Quando se perde o Grande Caminho..................



TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 18
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 11 de outubro de 1994


Capítulo 18


Quando se perde o Grande Caminho,
Surgem a bondade e a justiça.
Quando aparece a inteligência,
Surge a grande hipocrisia.
Quando os seis parentes não estão em paz,
Surgem o amor filial e o amor paternal.
Quando há desordem e confusão no reino,
Surge o patriota.



Neste Capítulo, veremos o Tao se voltando para os conceitos da ética e da moral. 

A princípio, o Tao é amoral, estando acima de quaisquer conceitos de ética, moral, etc.  Porém, quando estes se perdem, o Tao desce para alcançar estes níveis.  Nesse caso, é preciso que se entenda que o Taoísmo mostra que a consciência do homem pode atuar em diferentes níveis: no nível da consciência pura, no nível da consciência  una, no nível da consciência dividida e também no nível da consciência caótica ou desordenada.

Quando se perde a Consciência Pura, desce-se para a Consciência Una. 
Quando se perde a Consciência Una, desce-se para a consciência antagônica. 
Quando se perde a consciência antagônica, entra-se na consciência complexa. 
Quando se perde a consciência  complexa, entra-se na desordem e na confusão.

Neste Capítulo, portanto, Lao Tse nos fala em como nasce uma série de conceitos a partir dessas mudanças de consciência.


A leitura do Capítulo 18 pode ser entendida em vários níveis: o nível superficial, o nível simbólico e o nível da prática espiritual.

No nível superficial, Lao Tse fala sobre quando a humanidade perde seu Caminho.

O que é o Grande Caminho?  É o caminho da indivisibilidade, o caminho da unidade, o caminho da naturalidade, o caminho do caos primordial.  Onde não há intenção, não há julgamento, onde tudo acontece dentro da naturalidade, tudo acontece dentro de uma consciência, onde não há separação das coisas.  Nesse estado nada se divide, nada é diferenciado e tudo está harmoniosamente unido.

Quando se perde o Grande Caminho,
Surgem a bondade e a justiça.


Quando o ser humano, quando a sociedade humana, perde essa condição, faz nascer a bondade e a justiça; surgem as antíteses.  A bondade são aqueles sentimentos fraternais de ajuda e a justiça são a severidade, a rigidez, a inflexibilidade.

Na bondade, se perdoam as pessoas.  Na justiça, se punem as pessoas.

Também ambas as coisas podem ser voltadas para a pessoa mesma: é a pessoa que é bondosa consigo mesma, que se perdoa a cada instante como também é a pessoa que está sempre criticando, punindo a si mesma, se julgando e se sentenciando.

Essa oposição surge quando não há o caminho da união.  No caminho da união não há separação.  Não havendo separação, não existe julgamento.  Não existirão a bondade como contraste com a justiça ou a justiça como oposta à bondade.


Quando aparece a inteligência,
Surge a grande hipocrisia.

Quando o homem perde a sua Consciência Pura, ele passa a ter uma consciência inteligente, no sentido pejorativo da palavra.  Uma inteligência de esperteza, de engenhosidade e, conseqüentemente, de malícia.  O que então acontece?  Surge a grande hipocrisia.

Uma pessoa violenta e menos inteligente agirá em relação às outras pessoas de maneira rústica e primitiva.  Uma outra pessoa também violenta porém extremamente inteligente, agirá com violência porém de uma maneira mais caprichosa, mais engenhosa, bem mais aprimorada.

Por isso, Ele diz:

Quando aparece a inteligência, Surge a grande hipocrisia


As pessoas se tornam mais hipócritas, mais afiadas.  Uma pessoa inteligente saberá como camuflar sua maldade, prejudicando as pessoas mas aparecendo como  vítima.  Uma pessoa menos inteligente não sabe fazer isso.

Portanto, a pessoa menos inteligente tem uma potencialidade enquanto a pessoa mais inteligente, tem uma potencialidade muito maior.


Quando os seis parentes não estão em paz


Os seis parentes são: o marido e a esposa, os pais e os filhos, os irmãos e as irmãs.  Os seis parentes são as relações de cima, de baixo e dos lados.  Os irmãos estão no mesmo nível - relação lateral.  Os pais estão em cima e os filhos estão embaixo.  A relação dos seis parentes significa que nós nos relacionamos com nossos pais, nossos filhos e com nossos irmãos.  No nível dos pais, incluem os tios e os avós.  No nível dos filhos estão incluídos os netos.  No nível dos irmãos incluem os primos e os sobrinhos.  Os caminhos são para cima, para baixo e para todos os lados.


