troca de energias, do Yin e do Yang no cosmos - , faz
com que a terra fique repleta de vida: o orvalho representa a vida. De madrugada, podemos ver as gotas de orvalho
nas folhas porque cedo pela manhã a energia do sol desce e a energia da terra
sobre para o céu e esse choque térmico, na linguagem do Taoísmo, é a troca de
energia do Yin e do Yang, fazendo essa
união surgir em gotas de orvalho... gotículas de água repletas da energia da
Unidade.
O orvalho possui muita força vital em
si. É um fenômeno natural, espontâneo e
a ordem humana não pode interferir e sim, integrar-se.
Na prática espiritual também isso
acontece. Quando nosso céu e nossa terra
se unem dentro de nós, quando nossa Consciência se une com o nosso Sopro, as
gotas de orvalho surgem dentro de nós. E
seu surgimento nos traz uma energia vital tão grande, tão rejuvenescedora, tão
viva, que não pode ser interferida pela ordem racional ou mental.
Por isso, na nossa prática de
meditação, devemos ficar passíveis, totalmente quietos, para não interferirmos
em nada, para que nossa Consciência se una ao Sopro e dessa união se apresente
uma matéria-prima como se fosse uma gota de orvalho repleta de energia
vital. Uma seiva da terra que surge
dentro de nós em nossa prática espiritual.
E surge quando nossa Consciência está fundida ao nosso Sopro Vital.
O Yang da consciência unido ao Yin do
Sopro Vital.
(Aqui terminou a Aula deixando,
portanto, os dois últimos versos do Capítulo 32 sem interpretação).
O princípio
domina a existência e o nome
Então o nome
passa a existir
E irá também
saber cessar
Sabendo
cessar não perecerá
A relação do
mundo com o Caminho
É como a dos
riachos e dos vales
Com os rios e
mares
...............
foto: Sítio das Estrelas, Janine
TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 32
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de
Janeiro, em 28 de fevereiro de 1995
Transcrição e
Síntese de Janine Milward
A tradução
dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês
para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora
Ursa Maior,
sendo
hoje publicada pela Editora Mauad, São
Paulo, Brasil
Nesta mesma
Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização
da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao
Tse, o Tao Te Ching