TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 22
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro,
em 06 de dezembro de 1994
Capítulo 22
Curvar-se
permite a plenitude
Submeter-se
permite a retidão
Esvaziar-se
permite o preenchimento
Romper
permite a renovação
Possuir pouco
permite a aquisição
Possuir muito
permite a ganância.
Por isso, o
Homem Sagrado abraça a Unidade
Tornando-a
modelo sob o céu
Não julga por
si, por isso é óbvio
Não vê por
si, por isso é resplandecente
Não se
vangloria, por isso há realização
Não se
exalta, por isso cresce
Só por não
disputar, nada pode disputar com ele
Antigamente
se dizia: “Curvar-se permite a
plenitude”.
Como poderiam
ser palavras vazias?
Assim, ao
alcançar a plenitude, encontra-se o retorno
Este Capítulo expressa tipicamente o
pensamento e o comportamento do Taoísmo:
saber se submeter,
saber se esvaziar,
saber romper,
saber possuir pouco
...
Essas são exatamente as maneiras taoístas de viver e de ver as coisas.
Pode-se então entende que essas
maneiras sejam contrárias a aquilo que se chama de ‘vitória’ ou ‘glória’. Normalmente, os valores sociais falam da
pessoa que não se curva diante de nada, da pessoa que não se submete a nenhum
pensamento disciplinar ou a nenhuma ordem social - isso é que é interessante
para a sociedade.
O contrário do vazio é tê-lo
preenchido, é possuir muitas coisas, ficar cheio de conhecimentos, cheio de
dinheiro, cheio de riquezas, cheio de idéias e possuir muito: tudo isso
expressa o valor comum das coisas.
Mestre Maa nos diz em suas aulas que
dentro da cultura chinesa, se não existissem os ensinamentos de Confúcio, não
haveria a ordem para governar o mundo; e se não existissem os ensinamentos de
Lao Tse, não haveria onde os grandes heróis se aposentarem.
O Confucionismo é um ensinamento muito
dogmático, muito voltado para a sociedade, voltado para o mundo. Através desses ensinamentos, uma pessoa pode
chegar ao auge de sua realização, de se tornar uma pessoa realizada. Mas, por outro lado, será uma pessoa muito
exteriorizada. Isso leva a pessoa a ir
cada vez mais subindo na sociedade e chega uma hora que fica tão evidente e tão
desgastada que não tem mais fôlego para sair dessa situação - mesmo porque seu
ego não permitiria, seus ensinamentos e sua formação não permitiriam. Então, essa pessoa ou se destrói ou desiste. Mas também não pode desistir porque a
sociedade chamaria de covardia, de abandono, de exílio. Significaria uma série de razões que
normalmente o Taoísmo considera como ‘virtudes’.
Nesse caso, se não tivéssemos os
ensinamentos de Lao Tse, chegaria uma hora em que os grandes heróis não teriam
onde se aposentar. Chega uma certa hora
em que temos que nos retirar. Não existe
um progresso constante sem retiro. Não
existe uma ascensão sem descida. Ao
invés de o homem buscar seu progresso constante e sofrer uma queda involuntária
- por essa mesma razão -, é melhor que ele saiba se retirar na hora própria de
se retirar e avançar no momento próprio de avançar.
Isso é o que Lao Tse chama de Curso do
Céu ou Caminho do Céu. O Caminho do Céu
é o caminho da natureza. Existe o
momento em que o sol nasce, existe o momento em que o sol chega ao meio dia,
existe o momento em que o sol se põe, e existe o momento em que o sol
desaparece e nós entramos em repouso e ficamos quietos, dormindo. Existem períodos quando nós dormimos mais e
ficamos menos tempo acordados - no inverno.
Existem períodos quando dormimos menos e ficamos mais tempo acordados -
no verão. Tudo isso acontece dentro da
grande lei do planeta. No verão, a
energia da natureza está mais exteriorizada, a energia sai debaixo da terra e
fica flutuando no espaço. Assim, o homem
fica mais tempo acordado sem perder energia e recebendo a energia da natureza
sem se prejudicar. Durante o inverno,
existe menos tempo do dia e menos tempo de recebimento da energia e por ser
noite por um longo tempo, a energia fica retida dentro da terra e então temos
que repousar mais para não gastarmos energia.
O caminho da natureza é o Caminho do
Céu: o caminho do dia e da noite, do movimento das estrelas, do sol e da lua.
Quem conhece o Caminho do Céu conhece o
processo da mutação que nos fala o I Ching.
Todo o momento Yang traz um momento Yin, depois da ascensão vem a queda,
toda expansão traz um recolhimento, depois do momento Yang vem o momento Yin.
Se uma pessoa apenas valoriza o lado
Yang e não valoriza o lado Yin, ela não saberá se recolher e não saberá se
calar e não saberá viver o silêncio, não saberá se interiorizar, não saberá
abaixar a cabeça e se retirar. Daí então
esse grande herói não saberá a hora de se retirar e por isso será marcado pelo
destino porque a grande roda não espera... É como um vulcão que ameaça explodir
e deixar sua lava cobrir toda a aldeia - que deve então se retirar. Se alguém se recusar sair, será coberto pela
lava, queira ou não queira.
Saber se retirar é como Lao Tse diz:
saber curvar-se, saber submeter-se,
saber esvaziar-se, saber romper e saber possuir pouco.
Nesse caso, os ensinamentos falam do
não-herói. Para o Taoísmo, o não-herói é
o verdadeiro herói.
Curvar-se
permite a plenitude
Saber curvar-se é saber ter a
maleabilidade. Movimentos de curva são
movimentos circulares e espirais. A água
demonstra a qualidade de saber curvar-se.
Saber curvar-se pode acontecer em
vários níveis. Deve-se se saber
curvar-se sem hipocrisia mas com humildade - saber ser humilde. Em outro sentido, pode ser literalmente o
sentido de curva: a água pode fluir em linha reta como pode contornar rochas -
a trajetória do leito do rio é toda de movimentos circulares. Também a energia em nosso corpo se movimenta
em forma circular.
Curva, portanto, se entende por humildade,
maleabilidade, adaptabilidade, movimento circular e movimento em espiral.
Na prática da meditação, quando se
atinge um certo nível de quietude, com o corpo bem relaxado, podemos sentir a
entrada de uma energia dentro de nosso corpo.
Essa energia vem de uma fonte desconhecida que é o Vazio e quando ela
entra em nosso corpo, começa a circular em forma espiral, ou seja, são
movimentos curvos e não são movimentos retos.
São inúmeras energias que geram infinitas rodas de moinho dentro de
nós. Isso é exatamente o que Lao Tse
diz: Curvar-se permite a plenitude.
Mestre Maa nos fala de uma frase
retirada de um outro texto clássico não especificado por ele, que diz assim: “A
curva tem o poder de criação. A criação
tem o poder da formação”. Ou seja, quem
sabe curvar-se e ter energias circulares, tem o poder de criar. As curvas são criativas. As retas, não. A força circular é criativa.
Continuando Mestre Maa: “E a criação pode gerar formas” - pode então
materializar as coisas. “As formas
tornam as coisas visíveis”. Quando uma
coisa adquire uma forma, ela passa a ser visível.
“A visibilidade permite a iluminação” -
tudo o que é visível torna-se claro e compreensível. “A iluminação pode proporcionar o movimento”
- porque tudo o que é visível demonstra seu movimento. “O movimento traz a modificação e a
modificação traz a transformação”.
“A curva tem o
poder de criação
A criação tem o
poder da formação
E a criação pode gerar formas
As formas
tornam as coisas visíveis
A visibilidade
permite a iluminação
A iluminação pode proporcionar o
movimento
O movimento
traz a modificação e a modificação traz a transformação”.
Dessa maneira, coloca-se, passo a
passo, através da sabedoria do uso da palavra curvar-se, o entendimento de que
pode ser usada nos níveis da adaptabilidade, da maleabilidade e da humildade
bem como a utilização da força circular, da energia em espiral e em constante
movimento que pode gerar a força da criação.
Essa força da criação pode gerar uma forma.
Uma pessoa que tenha humildade pode
criar, pode ser criativa e essa criatividade pode trazer à tona alguma forma,
um projeto, uma idéia ou uma intenção de fazer alguma coisa e essa forma pode
se tornar visível. Por tomar uma forma
visível, esta criação fica iluminada para esclarecer e iluminar a própria
pessoa que a criou ou pode também iluminar e esclarecer outras pessoas. Gera, portanto, uma movimentação e essa
movimentação vai se transformando porque tudo o que se move, se modifica. Através da movimentação, vem a transformação.