Quando os seis parentes não estão em paz,
Surgem o amor filial e o amor paternal.


Quando surge a desarmonia, aparecem os discursos e as doutrinas sobre o amor filial e o amor paternal.  Esses tipos de amor deveriam ser naturais e não entendidos através das doutrinas.  Quando aparecem as doutrinas é porque a família já não mais consegue viver naturalmente seu instinto de amor.  Daí, surgem, portanto, o amor filial e o amor paternal.

Quando o filho é conhecido por cuidar e proteger seus pais, é reconhecido como tendo amor filial.  Quando o pai cuida e protege seus filhos, é reconhecido como tendo amor paternal.  Enquanto se comenta sobre esses assuntos, é porque o amor natural não acontece.  Numa sociedade onde tudo aconteça de uma maneira perfeita, em relação ao amor familiar, não existirão quaisquer comentários porque simplesmente tudo seria tão natural e tão óbvio que não caberia nada a ser dito.  Só se homenageiam o bom pai e o bom filho se a grande maioria da sociedade não estiver seguindo o caminho da normalidade e da naturalidade.  Aí então, surgiria o conceito de amor filial e de amor paternal.

O Taoísmo indica o seguimento do Grande Caminho.  Se o caminho da melhor qualidade não puder se seguido, deve-se ir remendando o antigo caminho até que se possa tomar o caminho correto.

Diferente do Confuncionismo que diz que não se  deve optar pelo melhor e mais grandioso, que diz que se deve contentar com aquilo que é pequeno e pobre.

O Taoísmo permite que sonhemos com o nosso ideal.  O Confuncionismo diz que não vale a pena sonharmos com o nosso ideal, que devemos nos contentar com o que nos convém e o que nos é possível.

Dessa maneira, o Confuncionismo doutrina sobre como o filho deve se portar em relação aos pais, c como os pais devem educar seus filhos, como o governador deve se relacionar com o imperador.  O Confuncionismo fala tudo isso para que a sociedade seja bem educada já que as pessoas perderam a naturalidade e, artificialmente, devem aprender a forma correta de conduta.

Quando Lao Tse aponta que é preciso aprender o amor filial e o amor paternal significa que as pessoas não sabem mais fazer isso.



Quando há desordem e confusão no reino,
Surge o patriota.


Se todos forem patriotas, ninguém será chamado de patriota porque todos serão patriotas.  O patriota ama seu país e age com o senso de cidadania.  Se todos os cidadãos são patriotas, não se vai perceber o conceito de ‘patriota’. 

Do mesmo modo que se todos se amam, não existirão os conceitos de amor fraternal, de amor paternal, de amor filial...  Nesse caso, as pessoas conseguiriam conservar um raciocínio simples, uma consciência límpida e natural, não existiriam a hipocrisia nem a falsidade e a engenhosidade. 

Se todas as pessoas estivessem no caminho do equilíbrio, não haveria a discussão entre a bondade e a justiça.  Não haveria a separação.

Nessa primeira análise do Texto, Lao Tse nos fala da importância de conservamo-nos no Grande Caminho.


O Grande Caminho é o  Caminho do Caos Primordial, o Caminho do Tai Chi e o Caminho do Wu Chi.

O que é o Caminho do Tai Chi?  É o caminho da integração com todas as coisas.

O que é o Caminho do Wu Chi?  É a transcendência da forma e da linguagem.  É a Consciência límpida e transparente convivendo integradamente com todas as coisas.  É o caos primordial.  Uma vez conscientes disso, surgem o Yin e o Yang e surgem também os cinco movimentos, as diferentes energias começam a acontecer.


Na teoria dos cinco elementos, teremos essas energias divididas da seguinte maneira:

Madeira          Metal             Fogo             Água
Todos esses elementos encontram-se no centro, com o elemento Terra.

A Madeira - primavera - manhã
O Fogo - verão - meio-dia
O Metal - por do sol - outono
A Água - inverno - noite

Estes representam as quatro partes da natureza, quatro partes da vida: nascimento - auge da vida - envelhecimento - morte.

A virtude da Madeira é a Bondade
A virtude do Metal é a Justiça
A virtude do Fogo é a Polidez
A virtude da Água é a Sabedoria

No conceito da Bondade em oposição à Justiça, se virmos a Água e o Fogo girando em torno da Bondade - Madeira - manhã representando o nascimento; e a Justiça - Metal - por do sol representando a morte....., a Água seria o algo após a morte e o Fogo a ausência da vida anterior ao nascimento.  A vida é a vitalidade que vai ficando cada vez mais exuberante e a morte é a vitalidade que vai declinando.


