TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 36
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro,
em 28 de março de 1995
Capítulo 36
Para querer
iniciar o recolhimento
É necessário
consolidar a expansão
Para querer
iniciar o enfraquecimento
É necessário
consolidar o fortalecimento
Para querer
iniciar o abandono
É necessário
consolidar o amparo
Para querer
iniciar a subtração
É necessário
consolidar o aumento
Isso se chama
Breve Iluminação.
O suave e o
fraco vencem o rígido e o forte
Os peixes não
podem separar-se do lago
O reino que
tem o instrumento afiado
Não pode
colocá-lo à vista do homem.
Em inúmeros Capítulos do Tao Te Ching,
Lao Tse fala que é melhor ser fraco do que ser forte, é melhor ser flexível do
que ser rígido, é melhor recolher e interiorizar ao invés de exteriorizar e
expandir, é melhor abandonar do que possuir.
Neste Capítulo, Ele volta a falar
nestas questões, como um alerta. Ele
deixa bem claro que aquele que precisa suavizar e enfraquecer, primeiramente
precisa fortalecer. Aquele que pretende
renunciar ou abandonar, primeiramente precisa possuir o amparo. Aquele que pretende subtrair ou extrair,
precisa primeiramente aumentar a si próprio.
A tudo isso Ele chama de Breve Iluminação.
O que é Breve Iluminação?
É a Pequena Iluminação.
O que é Pequena Iluminação?
É saber, enxergar e chegar à Grande
Conclusão através da pequena observação.
É saber ver o universo maior através da pequena observação, do pequeno
empreendimento.
Essa compreensão fala de uma capacidade
de contemplação que é extremamente útil, principalmente para aquelas pessoas
que ainda não alcançaram a Grande Iluminação - que é pura e simples sabedoria,
em toda a parte.
Como ainda não possuímos a sabedoria de
compreendermos todas as coisas, precisamos saber compreender relativamente
todas as coisas através da compreensão das pequenas coisas.
Lao Tse nos fala em como podemos ver -
através de pequenos gestos - se a pessoa com quem estamos nos relacionando está
sendo honesta ou não, verdadeira ou não.
Os pequenos gestos revelam o grande espírito. Se não conseguirmos enxergar o Grande
Espírito, o espírito inteiro, a personalidade completa da pessoa, muitas vezes
podemos detectar a característica geral através dos pequenos gestos, hábitos,
vícios e costumes e a maneira de se comportar.
Isso é uma pequena iluminação que a pessoa pode ter, uma pequena
lucidez.
Lao Tse trabalha através da construção
de frases opostas:
Para recolher, é preciso expandir
Para enfraquecer, é preciso fortalecer
Para iniciar o abandono, é preciso
consolidar o amparo
Para iniciar a subtração, é preciso
possibilitar o aumento.
Aparentemente, são frases simples, mas
não são simples. À primeira vista,
parece que entendemos... mas, pensando um pouco mais, deixamos de entendê-las.
Para querer
iniciar o recolhimento
É necessário
consolidar a expansão
O que é recolher?
Recolher é concentrar.
Antes de nos concentrarmos em alguma
coisa, é necessário que primeiramente ampliemos nossa visão a fim de termos uma
noção geral das coisas.
Existe um ditado chinês que diz que
algumas pessoas vêem a árvore e não vêem a floresta. Outras, vêem a floresta e não vêem a árvore.
Lao Tse nos diz, de uma maneira
construtiva, que, para podermos enxergar um mínimo de detalhes nas coisas,
temos que ter a noção geral delas. Antes
de nos especializarmos em algo, devemos ter a noção geral de todas as possíveis
opções existentes - assim efetuaremos a escolha acertada. Dessa maneira, podemos ser mais sensatos e
mais equilibrados em relação aos nossos atos e às nossas observações. Também desenvolvemos uma maior tolerância
para com as pessoas e podemos perdoar as pequenas falhas.
Todo o trabalho do Taoísmo é sintético
e pode ser interpretado de uma maneira construtiva porém não restritiva.
Numa visão mais estratégica sobre a
mesma frase, entende-se que quando queremos recolher o poder de alguém, temos
que dilatá-lo, inflamá-lo (o poder).
Quando a pessoa é consumida pela dilatação, sua imagem fica
desgastada. Esse desgaste faz com que a
pessoa perca a força... Isso pode ser maquiavélico.
A síntese a que me referi antes, no
Taoísmo, nos leva a saber como trabalhar as coisas, como saber usar um
conhecimento de uma maneira construtiva em vez de usá-lo de uma maneira
destrutiva.
No entanto, não se diz que o
construtivo é bom e que o destrutivo é ruim.
Se a construção é vida, a destruição é morte. Vida e morte fazem parte de um ciclo
perfeito. Tudo o que tem vida,
morrerá. Tudo o que morreu, já teve uma
vida e provavelmente terá outra. A vida
e a morte são complementares entre si. É
preciso que haja a vida para que haja a morte.
Precisa haver a morte, para haver a vida.
O importante é sabermos qual é o
momento de construir e qual o momento de destruir. Qual é o momento de armar e de desarmar. Qual é o momento de se tornar herói e qual o
momento de se entregar, de render-se ao destino.
Essa compreensão é que faz com que o
estudo do Taoísmo se torne complexo.
Muitas vezes, perigosamente, as pessoas
preferem ficar com a vida, ignorando a morte; preferem ficar com a construção,
ignorando a destruição.
Conseqüentemente, julgam a construção, a vida, a luz como algo bom e
consideram a destruição, a morte, a obscuridade, a noite, como algo ruim.
Na verdade, não é bem assim porque um é
o complemento do outro.
Para o Taoísmo, o bom está no
equilíbrio dos dois. O bom é saber
seguir a ordem do universo, a ordem natural do macrocosmo: saber ter o
recolhimento no momento do recolhimento.
Saber entrar em expansão no momento da expansão. Nascer no momento do nascimento. Morrer, ou seja, transformar, no momento da morte. Dessa maneira, estaremos fluindo no curso
natural das coisas. E teremos a
naturalidade. E poderemos recuperar a
infinitude do espírito, o mesmo espírito que peregrina na infinitude do
universo, entrando e saindo de cada ciclo, naturalmente.
No Taoísmo se fala, portanto, tanto na
vida quanto na morte, tanto na luz como na obscuridade - tudo com igual
importância.
Um lugar com luz sem obscuridade seria
estéril, com excesso de luz. Num lugar
somente com sombra sem luz também não tem vida, não tem fotossíntese.
Na segunda frase, Ele diz:
Para querer
iniciar o enfraquecimento
É necessário
consolidar o fortalecimento
O que é enfraquecer?
É tornar algo mais brando, mais
flexível, mais suave. Para tanto, é
preciso primeiramente consolidar o fortalecimento. Sem força, não se pode enfraquecer. Só se pode tornar algo suave se isso já foi
forte. A força deve ser consolidada para
que seja enfraquecida.
No sentido da estratégia, se quisermos
enfraquecer alguém, devemos primeiramente fazer com que essa pessoa se sinta
forte. Se alguém se sente forte, abandona
as defesas. Uma pessoa frágil é mais
alerta e, sabendo de sua fragilidade, o perigo será derrubado. Uma pessoa com força, tem menos capacidade de
auto-preservação e de proteção. A força
torna a pessoa mais arrogante, mais ousada em sua conduta. E essa ousadia, esse risco, é parte de sua
destruição, de seu enfraquecimento. Uma
pessoa que se considere perfeita e capaz de tudo, perde sua força. Isso é o começo do declínio. Essa é a lei da natureza. O declínio do verão surge no auge do verão.
Maquiavelicamente falando, se quisermos
derrubar uma pessoa forte, temos que oferecer-lhe mais força para torná-la
ainda mais forte e assim, em seu auge de poder, o declínio terá seu início.
Existe um texto sobre estratégia de
guerra que diz assim:
Você quer derrotar o seu inimigo -
sendo você o mais forte - isso é uma atitude inferior.
Você quer derrotar um inimigo que é
mais forte que você - isso é uma atitude superior.
Porém, a atitude mais superior de todas
é a do próprio inimigo se derrotar - porque ele é mais forte do que você - e
assim, é derrotado por si mesmo. Esse é
o mais alto nível.
Para querer
iniciar o abandono
É necessário
consolidar o amparo
Só podemos deixar algo, se o
ampararmos. Só podemos deixar os filhos,
o rebanho, prontos para o mundo se os ampararmos. Para se alcançar a liberdade de voar a vida,
é necessário um preparo. Uma sociedade,
para ser liberal, precisa ser absolutamente rígida, preparando um amparo social
que permita às pessoas viverem livremente.
É interessante percebermos que um
símbolo puro pode ser entendido tanto de uma maneira pura como de uma maneira
maquiavélica.
Como o Taoísmo fala essencialmente
sobre o Caminho da Consciência, devemos ter lucidez para sabermos que muitas
vezes nossas atitudes podem ser vistas de uma forma ou de outra.
Essa maneira de o Taoísmo trabalhar - a
estratégia da compreensão do mundo -, não é uma grande iluminação, é uma Breve
Iluminação. Esse pequeno saber é
valoroso enquanto não se alcança a Grande Iluminação.
Para querer
iniciar a subtração
É necessário
consolidar o aumento
Subtrair é tomar, é tirar.
No Taoísmo, existe o conceito da
subtração: todas as coisas e todos os seres estão interligados,
co-ligados. Todos ‘tiram’ energia uns
dos outros.
Na teoria dos cinco elementos, veremos:
-
O fogo vem depois da madeira: o fogo
tira a energia da madeira e se torna fogo.
-
A terra vem depois do fogo: a terra
tira a energia do fogo e se torna terra.
-
O mental vem depois da terra: o mental
tira a energia da terra e se torna metal.
-
A água vem depois do metal: a água tira
a energia do metal e se torna água.
Assim se forma um grande ciclo. Isso é subtração. Todo o universo está ao mesmo tempo doando e
retirando de si mesmo.
Ao falarmos, nossa energia vital sai
através da palavra e com o ouvido, captamos a energia do falar de outrem.
Ao olharmos para alguém, essa energia
sai de nós e entra na pessoa.
Assim se faz a integração de
energias. Isto está em toda a parte, em
todos os momentos.
No entanto, daquilo que se retira,
também se dá. É preciso, então, aumentar
a nossa capacidade de receber para podermos doar.
Na prática mística da Escola Konnun
Taoísta fundada por Mestre Lü, mostram-se técnicas de captação de energia para
proporcionar o fortalecimento. Essa
captação de energia é feita na natureza, com grandes árvores, com grandes
rochas, através da meditação.
Encontra-se nesses elementos muita força. Nas rochas, por exemplo, a energia está em
suas veias. É como se fosse um ponto de
energia que canaliza a força de toda a rocha.
No Planeta Terra existem pontos
energéticos que na geomancia chinesa são
chamados de Veias do Dragão.
Em regiões de pedras muito grandes,
existem debaixo da terra outras pedras ainda maiores e tudo isso cria uma
imensa corrente de força que é concentrada na pedra que se sobressai. Uma meditação nesses lugares pode doar à
pessoa uma enorme energia da natureza: rejuvenescimento, aumento da
consciência, aumento da força interior, expulsão de doenças.
No entanto, o próprio Mestre Lü diz que
como todas as coisas doam e subtraem, a troca de energia entre os seres pode
acontecer em todos os níveis. E, na
comparação das coisas, a pessoa pode ficar enfraquecida se realizar esse
encontro meditativo com a natureza energética com freqüência demasiada e sem o
devido preparo. Existe um processo de
inspiração e de expiração também nas pedras e árvores. O aprendiz antes de entrar nesse tipo de
meditação, tem que se fortalecer, tem que ter força suficiente para poder ter o
controle da situação. Para ser forte, é
preciso uma boa alimentação, respiração, meditação, concentração para
fortalecer a mente, o corpo e a emoção.
A partir daí, a pessoa precisa ter conhecimento da natureza, saber
quando a natureza está expirando ou quando está inspirando.
Dentro do treinamento Taoísta - em
todas as escolas -, existe um estágio mais avançado que é o Retiro na
Floresta. Esse “retornar à natureza” é o
arquétipo iniciático que qualquer linha mística ou tradição reverencia. Esse treinamento é fundamental - porque se
retorna à raiz da vida - para se seguir para outros níveis. O homem, em suas raízes primordiais, tem que
viver de uma maneira essencialmente despojada.
O nome Konnun vem de uma montanha
mitológica onde vivem os Imortais. A
montanha física com o mesmo nome está situada no sudoeste da China, na
fronteira com o Tibet e o Nepal.
Mestre Lü nasceu no leste da China e
desde criança foi selecionado pelo astrólogo imperial como uma criança
inteligente e levada ao palácio para treinamento. Lá se tornou o astrólogo-astrônomo oficial do
Palácio. Com a queda do império, ele
abandonou o palácio e foi iniciado por um Mestre Konnum que lhe disse para ir à
montanha e receber conhecimentos e segredos do patriarca ancestral que lá
morava, num Abrigo Celestial. Alguns
anos mais tarde, já pronto para esta tarefa, Mestre Lü tentou por três vezes
ascender para a montanha espiritual. Nas
duas primeiras vezes foi derrubado por forças opostas mas foi bem-sucedido na
terceira tentativa.
Já na montanha espiritual Konnun, foi
acompanhado por um velhinho que ele entendeu ser um colega do patriarca. Depois de muito andar, deparou-se com uma
enorme e centenária árvore e um velhinho sentado em estado de êxtase, abraçado
por um galho de árvore. Mestre Lü
perguntou ao velhinho que o acompanhava:
“Quem é ele?”
“Ele é o Patriarca e já está ali
meditando há centenas de anos.”
Mestre Lü reverenciou o Patriarca e
recebeu inúmeros ensinamentos e segredos para trazer de volta ao mundo
físico. Seus conhecimentos são inúmeros
e dentre eles, o do rejuvenescimento através da captação de energia da
natureza. Seu retrato aos noventa anos
de idade não mostra qualquer ruga em seu rosto.
Em seguida, Ele diz:
O suave e o
fraco vencem o rígido e o forte
Lao Tse quer dizer que a suavidade e a
flexibilidade permitem a durabilidade das coisas. Durante a tempestade, são as grandes árvores
aquelas que são arrancadas do chão enquanto o capim resiste à grande força.
O vazio, o espaço e a grandeza da água
são fracos perante a rocha. No entanto,
a rocha se quebra e a água, não. Assim,
Ele quer dizer que a suavidade tem a capacidade de durar mais tempo.
Essa frase conclui o que Ele diz nos
versos anteriores. Ele falou do
recolhimento, do enfraquecimento, do abandono, da subtração, do processo de
interiorização e de suavização.
A suavidade é melhor do que a
força. Apenas a suavidade vinda da força
e não a suavidade como ausência da força.
Saber ter força que se transforma em suavidade. E não ser suave porque não se tem força.
É o Yin abrangente que tem a transcendência
do Yang e não o Yin como ausência do Yang.
A verdadeira suavidade é se fortalecer
para poder ser suave. Suavidade não como
ausência de força mas sim como transcendência de força.
Os peixes não
podem separar-se do lago
Na linguagem da Alquimia, o peixe é a
Consciência, e o lago, a água, é o Sopro, a energia vital. A Consciência só é viva quando está dentro da
Energia Vital, do Sopro.
Se quisermos transcender, primeiramente
temos que ter a vida. É preciso que o
homem não se separe do seu Caminho, assim como o peixe não pode abandonar a
água.
O reino que
tem o instrumento afiado
Não pode
colocá-lo à vista do homem.
Quem já segue o Caminho - quem já
possui a ferramenta de trabalho - precisa saber bem usar esta ferramenta. A ferramenta é o ‘instrumento afiado’. Uma faca muito afiada é cortante e tanto pode
ser usada como um instrumento útil como pode ser uma arma para ferir outros ou
até a própria pessoa. É preciso saber
trabalhar com o instrumento.
Por isso, Ele diz que o instrumento
afiado não pode ser colocado à vista do homem.
Não pode ser exposto, não pode ser exteriorizado. Essa potencialidade deve ser guardada,
reservada para que permaneça numa posição mais discreta. A exibição da ferramenta já pressupõe a
possibilidade de ferir os outros.
Sob outro ângulo, essa frase significa
que quem tem a arma afiada pode atiçar outras pessoas, ou seja, pode atrair a
inveja e a cobiça, ataques desnecessários, pode provocar polêmicas, etc.
Dessa maneira, dentro do Taoísmo, os
grandes mestres que realmente possuem os segredos da vida e da morte, são
pessoas que vivem de uma maneira extremamente simples e discreta, sem chamar a
atenção.
Existe um ditado chinês que diz: a meia
garrafa de vinagre é melhor para a saúde do que uma garrafa cheia (de vinagre).
Por que não vinho ou água? Por que vinagre?
Porque o vinagre é azedo, por isso é
vinagre. E meia garrafa só pode fazer
menos mal do que uma inteira...
...............
foto: Sítio das Estrelas, Janine
TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 36
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de
Janeiro, em 28 de março de 1995
Transcrição e
Síntese de Janine Milward
A tradução
dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês
para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora
Ursa Maior,
sendo
hoje publicada pela Editora Mauad, São
Paulo, Brasil
Nesta mesma
Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização
da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao
Tse, o Tao Te Ching