Portanto, uma iniciativa feita com humildade e com maleabilidade - tanto mental
como física - pode girar gradualmente até atingir uma grande transformação.
A partir de um cerne interior, pode-se
chegar a uma transformação pessoal ou social.
Pode-se começar de um nível espiritual até alcançar o nível físico de
transformação quando muda a expressão física, muda a saúde, a transformação vai
se exteriorizando passo a passo.
Partindo de uma pessoa, a transformação pode atingir a sociedade e todos
participarem da transformação, conjuntamente.
Mestre Maa, em seu raciocínio, nos
coloca a importância de todo esse trajeto que se inicia na importância de se
reconhecer a palavra ‘curvar-se’.
Na prática da Alquimia, temos as Rodas
de Moinho que são a entrada do Sopro do Céu Anterior que vai purificando nosso
corpo. As Rodas de Moinho têm que
acontecer pelo menos nove vezes - em algumas pessoas acontecem mais vezes. É preciso que haja no mínimo nove entradas
das Rodas de Moinho para permitir no corpo a concentração do Elixir que é uma
força espiritual e energética. Para
consolidar essa força espiritual e energética, precisamos ter essas Rodas de
Moinho circulando dentro do nosso corpo pelo menos por nove vezes. Menos de nove vezes, não traz a capacidade total
de coagulação para a concentração do Elixir.
Submeter-se
permite a retidão
Submeter-se - Mestre Maa
nos diz que é como ‘o Espírito que se submete ao movimento do Sopro’.
Se a primeira frase - Curvar-se
permite a plenitude - pode ser entendida como o movimento do Chi, o movimento da
Energia, a segunda frase - Submeter-se permite a retidão -, pode ser
entendida como o Espírito que se submete ao Sopro.
O que fazemos em nossa prática de
meditação? Colocamos a Consciência
dentro do Sopro. Mas o Sopro é
estático. O Sopro tem vários
níveis. No nível mais denso é o ar da
nossa respiração. O Sopro em nível mais
sutil é a energia que circula em nossos meridianos e em nossos vasos
energéticos. E ainda num nível mais
sutil, é chamado de Sopro do Céu Anterior, que é uma energia que está além da
consciência física e energética. São
esses, portanto, os três níveis do Sopro.
Ainda existe um quarto nível que é o
Sopro do Céu Anterior do Céu Anterior - que é uma energia fóra de nós.
Na prática mística do Taoísmo, nós
colocamos a Consciência dentro do Sopro.
Como o Sopro está em constante movimento, a Consciência vai se
movimentar naturalmente junto com essa Energia.
Daí, se entra nas Rodas de Moinho, na viagem das Rodas de Moinho. No entanto, é preciso sempre haver
movimento. Quando o Sopro pára, a
Consciência também pára. Por isso, na
prática da meditação existe um estado que é chamado de ‘Estado de Fixação’.
A Fixação é o momento quando a
respiração pára e o pensamento pára.
Como a Consciência se submete ao movimento do Sopro, se este pára, a
Consciência pára também. Nesta hora, se
alcança um estado de serenidade absoluta, uma quietude absoluta, quando a
Consciência não fala, não pensa, não sente, não faz nada. Porém, a Consciência não está apagada, está
viva de uma forma transparente e quieta.
De repente, se percebe que tudo o que existe no movimento do mundo
pára. Naquela hora, entra-se no Estado
Zero, no estado da absoluta quietude.
Esse é o estado da Fixação.
Curvar-se é saber ter
humildade, saber ter adaptabilidade, maleabilidade. Submeter-se é saber fluir,
saber acompanhar, submeter-se aos movimentos naturais do mundo, saber seguir o
grande fluxo da energia do destino.
Uma pessoa que caia numa correnteza
forte de um rio e não sabe nadar, o que tem que fazer? Tem que relaxar e fluir
com o movimento da água.
Devemos saber fluir com o nosso destino
individual e devemos saber fluir com o destino coletivo e devemos saber nos
submeter ao destino próprio pessoal. A
pessoa que é capaz de seguir e fluir conforme o movimento cósmico, não mais
precisa se preocupar com o destino social ou individual - porque ela estaria
atuando acima dessas questões. Podem
guerras, matanças, nascimentos, mortes, renascimentos, destruição, ascensão e
queda acontecer.... e tudo passa.... mas o sol e a lua, o vento e a chuva
sempre se repetem. Quando a pessoa está
sintonizada com as leis do céu - com o Caminho do Céu -, ela é capaz de se
colocar acima dessas leis sociais, podendo, portanto, escapar do Karma social.
Também quando a pessoa consegue acatar
bem o seu Karma social, ela consegue fazer com que o seu Karma pessoal não seja
tão evidente. Se uma pessoa consegue
acatar o Karma pessoal, ainda tem o risco de ser esmagada pelo Karma
social. Se a pessoa consegue adaptar-se
ao Karma social, ainda pode ser esmagada pelo próprio destino cósmico - porque
os Karmas social e individual têm que seguir de acordo com as leis cósmicas.
Hoje em dia, o ser humano está cada vez
mais contra a natureza, gerando um destino pessoal e social contrários às leis
cósmicas.
É preciso saber transformar: sair do
nível do Karma para entrar no nível do Dharma, sair da causa e do efeito pra
entrar no nível da sabedoria. A
sabedoria está acima da causa e do efeito.
Portanto, falávamos do saber curvar-se,
possuir pouco, esvaziar-se e não levar as coisas aos extremos. A consciência ecológica é um processo de
saber não possuir muito. Nós consumimos
demais. A sociedade humana é
extremamente consumista. As florestas,
os minérios - consumimos tudo o que existe na Terra. E com esse consumismo
desenfreado, um dia não teremos mais saída porque tudo será esgotado.
A sabedoria é saber fluir na vida,
consumindo apenas o necessário. Isso é
um conceito taoísta: não consumir até o
máximo para que a sociedade sempre tenha tempo e dê tempo para a natureza se
reciclar e se refazer.
Também em pequena escala, devemos
pensar da mesma maneira: quando comemos, devemos ingerir apenas 70 por
cento da comida, para darmos espaço suficiente para o estomago realizar seu
trabalho sem se exaurir.
É preciso que se entenda que tudo o que
atinge seu máximo, se desbalança e vira de lado.
Saber se curvar e se submeter
significam saber se adaptar e fluir.
Submeter-se permite a retidão - buscar o
equilíbrio. É preciso saber buscar a
adaptabilidade para se ser pleno. Quem
estuda o I Ching sabe disso. Muitas
vezes, no I Ching, tanto Confúcio como o Rei Wen falam: para se manter a
integridade pessoal, muitas vezes, devemos saber nos curvarmos e saber nos
preservarmos. A insistência, a rigidez e
a possessividade apenas nos levam ao infortúnio.
O culto afro-brasileiro, por exemplo,
teve que se submeter ao catolicismo, no Brasil.
Houve um sincretismo entre os orixás e os santos. Naquela época, se os negros que aqui chegaram
não se curvassem e se submetessem, poderiam ser massacrados por completo - nada
teria sobrado de sua cultura e de suas raízes.
Por um lado, é preciso curvar-se...
mas, por outro lado, se preserva aquilo que é preciso ser preservado. A maleabilidade é uma sabedoria.
Também para as outras culturas e
religiões, aconteceram épocas quando era preciso o curvar-se e o
submeter-se. Hoje, o Taoísmo já não mais
precisa fazer isso porque se vive numa sociedade mais aberta. Não tão aberta para sairmos às ruas com
megafones... É preciso saber se curvar e
se submeter às circunstâncias. E todas
as circunstâncias são temporárias.
Vive-se de uma maneira em uma época e em outras épocas, vive-se de outra
maneira.
Aparentemente, submeter-se a uma regra,
a uma força externa, parece ser uma perda de identidade ou uma perda de
virtude. Na verdade, é uma sabedoria
saber preservar algo que deve ser preservado.
Esvaziar-se
permite o preenchimento
Se quisermos encher de água um copo, é
preciso que este copo esteja vazio. É
preciso que haja a abertura do vale para que os rios e riachos possam adentrar
e formar um grande rio, com correnteza.
É preciso que haja um vazio na planície para que ela se torne um oceano
ou um lago.
Igualmente, é preciso haver um esvaziamento
mental e físico para que possam entrar dentro de nós uma Consciência pura e uma
Energia pura como a água que entra dentro do corpo.
Na prática espiritual do Taoísmo, o que
fazemos quando meditamos? Esvaziamos o
corpo. O que é esvaziar o corpo? É relaxar o máximo possível tentando não
colocar a atenção em nosso corpo físico.
Devemos manter a coluna reta e esquecer o corpo. Depois, vem o esvaziamento mental, o que
significa não ficar pensando em mil coisas.
Coloca-se a atenção no silêncio interior. Dessa maneira, o corpo se esvazia, a mente se
esvazia e nos tornamos um recipiente oco.
A partir daí, o Sopro do Céu Anterior
pode entrar dentro de nós.
O Sopro entra por diversos caminhos:
pode entrar pelos terminais dos canais de energia; pode entrar pela própria
respiração. Como temos um fluxo de
respiração muito intenso, no nosso trabalho, colocamos a concentração na
respiração. Entrando e saindo o ar,
esvaziando a mente, esvaziando o corpo.
Assim, o Sopro entra em nós com grande
facilidade e isso vai nos renovar psiquicamente e fisicamente.
Num nível mais rasteiro, esvaziar pode
significar anular os preconceitos, anular os pensamentos insistentes de forma
que nós possamos aceitar melhor as coisas.
Vazio significa aceitação. Se não tivermos um vazio interior, nada cabe
dentro de nós.
Conta-se uma história de que um grande
mestre intelectual confuncionista foi procurar Mestre Lao Tse para
conversarem. Chegou à casa do Mestre já
todo preparado para defender suas idéias e atacar o Taoísmo. Chegou tão preparado que o Mestre percebeu e
pediu a um discípulo seu para servir o chá.
Quando o chá estava pronto sobre a mesa e a xícara diante do convidado,
o mestre pegou o bule e começou a derramar o chá dentro da xícara e foi
derramando, derramando até que o líquido começou a transbordar copiosamente e o
convidado ficou meio desesperado e gritou : “Pare, pare, pare, não vê que a
xícara já está cheia?” Ao que o Mestre
respondeu: “Pois é. Quando a xícara está cheia, não cabe mais
nada”. Com isso, fez o convidado
entender que ele havia chegado a aquela casa tão armado, tão cheio de conceitos
para discutir, que não cabia mais nada em sua cabeça.
Também encontramos alunos que chegam às
aulas com as mentes já tão cheias e tão armadas que não conseguem aprender
nada.
É preciso haver o Vazio para poder
haver o preenchimento. Se quisermos
receber alguma coisa, temos que estar vazios por dentro.
No nível da Alquimia, se quisermos
receber o Sopro do Céu Anterior, temos que esvaziar o corpo e a mente para
podermos deixar entrar essa energia poderosa que nos regenera em nossas
energias psíquicas e físicas.
No nível social, se não soubermos
esvaziar - se estivermos sempre armados e cheios -, nada conseguiremos
receber. Aquele que nada recebe
significa que não consegue perceber nada, apenas que tudo é a si mesmo: “Eu penso, eu vejo, eu acredito, eu
sei...”. Esse tipo de pessoa não
consegue perceber a realidade das coisas.
No I Ching, nós temos os quatro
caminhos do Hexagrama: o caminho do
sentimento e o caminho da emoção, o caminho da mente e o caminho da
materialização. O caminho da
materialização toca o extremo do Trigrama Interno. Isso significa que o realizador precisa saber
trazer a realidade externa para dentro e levar as idéias interiores para
fóra. Tem que haver a troca, senão a
materialização não se realiza.
Se uma pessoa não vir o que está fóra e
vir apenas o que está dentro, ela apenas percebe o que é bom para si mesma mas
não consegue perceber o que é bom para os outros.
Muitas vezes, o nosso ego - o eu acho,
eu penso, eu acredito -, é tão grande que fazemos um grande esforço para nos
dedicarmos aos outros ...., mas na verdade não podemos perceber o que os outros
querem.
Quem não tem o vazio, não pode receber
nada.
Romper
permite a renovação
Possuir pouco
permite a aquisição
Possuir muito
permite a ganância.
Aquele que sempre tem pouco, sempre
pode ter mais. Quem tem muito, sempre
está buscando algo a mais. Aquele que
sta ansioso por muito, nunca está satisfeito.