Por isso, a linguagem simbólica diz:

Quando se perde o Grande Caminho,
Surgem a bondade e a justiça.


Quando se perde o caos primordial, quando se perdem a Consciência Pura e a Vida Infinita, quando o ser humano perde esse estado, o que surge?  Surgem a morte e a vida.  Na vida e na morte existem vantagens e desvantagens - a vantagem é o nascimento e a desvantagem é a morte.  Quando algo está em seu processo de declínio, isso é desvantagem; quando algo está crescendo, isso é nascimento, isso é vida, isso é vantagem.

Quando existem os conceitos de vantagem e de desvantagem, é porque passam a existir o julgamento e a intenção.  Queremos as vantagens e queremos evitar as desvantagens, porém tudo isso é um processo inevitável.  Tudo o que nasce, morre; tudo o que cresce, reduz.  Surgem, então, o apego e o temor.

Apego à vida e temor à morte: nós perdemos o equilíbrio.

Na linguagem simbólica, o Grande Caminho é o caminho sem divisão, onde tudo está unido, onde a Consciência é única, onde a Consciência é Infinita e a Vida é Única.  Se a Vida é Única, nós temos que ter a morte. 

A Consciência Infinita traz a não-limitação.  Isso é o Grande Caminho e quando ele é perdido, surgem as vantagens e as desvantagens, o positivo e o negativo, o que se gosta e o que não se gosta, e nossa cabeça passa a ser um jogo de manobras e de lutas interiores.  Essas manobras mentais envolvem questões como vantagens e desvantagens, lucros e prejuízos, o que é bom e o que é ruim, o que é justiça e o que é bondade.

Quando tudo isso surge, cria-se um estímulo em nosso interior para que passemos a ser mais inteligentes, mais engenhosos, mais premeditados, agindo sempre considerando todos os lados.

O que estamos, então, perdendo?

Perdemos a naturalidade.

Quando é para rir, não mais rimos e quando é para chorar, não nos permitimos chorar.  Perdemos a naturalidade.

Existem aquelas pessoas que fazem truques para rir e chorar no momento certo porque assim lhes será conveniente, conquistando a compaixão ou a simpatia do próximo.  São pessoas inteligentes que sabem fazer as coisas certas nos lugares e momentos certos, trazendo julgamento em cima de julgamento, perdendo a pureza interior, perdendo a Consciência Interior Pura.

Isso acontece a todos nós: nós todos temos um pouco disso.  Isso faz com que nos tornemos cada vez mais falsos, mais engenhosos, mais hipócritas.

Uma pessoa reconhecidamente hipócrita é aquela que dentro de uma média geral das pessoas, é a mais hipócrita, a mais engenhosa e, conseqüentemente, a que leva mais vantagem sobre todos.  As outras pessoas que não podem tirar suas próprias vantagens - com ciúme e com inveja - chamarão aquele indivíduo de ‘hipócrita’.

Mestre Maa fala inúmeras vezes que a inteligência é a utilização de uma mente calculista e comparativa, de um coração calculista e comparativo, trabalhando com a esperteza e a engenhosidade.  Isso também acontece em níveis diferentes: alguns são mais ingênuos e outros são mais perversos, difíceis de serem controlados, como se tivessem um vício.  O que Mestre Maa nos diz é que tudo isso significa a perda da verdade e da constância interiores.

Normalmente, não possuímos a devoção da mente, a constância da mente; não temos consciência mental nem emocional nem física e não vivemos a verdade.  Tudo aquilo que pensamos que é verdadeiro um dia percebemos que não é tão verdadeiro assim.  Vivemos uma verdade e um dia, descobriremos que não é uma verdade.  Isso porque não vivemos a verdade interior e a consciência interior.

Dessa maneira,  Mestre Maa nos diz que o taoísta não deve brincar ou se divertir com seus poderes extra-sensoriais, com sua força, sua criação e sua inteligência interiores e não deve pronunciar, discutir ou discursar indevidamente sobre a boa ou a má fortuna das pessoas.

Através da prática mística - a experiência  mística é a meditação - chega uma hora em que surge uma força interior dentro da pessoa que ela passa a ter o recurso ‘sobrenatural’ ou ‘extra-sensorial’.  Isso é um fruto inevitável da prática espiritual que é realizada com disciplina.  Quando isso acontece, a pessoa se torna mais capaz, o que chamamos de ‘inteligência interior’.

Quando isso acontece, as pessoas comuns começam a demonstrar seus poderes e fazem seus ‘shows’.  Nesses casos, é necessário jogar essa energia novamente para dentro de si para que ela seja transmutada.  Isso é o que a Alquimia chama de Matéria Viva.: uma energia necessária em estado genuíno para formar o verdadeiro caráter interior da pessoa e não é para ser usada indevidamente.

