TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 33
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro,
em 07 de março de 1995
Capítulo 33
Quem conhece
os homens é inteligente
Quem conhece
a si mesmo é iluminado
Vencer os
homens é ter força
Quem vence a
si mesmo é forte
Quem sabe
contentar-se é rico
Agir
fortemente é ter vontade
Quem não
perde a sua residência, perdura
Quem morre
mas não perece, se eterniza.
Em “conhecer os homens e conhecer a si
mesmo / vencer os homens e vencer a si mesmo”, Lao Tse está falando de dois
caminhos da vida: a consciência que se
exterioriza e a consciência que se interioriza.
A força que se exterioriza e a força que se interioriza.
O que é a Consciência?
Consciência é Espírito.
O que é a força?
Força é o Sopro.
São os dois princípios da Alquimia
Taoísta: o Espírito e o Sopro.
Uma pessoa com muita energia no corpo,
tem força. Se a pessoa perde sua
energia, fica sem força.
Quando a pessoa tem o espírito que se
dirige para fora, tem uma consciência que se exterioriza.
Quando a pessoa traz o espírito para o
interior, traz consciência para dentro.
O Espírito, ou seja, a Consciência
tanto pode se interiorizar como se exteriorizar.
A força, ou seja, a Energia Vital tanto
pode se interiorizar quanto se exteriorizar.
Evidentemente, no texto, Lao Tse está
nos falando que a exteriorização da Consciência é uma inteligência expressiva -
mas não é uma Iluminação.
E a exteriorização da energia
certamente é uma expressão da força. Mas
ter força não significa necessariamente que se é forte. Ser forte é ter a capacidade de domar a sua
própria força, é ter a força sob controle.
No conceito de Lao Tse, a pessoa forte
não é aquela que pode aplicar essa força exteriormente e sim ter o domínio de
si próprio, em situações de ofensa, de agressão externa, etc.
A pessoa que é realmente forte em seu
auto-conhecimento e em sua convicção pessoal, pode não reagir aos ataques
externos em virtude de sua autoconfiança e segurança interior.
Quando duas pessoas se confrontam,
aquela que é insegura parte primeiro para o ataque, achando que está ganhando
vantagens na disputa ou confronto.
Por isso, Lao Tse diz:
Vencer os
homens é ter força
Para derrotar o outro é preciso ter
força, mas para dominar a si próprio é preciso ser um homem realmente
forte. Quem é forte, não precisa vencer
o outro. Portanto, terá a capacidade de
vencer o outro e não precisa derrotá-lo para vencê-lo.
Conhecer os homens é inteligência. A inteligência que se exterioriza é
demonstrada em forma de clareza, de uma clara análise sobre as coisas externas
e sobre as pessoas.
Existem pessoas inteligentes, com uma
afiada capacidade de observação e de dedução.
Isso é uma expressão de inteligência.
Toda expressão de inteligência é uma exteriorização da consciência. Não é uma coisa negativa; é uma capacidade,
uma expressão de exteriorização.
O mundo é composto por duas forças que
o I Ching chama de Yin e Yang, o recolhimento e a expansão. A exteriorização é a expansão, o movimento
Yang. A interiorização é o movimento
Yin, o recolhimento.
É muito comum quando não conseguimos
criticar algo interiormente que façamos uma transferência dessa capacidade para
criticar o externo. Quando o ser humano
não consegue enfrentar a si próprio - através de sua auto-observação e
compreensão de sua fragilidade, de sua capacidade, favorável ou desfavorável -,
essa observação inevitavelmente irá se exteriorizar. Essa pessoa se torna então crítica em relação
ao mundo externo ou em relação às outras pessoas.
Quando não conseguimos perceber os
mínimos detalhes de nossa própria vida, certamente teremos uma capacidade
aumentada para percebermos os detalhes que estão fora de nós.