Quem se satisfaz com pouco, qualquer coisa que venha, é uma grande
conquista. Isso não é uma teoria de
conformismo.
Se nossos valores estiverem apenas no
nível material, podemos achar que o homem rico é mais feliz do que o homem
pobre. No entanto, quando a pessoa chega
a dizer que possui tudo o que quer, casas, carros, viagens, começa a sentir que
algo falta e por isso, sai em busca de estudos, de algo mais espiritual.
Na essência, o Taoísmo pensa que não é
mais importante ter mais ou ter menos.
Não é nenhum pecado se ter mais materialmente. Não é pecado ser rico, ter dinheiro. Por outro lado, o Taoísmo também não diz que
o voto de pobreza é bom. Isso seria
pouco sensato porque pobreza não é bom, nem na matéria, nem na energia, nem no
espírito. A riqueza é boa na matéria, na
energia, no espírito. Apenas temos que
ver em qual nível se situam tanto a riqueza quanto a pobreza.
Na realidade, vemos que nem sempre
podemos conquistar as coisas materiais.
E também vemos que sempre podemos conquistar as coisas espirituais. Podemos conquistar as coisas espirituais sem
precisarmos da forma e da matéria. A
felicidade está no nível espiritual.
Tanto ricos quanto pobres morrem sem
levarem nada consigo. Não levam nem seus
corpos físicos. Apenas levam seus
Karmas, aqueles cristaizinhos que constituem nosso Karma. Somos assim, não levamos todo o nosso Karma e
sim apenas a síntese de nosso Karma para outra vida.
Dessa maneira, é bem melhor viver uma
vida que flua e que seja alegre e iluminada não importando se somos ricos ou pobres...
porque, no final das contas, ricos ou pobres, todos nascemos e morremos
igualmente.
Por isso, o
Homem Sagrado abraça a Unidade
Tornando-a
modelo sob o céu
A Unidade é a síntese:
tudo converge a um ponto só. Esse ponto
é a Consciência. Essa Consciência é a
luz que existe em nosso interior e que faz com que a energia gire em torno,
todos os pensamentos e toda nossa vida.
esse ponto central é exatamente a Consciência pura, a energia pura que
faz com que tenhamos um sentido na vida.
Esse ponto corresponde à primeira das
quatro virtudes do I Ching:
-
o princípio
- a abertura
-
a harmonia
-
a retidão
-
O princípio - que é a causa primordial de todas as coisas
- é um ponto central que faz com que nossas vidas girem em torno dele e naquilo
em que acreditamos. Se nossas vidas não
tiverem um eixo, seria o caos. Se
acreditamos em alguma coisa, se temos um fundamento interior, esse fundamento,
esse eixo, esse algo em que acreditamos, pode ser um ideal, um princípio
pessoal e que, para um pode ser diferente do do outro.
No eixo, as pessoas vivem em
equilíbrio, mais harmoniosas. Isso é
exatamente o que Lao Tse chama de Homem Sagrado que abraça a Unidade.
Essa Unidade - no sentido mais puro
metafísico taoísta -, é uma Consciência pura, é uma quietude interior, uma
consciência feita de silêncio, uma quietude interior que a todo momento pode
estar presente.
Todos nós podemos ficar um minuto em
silêncio e nesse silêncio, tentarmos encontrar a quietude, a calma. Todos entendemos o que é o silêncio. E se o entendemos é porque ele existe dentro
de nós.
Se conseguirmos entender que existe uma
Consciência Pura - a consciência do silêncio da quietude interior - dentro de
nós, em todos os momentos conseguirmos vivê-la. Sabemos, pelo menos teoricamente, o que ela
é - porque esse código faz parte do nosso registro de computador interior. Então, é sempre possível que encontremos essa
Consciência pura.
Em outra maneira de dizermos sobre
isso, podemos estar num ambiente agitado, cheio de pessoas conversando e
podemos estar todo o tempo nos mexendo e falando - mesmo assim podemos sentir
uma serenidade interior, a nossa Consciência pura.
A Consciência pura é algo que está
sempre lá. Se nos mantivermos sempre
dentro de nosso eixo, sempre a encontraremos dentro de nossa quietude, ou seja,
podemos manter harmoniosamente a consciência ativa e externa e a Consciência
pura, interior.
A presença da Consciência pura é o
silêncio, a quietude, a paz interior.
Se, ao contrário, perdemos nosso eixo,
entramos num movimento desordenado e perdemos a Consciência.
Por isso, no Taoísmo, sempre dizemos
que devemos colocar a quietude interior intuitivamente dentro de nós, para não
perdermos nosso verdadeiro eu, nossa Consciência pura, em tudo aquilo que tivermos que fazer.
Sob o céu - e uma
maneira poética de ver o mundo, para que essa Unidade seja o eixo, o modelo do
mundo. Se todas as coisas puderem girar
em torno desse eixo - que é a Consciência pura -, então o mundo naturalmente
estará ordenado.
Em seguida, Ele diz:
Não julga por
si, por isso é óbvio
Não vê por
si, por isso é resplandecente
Não se
vangloria, por isso há realização
Não se
exalta, por isso cresce
Só por não
disputar, nada pode disputar com ele
Quando se quer entrar num lugar sem ser
percebido, a pequena mágica que se faz é exatamente se colocar na
quietude. Tendo o silêncio interior, a
gente se torna menos visível, menos perceptível. Então, nos tornamos invisíveis entre as
pessoas, chamando menos atenção, sendo menos notável.
Isso é contrário aos valores sociais
comuns, sobre os quais anteriormente citamos.
Tudo tem que ser pleno, ninguém pode se curvar, todos têm que ser
alguém, numa personalidade forte, ninguém quer ser invisível.
Não julga por si e não vê por si - significa
não apegar-se ao ego. Quando não se vê
por si, se vê através dos olhos de todos os seres.
Não julgar por si é deixar que a coisa
se mostre por si mesma, que se revele.
Qual a diferença entre o julgar e o
discernir?
Discernir é saber ter uma quietude e
observar a natureza, simplesmente. Ver
as coisas como elas são.
Julgar é colocar um conceito mais
radical e mais rígido nas coisas que vemos.
Então, as coisas deixam de ser o que elas são. E passam a ser camufladas por nossa mente.
Portanto, não julgando, nós simplesmente
encaramos as coisas como elas são e então, passamos a ter discernimento.
No não-julgamento, no discernimento,
podemos ver as coisas como elas naturalmente são e, em seguida, podemos agir de
acordo com o que precisa ser feito. Isso
é o que Lao Tse chama de ‘naturalidade’.
Fazer as coisas naturalmente, sem deixar de fazê-las; e quando tiver que
fazê-las, fazê-las.
Quanto menos palavras exteriores ou
interiores existirem, o julgamento fica mais no nível do discernimento. Quando se explica demais, caímos no
julgamento.
No discernimento, temos que trabalhar
mais com a Consciência do que com a mente.
Quando não conseguimos chegar à
consciência, devemos pelo menos usar a intuição - que é mais próxima da
Consciência pura do que a mente. A mente
é muito complexa.
Quando percebemos que a mente está
camuflando, usamos a Consciência. Não
conseguindo usar a Consciência, usamos a intuição. A intuição, no entanto, já é influenciável
pela mente. Também, às vezes, a mente
consegue funcionar próxima da Consciência.
Não se vangloria, por isso há
realização - para nos realizarmos e crescermos, precisamos ter
humildade. Temos que ter a vontade de
realizar as coisas, temos que ter a Consciência pura para realizar as coisas
naturalmente e ao mesmo tempo, temos que saber não nos vangloriamos nem nos
exaltarmos diante de nossos feitos.
Mestre Maa nos diz que ‘não se exaltar,
significa ter humildade’. Sempre devemos
considerar os frutos de nossa realização como resultados da bondade celestial,
das virtudes dos ancestrais e das virtudes dos mestres e das outras
pessoas. É sempre bom atribuirmos aos
nossos ajudantes, as nossas realizações.
Isso mostra uma maneira humilde de ser.
Novamente, essa questão entra em divergência com a cultura
contemporânea.
Mesmo dentro do Taoísmo, se diz que se
a pessoa não batalhar para trabalhar e realizar as coisas materialmente e
espiritualmente, nada poderá ser realizado porque nada cai do céu.
Isso é uma metade do conceito e é para
incentivar as pessoas a empreenderem e a realizarem.
A outra metade do conceito, revela-se
ao contrário. Diz que uma vez realizado
o trabalho, agradece-se a ajuda e a proteção das divindades que nos acompanham
e dos mestres que nos direcionaram, e dos pais que nos educaram... A partir daí, todas as coisas realizadas
passam a ser não um mérito pessoal mas sim mérito de um conjunto.
A primeira metade do conceito fala da
necessidade de batalhar, de agir para realizar as coisas e a segunda metade
fala em aceitar todos os frutos da realização com profunda gratidão.
O que falta à sociedade moderna é
exatamente esse sentimento de gratidão.
Gratidão é um sentimento. E não é
um sentimento teórico. No entanto, a
cultura comum está fundamentada na auto-realização do homem que deve saber
lutar pelo que quer e que deve se sentir realizado e colhedor dos frutos que
semeou.
Devemos sempre ter gratidão pelo que
recebemos, uma profunda gratidão que deve estar no fundo da nossa alma. Devemos sempre fazer o melhor possível para
passar para frente os frutos do nosso trabalho, não nos vangloriando nem nos
exaltando. Assim, cresceremos e nos
realizaremos de verdade.
Só por não disputar, nada pode
disputar com ele - Lao Tse, em outro
Capítulo do Tao Te Ching, diz que
O homem se
orienta pela terra
A terra se
orienta pelo céu
O céu se
orienta pelo Tao
E o Tao se
orienta por sua própria natureza
Se pensarmos nisso em uma hierarquia
mecânica, o homem depende da Terra para viver, a Terra depende do cosmos para
viver, o cosmos dependo do Absoluto para existir e o Absoluto depende de si
próprio.
Então, o mais alto é o próprio Tao, o
Tao que está em toda a parte e em todas as pessoas. O Tao não briga com ninguém, não disputa com
ninguém, não impõe nem obriga. O Tao
simplesmente é uma Consciência quer permite tudo girar em torno dele, alimenta
todos os seres e permite todas as coisas existirem e permite aos seres e a
sociedade fazerem suas vidas, seus destinos, naturalmente.... muitas vezes,
contrariando as leis da naturalidade e do equilíbrio - mas o Tao permite.
O Tao não disputa com ninguém e ninguém
pode disputar com o Tao. O Vazio não
briga com nenhuma forma e nenhuma forma é capaz de derrubar o Vazio.
Podemos derrubar a palavra da pessoa, a
força da pessoa, mas não podemos anular a Consciência pura da pessoa. Essa é a força que existe no espírito das
pessoas. Se alguém não disputa nada com
ninguém, ninguém pode disputar nada com esse alguém.
Num
nível mais rasteiro, se uma pessoa tem a consciência de si mesma, não
precisa disputar com ninguém.
Simplesmente faz o que deve fazer em sua vida, em seu destino, e
pronto. Também ninguém pode disputar nem
brigar com essa pessoa.
No resumo, Ele diz:
Antigamente
se dizia: “Curvar-se permite a
plenitude”.
Como poderiam
ser palavras vazias?
Essa frase, dita há três mil anos
atrás, provavelmente teria sido colhida por Lao Tse de um texto mais antigo.
Não é uma palavra vazia, é uma profunda
sabedoria, o curvar-se.
Assim, ao
alcançar a plenitude, encontra-se o retorno
Quem se realiza no estado da plenitude,
volta ao ponto do início que diz:
Curvar-se
permite a plenitude
Submeter-se
permite a retidão
Esvaziar-se
permite o preenchimento
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No estado da plenitude encontramos a
mesma humildade e simplicidade iniciais.
A plenitude é a infinitude.
Se alguém for capaz de encontrar a
perfeição no ponto final, então não alcançou a plenitude - que é a própria
infinitude.
A infinitude é algo que não tem fim.
Se entendermos a infinitude como a plenitude - que não tem fim
nem início - então a humildade e a maleabilidade do início, existirão no
durante e no infinito - que não tem fim, não tem início e está em todos os
momentos. Por isso, é infinito. Por isso, é pleno.
A plenitude sem humildade não existe.
...............
foto: Sítio das Estrelas, Janine
TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 22
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de
Janeiro, em 06 de dezembro de 1994
Transcrição e
Síntese de Janine Milward
A tradução dos
Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês
para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora
Ursa Maior,
sendo
hoje publicada pela Editora Mauad, São
Paulo, Brasil
Nesta mesma
Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização
da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao
Tse, o Tao Te Ching