Já foi falado em outra ocasião que não se encontram mestres taoístas que agem como   showmen.  Os grandes mestres taoístas são muito simples.  Existem sim, taoístas que fazem shows mas são pessoas que ainda não alcançaram esse controle interior.

Sabemos, no entanto, que todos os mestres taoístas tradicionalmente vêm da linhagem de Lao Tse e portanto, seus trabalhos e seus comportamentos não podem estar muito diferentes ou distanciados daquilo que está escrito no Tao Te Ching.



Continuando a leitura através do segundo nível do texto:

Os Seis Parentes, na linguagem  simbólica, significam a consciência na Visão, na Audição, no Olfato, no Paladar, no Tato e na Intenção. São seis elementos.

Quando os seis parentes não estão em paz,
Ou seja, aquilo que ouvimos, que vemos, que  cheiramos, que sentimos no paladar, que sentimos no tato, que pensamos e que temos a intenção de fazer - busca-se, então, uma ordem para disciplinar a estrutura interior.


Por isso, Ele diz:
Surgem o amor filial e o amor paternal.

Procura-se colocar uma liderança, uma relação de disciplina interior.

O amor da relação entre pais e filhos, simbolicamente, significa a boa integração entre o comando e o comandado para se ter o domínio do cheiro que se quer sentir, da visão, do paladar, da sensação e da intenção.

Visão, paladar, olfato e audição são mais fáceis de serem dominados.  A sensação (tato) física também dá para dominar em relação aos outros.  Mais difícil é criar dentro de si o domínio interior.

O sensorial abrange os cinco primeiros parentes.  A Intenção já é de domínio do psíquico.  É preciso saber tentar controlar, não no sentido da repressão mas sim do esvaziamento e a melhor maneira de esvaziar é distrair e não reprimir.

Tudo isso tem que ser tratado de uma maneira dinâmica e não de  uma maneira rígida.

Quando uma coisa é absolutamente incontrolável e intensivamente repetida, é uma ‘obsessão’ e precisa ser tratada.

Aquilo que não se tem consciência é mais inocente.

Entretanto, o Taoísmo trabalha com a consciência todo o tempo, e assim, inevitavelmente, um dia essa consciência tem que surgir.

Se tivermos uma consciência de que um dia transmutaremos, o lado mais sutil das coisas irá aparecer.  Se transmutarmos mais ainda, coisas ainda mais sutis aparecerão.  ............ Até não se conseguir mais realmente nada, porque então se terá atingido o Vazio.


Em uma de suas aulas, foi perguntado ao Mestre Maa se os mestres iluminados não pensam, não têm intenção de fazer as coisas? A resposta é que a intenção deles nasce da naturalidade, os pensamentos deles nascem da naturalidade; através de um processo meditativo de auto-realização, eles chegam ao não-pensamento.  Através do não-pensamento, são pensamentos de Retidão.  Todos os pensamentos que nascem do não-pensamento são pensamentos de Retidão, são pensamentos equilibrados, são pensamentos naturais. 

Estes pensamentos não podem ser nocivos e por essa causa os mestres têm a intenção de ensinar, de passar conhecimentos, têm a intenção de fazer coisas para ajudarem as pessoas.  Tudo isso nasce do interior e não é hipocrisia, como diz o texto.  Se tudo isso realmente nasce de uma consciência verdadeira que nos leva a ajudar as pessoas, isso é uma Intenção.

Outra pessoa que não foi doutrinada e que dentro de si nasce espontaneamente o desejo de ajudar os outros, isso é uma Intenção.


A diferença é que existe a intenção sem intenção e a intenção que tem intenção.  Essa é uma diferença fundamental.

No Taoísmo, é  preciso saber diferenciar o não-julgamento do não-discernimento.

Quem tem discernimento sabe o que deve ou não deve fazer.

Quem tem julgamento também sabe o que deve ou não deve fazer.

Apenas que o discernimento é também julgamento, um julgamento que nasce a partir de uma consciência natural das coisas.

E o julgamento,  vulgarmente falado, não é o julgamento de discernimento e de consciência.  é uma opção ou um conceito que não necessariamente é uma consciência.  No julgamento, diz-se que o que é bom e o que não é bom, mas não se sente nem se vive naturalmente e, portanto, este julgamento não é o resultado de uma consciência verdadeira.


Como então se equilibra isso?

Enquanto não tivermos a Consciência Iluminada, temos que fazer muitas práticas de meditação.  A meditação é um instrumento para nós conseguirmos esse equilíbrio, essa Consciência Iluminada.  A prática da meditação diária é o caminho para se alcançar o equilíbrio interior.