Por outro lado, devido à sedução
externa, nós nos voltamos para o que acontece fora de nós. Nossa atenção se fasta de nosso mundo
interior e é sugada, chamada para fora.
Na sociedade moderna, isso fica mais
explícito e ativo. Nas cidades, tudo o
que acontece em torno de nós, chama nossa atenção. E isso é a exteriorização da consciência,
isso é ‘conhecer os homens’.
A palavra ‘homens’ pode designar tudo o que nos rodeia. Quem conhece os seus e as coisas em torno,
possui a exteriorização da consciência.
A capacidade e a freqüência de usar essa inteligência faz com que
possamos domar essa consciência em relação às coisas que estão em torno - isso é uma inteligência.
No entanto, a enorme freqüência dos
estímulos externos acaba atrapalhando nossa consciência e não permite que nossa
consciência se interiorize.
Em nossa meditação, estamos tão
habituados a ter nossa consciência exteriorizada que, muitas vezes, se não
procurarmos um ambiente apropriado, não conseguimos, como iniciantes, começar a
meditar.
Num estágio mais avançado, com toda a
perturbação externa, nada nos demoverá de nosso estado de interiorização. Isso é auto-domínio, auto-controle e está
relacionado com o auto-conhecimento.
Quanto mais a pessoa consegue se interiorizar - trazendo a consciência
para dentro e quando quiser, deixar ir a consciência para fora, com esse
controle -, terá mais consciência de si própria, e ao mesmo tempo, terá a
consciência das coisas que acontecem em torno.
A consciência será então acessível
tanto ao mundo Yin quanto ao mundo Yang.
Isso abre as fronteiras da inteligência - como conseqüência dessa
pratica - acessando tanto ao mundo da razão quanto ao mundo da intuição. Entrar e sair do racional e do intuitivo e
vice-versa com absoluta autonomia. Essa
autonomia é a autonomia da Consciência.
A autonomia da Consciência é a autonomia do Espírito, a verdadeira
identidade que está dentro de nós.
Quando uma pessoa cultiva por longo
tempo o domínio e a autonomia do Espírito, pode viver o consciente e o
inconsciente com absoluto trânsito, pode viver o racional e o intuitivo com
absoluta liberdade. Com o tempo, esse
canal de trânsito vai se dilatando até atingir uma única Consciência onde não
há separação nem diferenciação do racional e do intuitivo, do consciente e do
inconsciente, apenas A CONSCIÊNCIA. Essa Consciência é a Consciência Una, não é
uma consciência dual.
O que é Consciência Una?
Consciência Una é a própria Consciência
Universal. É a Consciência que deve
estar em toda a parte, em todos os lugares, em todos os seres. Esse estado de consciência Una, em nível
físico dentro de nosso cérebro, está situado no centro do cérebro entre os
hemisférios direito e esquerdo. Entre
esses dois hemisférios, nesse centro, esse portão acontece. É um ponto subjetivo, abstrato, metafísico.
Na prática da meditação, deve-se
atingir o ponto intermediário entre pensar e não-pensar, observar e
não-observar. Esse estado é chamado de
estado de embriagues, de entorpecimento.
Esse estado não é o do sonho mas já se saiu da realidade externa.
Como fazer isto? Trazendo o Sopro para
dentro do Espírito.
Na linguagem da Alquimia Taoísta, o Espírito
chama-se mercúrio. Sabemos que o
mercúrio é um metal que se dispersa. A
mente é como mercúrio, está sempre se dispersando. A Consciência, na linguagem simbólica, é
chamada de mercúrio. O chumbo não
dispersa e na Alquimia Taoísta é o Sopro, a Energia. A Energia deve envolver a consciência. O chumbo deve dominar o mercúrio.
Por isso, na meditação, se joga a
Consciência dentro do Sopro, o Espírito é colocado dentro do Sopro, a
Consciência que vai para dentro da Energia.
E é a Energia que traz essa sensação de entorpecimento, de embriagues. Chega uma hora em que não se sente mais nem a
Energia nem a Consciência. É uma Energia
com Consciência e é uma Consciência Energética.
A meditação Taoísta trabalha com a
fusão da concentração com a contemplação.
A contemplação é passiva e a
concentração é ativa.
Se fixarmos nossa atenção em um só
ponto, estamos fazendo uma meditação ativa, concentrando.
Na contemplação, fica-se ligado em tudo
e em nada, se trabalha com a fusão dos dois elementos, contemplando algo
especificamente, sem ser uma contemplação ativa, sem apego, passivamente
contemplando, sem esforço. É uma
concentração passiva ou uma contemplação ativa.
É uma fusão. É a união do Sopro
com o Espírito.
Em seguida, Ele diz:
Quem sabe
contentar-se é rico
Contentar-se é não correr atrás das
multiplicidades, das diversidades, da abundância de números, é saber não pela
quantidade mas pela qualidade. É viver a
vida com uma compreensão profunda e não viver muitas vidas com uma compreensão
superficial.
O que é o Mestre Iluminado,
esclarecido?
É aquele que tem uma compreensão
profunda sobre algo em sua vida. Pode
ser um mestre em carpintaria que conhece o traço da madeira e o manuseio do
instrumento. Qualquer arte, seja da
madeira, da pintura, do canto, o trabalho em qualquer ofício, qualquer arte é
um caminho de vida.
Por isso o Taoísmo usa o termo Tao, o
Caminho. É preciso que saibamos fazer um
caminho que é a própria vida e por ser a própria vida, deve ser vivido
profundamente e constantemente. Essa
profundidade e essa constância tornam nossa caminhada simples - e não múltipla
- porém rica em qualidade.
Por isso, Ele diz:
Quem sabe
contentar-se é rico
Contentar-se é saber ficar com aquilo
que realmente se quer e não ansiosamente correr atrás de muitas coisas.
Saber se contentar é saber abraçar a
Unidade, saber abraçar a simplicidade. Quando
abrimos a fronteira entre o consciente e o inconsciente, do racional e do
intuitivo, quando nossa consciência se
torna única, temos Uma consciência e não cinqüenta consciências. Uma consciência é imensamente maior do que
cinqüenta consciências diversamente constituídas dentro de nós.
Agir
fortemente é ter vontade
Essa frase é importantíssima para
aqueles que estudam o Taoísmo. O Taoísmo
fala da naturalidade, da intuição, da receptividade. A compreensão enganosa e parcial desses
fatores pode tornar a pessoa sem responsabilidade, sem rédeas na vida.
A obsessão é uma vontade de querer
alguma coisa incessantemente. A grande
transformação a que os mestres taoístas se referem é a de transmutar a obsessão
em vontade, ou seja, transformar uma força obstinada em algo positivo. Uma consciência obstinada, Yang, agindo
perversamente, é obsessão. Uma
consciência obstinada, agindo de uma maneira sadia, é a força de vontade.
A força de vontade obstinada que existe
dentro de nós não pode ser cortada, jogada fora porque é o nosso lado
Yang. Mas também temos o nosso lado Yin
que é a nossa receptividade, nossa intuição, nossa contemplação. A contemplação e a receptividade - quando mal-dirigidas
- podem nos levar a um relaxamento preguiçoso, à uma prostração, a uma falta de
vontade.
A receptividade deve ser algo
tranqüilo, transparente e não pode ser um estado de prostração.
A força Yang é obstinada mas não pode
ser uma obsessão e sim uma força de vontade.
Para realizarmos as coisas, devemos ter
força de vontade. Temos que trabalhar
com o racional e com o intuitivo. Por
isso, Ele diz: Agir
fortemente é ter vontade
Quem tem força de vontade, terá ação
forte. Mestre Maa nos diz que a força de
vontade é a constância, a caminhada incessante.
Seguindo-se o caminho de forma equilibrada e com constância,
naturalmente estaremos usando a força de vontade. Se não a usarmos, estaremos abrindo espaço
para a obsessão. Se não usarmos a força
de vontade de uma maneira sadia, ela se tornará perversa.
Quem não
perde a sua residência, perdura
Quem morre
mas não perece, se eterniza.
Essas duas frases são importantes e
basicamente definem dois conceitos essenciais da realização espiritual
taoísta. É muito comum as pessoas
conhecerem sobre a longevidade, sobre a saúde física e psíquica, sobre Chi
Kun, terapias corporais, etc. Tudo isso para manter nosso espírito
sadiamente dentro de sua residência, o corpo físico.
Por isso, Ele diz:
Quem não
perde a sua residência, perdura
A residência da Alma, do Espírito, é o
corpo. Numa escala mais ampla, é o céu e
a terra.
Qual é a diferença entre o Homem
Superior e o homem inferior?
O homem inferior é a pessoa que vive
dentro de seu corpo. Sua morada é seu
corpo.
Todos nós vivemos as duas coisas ao
mesmo tempo. Nossa alma, em primeiro
lugar, vive dentro do nosso corpo. Em
seguida, junto com o corpo, habita entre o céu e a terra. Apenas que, normalmente, não temos
consciência dessa morada maior, que é o céu e a terra.
Se temos que cuidar bem do nosso corpo
para a nossa alma poder viver sadiamente e então se iluminar - a residência é o
ambiente que protege a alma e o espírito -, então o céu e a terra são os
grandes provedores, o Grande Corpo que nos permite nossa realização, nossa
iluminação.
A saúde física é importante para a
saúde espiritual e assim, temos que tratar bem do nosso corpo. Ao mesmo tempo, temos que bem tratar o céu e
a terra, o ar, a natureza, o ambiente.
O Taoísmo é essencialmente
ecológico. Isso é um conceito
fundamental.
Quem não
perde a sua residência, perdura
Numa visão mais estreita, quem não
perde seu corpo, terá longevidade, por isso ‘perdura’.
Numa visão mais ampla, a humanidade -
que é o homem coletivo - não perde seu corpo - que é o seu Planeta - e assim,
poderá ter longevidade.
Quando o homem não cuida bem de seu
corpo, deixa que a alma perca a sua residência, porque o corpo morre.
Do mesmo modo, se o homem coletivo não
cuidar bem do céu e da terra, perderá o lugar da espécie humana.
Lao Tse nos fala da importância da
residência para a manutenção da longevidade.
A longevidade é um dos valores que os taoístas buscam.
Mas a segunda sentença antagoniza com a
primeira:
Quem morre
mas não perece, se eterniza.
Lao Tse está falando daquele que
alcança a longevidade em sua magnitude.
Longevidade é a vida constante.
Vida constante é a unidade da vida.
Nesta sentença, Ele já fala da transcendência da longevidade...
O Taoísmo trabalha em escalas.
Lao Tse nos diz para buscarmos a
longevidade com saúde física e espiritual.
Depois, nos diz que é preciso transcendermos a longevidade para
alcançarmos aquela plenitude de quanto até na morte não existe morte.
Antes, com a longevidade, não há
morte. Se se vive, não se está morto.
Depois, temos que alcançar o estágio
quanto até na morte, não há morte.
Aí se rompe a barreira da longevidade.
Lao Tse nos diz que valorizar a vida
não é apegar-se à vida. É dar qualidade
à vida, podendo transcender a vida. Ir
para além da vida.
Isso é o que Ele chama de ‘eternizar’.
...............
foto: Sítio das Estrelas, Janine
TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 33
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de
Janeiro, em 07 de março de 1995
Transcrição e
Síntese de Janine Milward
A tradução
dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês
para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora
Ursa Maior,
sendo
hoje publicada pela Editora Mauad, São
Paulo, Brasil
Nesta mesma
Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização
da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao
Tse, o Tao Te Ching