E, enquanto não tivermos essa consciência despertada interiormente através de uma prática mística, temos que fazer o que entendemos de melhor possível.  Mesmo que isso ainda signifique o conceito e não a consciência verdadeira.

Se pudermos fazer o bem com consciência, alcançaremos o ideal.  Enquanto não atingirmos essa consciência, devemos tentar fazer o bem a partir do conceito.  Quando não existe a consciência, pelo menos a existência do conceito já é um bom passo.

Enquanto se pratica o conceito de uma maneira boa, vai-se trabalhando a consciência para que um dia não precisemos mais do conceito e possamos usar diretamente a consciência.

Quando alguém está doente e não pode usar suas pernas, deve fazer uso das muletas ao mesmo tempo em que faz terapia.  Quando as pernas se curam, as muletas são abandonadas porque não têm mais serventia.

Dessa maneira, quando ainda não se atingiu a consciência, deve-se apoiar no bom uso do conceito.


Quando há desordem e confusão no reino,
Surge o patriota.


O  reino é o nosso corpo.  Nossa consciência comanda nosso  reino, nosso corpo que  é o território de milhões e milhões de células.  Quando nosso corpo, nosso reino, estão em desordem e confusão, o que é necessário? Um salvador da pátria.  É preciso um patriota para nos centrar e disciplinar e nos fazer restaurar nosso equilíbrio.

Por isso, na prática espiritual temos que trabalhar a centralização da consciência.


Mestre Maa nos diz que temos seis sentidos, ou seja, seis parentes: visão, audição, olfato, paladar, tato e intenção.  Se um desses sentidos estiver disciplinado, esse único sentido se torna o ‘patriota’ que será seguido, que servirá de exemplo para os demais e se tornará o comandante.



A prática da meditação pode ser feita através dos seis sentidos.  Todas as práticas de meditação trabalham com um dos sentidos como caminho.

Existem práticas de meditação que usam a visão, concentrando apenas no olhar sobre uma mandala.  Quando a visão atinge o ponto indivisível que é integrado ao arquétipo - uma mandala ou um símbolo -, nessa hora, todos os centros da consciência se unem.  Portanto, nesse momento, a visão seria a locomotiva que puxaria todos os outros sentidos para dentro de uma unidade.  Esse é o uso da visão como meio de meditação.

Também existe a meditação que usa a audição:senta-se e passa-se a ouvir o som dos mantras que a própria pessoa está recitando.  A concentração auditiva sobre o mantra se intensifica e quando se consegue ouvir apenas o mantra e mais nada, a consciência auditiva se torna una e passa a ser a locomotiva que puxará os outros sentidos para se aglutinarem ao mantra.  Então, a própria audição se transforma.

Existem práticas que usam o olfato.  Não propriamente o olfato e sim a respiração, o ar.  Quando se coloca a consciência no ar que se respira, o olfato fica mais apurado, inevitavelmente.  Essa é a nossa meditação.  Nós colocamos a atenção no ar que respiramos, trabalhando com o aparelho respiratório.

As práticas que usam o paladar - ou a própria boca - sãs as dos cantos e mantras.

Existem práticas que usam os sentidos na canalização de energias.  Sente-se o corpo expandir e vibrar ou se trabalha com mudras, com posturas corporais, centros de forças através das posturas físicas.  Isso também gera a concentração da atenção em um só ponto.

Existem as práticas que trabalham com a Intenção - como acontece no Budismo do sul - quando os praticantes ficam sentados em estado passivo, contemplando tudo. São os que trabalham com a intenção, trabalham com o julgamento interior: ouviu um barulho e constatou: um barulho; viu uma formiga e pensou: uma formiga; sentiu o vento e ‘sentiu o vento’.  Quando a consciência atinge a plena atenção, ela também ficou disciplinada.

O Zen Budista se senta para meditar e fica repetitivamente repetindo ‘quem sou eu’, quem sou eu, quem sou eu... está trabalhando com a intenção.  Através da repetição, o praticante entra numa centralização da mente.


Portanto, tecnicamente, a maioria das meditações trabalha com um dos seis sentidos, como um instrumento.  Quando se disciplina um desses instrumentos, um dos sentidos, todos os outros cinco sentidos ficarão conseqüentemente disciplinados.  Então se recupera a unidade dos sentidos e a consciência entra no Vazio.  Aí se recupera o Grande Caminho, recupera-se o Tao.

Este é o nível das práticas espirituais.

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 foto: Sítio das Estrelas, Janine

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 18
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 11 de outubro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward


A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching