TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 34
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro,
em 14 de março de 1995
Capítulo 34
O Grande
Caminho é vasto
Pode ser
encontrado na esquerda e na direita
Os dez mil
seres dEle dependem para viver
E Ele não os
rechaça
Conclui a
obra sem mostrar a Sua existência
É o manto que
cobre os dez mil seres, sem agir como senhor,
Podendo ser
chamado de pequeno
Os dez mil
seres voltam para Ele, sem que aja como senhor,
Podendo ser
chamado de grande.
Assim, o
Homem Sagrado nunca age como grande
Por isso pode
atingir sua grandeza.
Esse Capítulo fala do Grande e do
Pequeno. Da ambição e da simplicidade.
Sobre esse assunto, quem fala é outro
grande pensador, Chuang Tzu. Em seus
inúmeros contos, ele fala da incompreensão do pequeno perante o grande e da
incompatibilidade do grande perante o pequeno.
Uma das histórias de Chuang Tzu fala de
uma tartaruga que vive em um gigantesco oceano.
Um dia, a tartaruga saiu do mar para se tornar peregrina na terra. Encontrou um poço d’água e dentro dele viu um
sapo, alegre e dançante, pererecando.
A tartaruga perguntou quem ele era e o
sapo respondeu:
“Eu sou o sapo feliz, que pula dali para lá, de lá para cá; fico o tempo
todo olhando para o céu redondo. Quando
sinto fome, como, quando me canso, não faço nada: meu mundo é maravilhoso! E quem é você? De onde vem?”
“Eu sou a tartaruga e venho do oceano.”
“E como é o oceano?” - perguntou o
sapo, curioso.
“O oceano é sempre o mesmo, não diminui
nem aumenta e contém em si toda a vida.”
O sapo não gostou do que ouvir e
retrucou:
“Isso é uma grande mentira, não pode
existir um lugar assim” - e não quis mais conversa com a tartaruga.
...............................
Nesse conto, Chuang Tzu fala da
incompreensão e da incompatibilidade das coisas e seres. Ele não chega a falar na moral da
história. Ele simplesmente termina a
história.
Esse simples término vem gerando
grandes polêmicas entre seus leitores e estudiosos. Alguns defendem a tartaruga e outros defendem
o sapo.
Estes últimos argumentam: “De que vale o grande? O grande é tão grande que é incapaz de se
submeter a um poço. A vida pode ser
simples e feliz, como a que vive o sapo, sem sofrimentos nem frustrações”.
Os primeiros, aqueles que defendem a
tartaruga, dizem: “É impossível para o
sapo compreender a grandiosidade do universo, como o oceano. Para se compreender a grandiosidade, é
preciso ser grande”.
Por outro lado, aparentemente, Chuang
Tzu defende ambos os lados porque expõe os fatos sem colocar a “moral” da
história, no final. Através da colocação
paradoxal, ele nos leva a uma compreensão que está além da discussão do grande
e do pequeno.
Porque....Sob o ponto de vista do grande, o grande está correto.
E sob o ponto de vista do pequeno, o pequeno está correto.
Na realidade, para a tartaruga, não
existe a questão do certo ou do errado.
Assim como para o sapo.
Se estivermos nos deparando com essas
duas realidades - uma é tão real quanto a outra -, nesse momento não podemos
julgar. E, através desse não-julgamento,
nós entramos numa terceira dimensão onde simplesmente se compreende que não se
pode nem decifrar nem interpretar essas duas realidades. Portanto, devemos ir além da questão do
grande e do pequeno.
E é a isso que Lao Tse chama de O
Grande; portanto, é minúsculo.
Para entrar nessa viagem, é preciso que
compreendamos além da palavra e além do puro racionalismo.
Quando a compreensão vai além do grande
e do pequeno, essa compreensão é grande.
Essa compreensão alcança algo que pode ser chamado de grande. Portanto, esse algo grande, é minúsculo, não
é grande, não tem volume.
Lao Tse nos fala da força de vontade;
e, sobretudo, da grande visão que é, ao mesmo tempo, grande e minúscula.
O Grande
Caminho é vasto
Pode ser
encontrado na esquerda e na direita
O Grande Caminho é o termo antítese
para o Pequeno Caminho.
O Grande Caminho é um caminho vasto,
amplo, aberto. O pequeno caminho é um
caminho estreito, mais específico.
Na China, é comum que as expressões de
arte e de literatura sejam consideradas caminhos chamados de pequenos caminhos.
O Grande Caminho é um caminho que
transcende uma expressão ou outra expressão.
É um caminho que não se limita a uma expressão específica. Não é através da arte, da literatura, da
música, ou do que for. Por isso, Ele é
vasto. É um Caminho puro, que não tem
uma forma definida. Esse algo que não
tem forma definida é como se fosse o Vazio.
E nEle cabem todos os pequenos caminhos.
Na realidade, todos os pequenos
caminhos de desenvolvimento e de realização espiritual - através da Poesia, dos
escritos, da música, da meditação, do pensamento, da filosofia, não importa
qual - todos os pequenos caminhos estão abraçados e dentro do Grande Caminho,
como um Grande Vazio, um grande espaço.
Por isso, Ele diz:
O Grande
Caminho é vasto
Entretanto, nEle cabem todos os pequenos caminhos:
Pode ser
encontrado na esquerda e na direita
Se a música for o caminho da esquerda e
a arte, o da direita - digamos -, então o Grande Caminho pode ser encontrado
através da música ou da arte.
Aí está a sutileza do pensamento de Lao
Tse. Se a arte é uma arte do pequeno
caminho, e é arte que serve como caminho para o Grande Caminho, então ela deixa
de ser Arte do pequeno caminho para se tornar arte do Grande Caminho.
Se a música é apenas música do pequeno
caminho da realização da própria música - é apenas música do pequeno caminho. Quando a música é apenas música e é um
veículo que realiza o Grande Caminho, então a música é o Grande Caminho.
Lao Tse diz que todos os caminhos,
todas as formas de realização espiritual, são pequenos caminhos. E seguindo o
pequeno caminho, usando uma ou outra forma, compreendendo a forma apenas dentro
da compreensão do pequeno caminho, tudo resta como pequeno caminho.
Quando a compreensão não se limita pela
forma, passa a trilhar o Grande Caminho.
Ao usarmos a linguagem e sermos
limitados por ela, esse caminho passa a ser o pequeno caminho.
Grande é a intenção, o espírito da
coisa.
Se tivermos um violino e o tocamos e
nossa expressão artística está limitada ao conceito do violino, à teoria do
violino, estaremos seguindo o caminho do violino, ou o pequeno caminho.
A partir do momento em que o violino é
apenas um violino mas nossa caminhada rompe a barreira do instrumento e o
instrumento nos serve para que sigamos nosso caminho, então esse é o Grande
Caminho - porque o violino não será o bastante por si e para si e sim como
instrumento de realização de um caminho.
Por isso, Ele diz:
O Grande
Caminho é vasto
Pode ser
encontrado na esquerda e na direita
Podemos também entender que o lado
esquerdo é o intuitivo e o direito, o racional. Na verdade, ao seguirmos o Grande Caminho, a
linguagem, o estudo, tudo pode ser mais racional ou mais intuitivo, porém se
estivermos além da linguagem e apenas utilizando a linguagem, estaremos sempre
trilhando o Grande Caminho.
É com essa analogia de compreensão que
os mestres taoístas dizem: “Saber
utilizar as coisas do mundo - sem ser utilizados por elas - assim agindo
podemos entrar e sair do mundo sem nos mancharmos”.
Dessa maneira, tudo o que existe são
ferramentas para o nosso trabalho. Todas
as linguagens são instrumentos do Tao. E
o Tao não pode ser limitado pelo instrumento.
No caminho espiritual, todas as técnicas são ferramentas, portanto, não
podemos ser limitados pelas ferramentas.
É preciso que saibamos usar as ferramentas no momento apropriado, de uma
maneira apropriada, na situação apropriada.
Os dez mil
seres dEle dependem para viver
E Ele não os
rechaça
Essa frase é muito importante e pode
ser entendida de duas maneiras:
Primeiramente, Ele diz que o Grande
Caminho é vasto e nEle cabem todos os seres e Ele não repudia ninguém.
Lao Tse fala do Tao como algo que
abraça todos os seres, porque simplesmente, tudo está dentro do Tao e todas as
coisas são partes do Tao, são manifestações do Tao. Portanto, o Absoluto não tem como renunciar à
sua própria manifestação que inclui a nós e a todos os seres e a todas as
coisas do universo.
Por isso, Ele diz:
Os dez mil
seres dEle dependem para viver
Se não tivermos esse Grande Caminho que
nos abraça, se não tivermos esse Vazio que nos permite existir dentro dEle,
então, não temos como viver.
Numa linguagem mais simples, levando
para um lado mais psicológico, se não tivermos um Grande Caminho fóra de nós,
que nos permita caminhar, que nos envolve e nos permite viver, naturalmente
estaremos sufocados.
Na vida cotidiana, precisamos abrir
espaço, permitir a existência do espaço em nossa vida, metaforicamente falando.
O espaço não é o outro que nos concede,
é nos que nos permitimos em tê-lo.
Mestre Maa nos diz que nas práticas
místicas taoístas, em níveis mais elevados, os grandes mestres ascensionados
conseguem completar sua transmutação fisicamente, espiritualmente,
energeticamente. Os maiores mestres
ascensionados são aqueles que ascensionam sem deixar quaisquer resíduos na
Terra.
Na linguagem simbólica, a consciência
que governa a nossa vida é o rei, nosso corpo é o reino e as células são as
pessoas, o povo. Todos nós temos uma
consciência que comanda todas as células, órgãos, ossos, músculos e tudo forma
um grande reino com o Estado, os ministros, o povo e seu governante supremo,
que é a consciência, o espírito.
Esse espírito que se transforma e que
se unifica ao Grande Caminho, naturalmente não rechaça nem exclui seu povo e
seu território. Continua transmutando a
si próprio, junto com seu território, com seu povo.
A Iluminação se dá no Espírito, na
Energia, no corpo físico que transmuta.
Essa transmutação é tão completa que,
no momento da ascensão, no momento em que se alcança o estado esplendoroso de
ser, o espírito não deixa o corpo físico morto na Terra - não deixa resíduos.
Por isso, Ele diz:
Os dez mil
seres dEle dependem para viver
Nosso corpo todo depende da consciência
para viver. Se a Consciência é o próprio
Tao, então o Tao não irá renunciar a nenhuma parte do nosso ser e transmutará
tudo e levará tudo numa grandiosa ascensão.
Tudo no universo tem o sentido do Tao,
que é o sentido da imortalidade, portanto, nada no universo está excluído.
O Tao não exclui o homem mas o homem
pode se excluir do Tao (achando que isto não pode ser viável). Mesmo o homem que se considera desligado do Absoluto, do Sagrado, ainda está
dentro do Absoluto - mesmo que não saiba disso..... ; mesmo que este homem não consiga sentir isso e não viva como se
estivesse - apesar de estar.
Lao Tse nos diz que, se não estamos
limitados pelo corpo, não precisamos jogá-lo fora e sim precisamos transmutá-lo
a ponto de ascensão junto com o espírito.
Conclui a
obra sem mostrar a Sua existência
Inúmeras vezes, o Taoísmo diz que o
Homem Sagrado conclui sua obra sem mostrar-se, sem aparecer.
O que é Homem Sagrado?
O Homem Sagrado é aquele que vive na
condição do Grande Caminho, é o ser que busca o Grande Caminho, é o ser que se
realiza através do Grande Caminho... e, finalmente, Ele se torna o próprio
Caminho.
Ao se tornar o próprio Caminho, Ele
pode exercer seus trabalhos e suas atividades, com a mesma qualidade do Grande
Caminho. Por isso, Ele é o Homem
Sagrado, Aquele que alcançou sua Sagração.
O que é a Sagração?
Sagração é se tornar o próprio Caminho.
“O Grande Caminho conclui a obra” - a
obra da vida, o nascimento, a criação, a transformação de todas as coisas.
Conclui a
obra sem mostrar a Sua existência
O Grande Caminho não pode ser
visto. A natureza, a primavera, o verão,
o outono, o inverno, as dez mil coisas que nascem e se transformam, toda a
beleza e harmonia que existe no universo, a ordem, o tempo, o espaço..., tudo
está em perfeita sintonia... mas nada se vê.... porque o Grande Caminho abraço
tudo, realiza tudo e não demonstra sua presença.
É o manto que
cobre os dez mil seres, sem agir como senhor
O Grande Caminho dá assistência sem ser
paternal. O Tao permite a vida nEle
existir e faz com que todos os seres sejam protegidos mas Ele não se torna o
senhor do seres. Ele não é dono do
mundo, não é dono do universo. Ele
apenas cobre o universo, como um manto, simplesmente.
Da mesma maneira, o taoísta que busca a
realização através do Tao, tenta se inspirar nisso, aprendendo a fazer na vida
o oferecimento do manto a quem precisar, sem agir como senhor, nem como senhor
do manto.
Podendo ser
chamado de pequeno - significando o agir com simplicidade e com humildade.
Os dez mil
seres voltam para Ele, sem que aja como senhor,
Podendo ser
chamado de grande.
O Tao, ao mesmo tempo em que protege todos
os seres sem se apossar deles, é humilde e simples como algo minúsculo. E por ser tão minúsculo e simples e nada
possuir..., todos os seres, no entanto, dEle dependem e estão voltados para
Ele: o Tao é grande.
No início deste Capítulo, Lao Tse fala
da grandiosidade do Tao e diz que Ele é minúsculo. Ele fala dessa aparente contradição entre o
grande e o pequeno.
O verdadeiro Grande transcende a
questão do grande e do pequeno.
Portanto, o Tao é pequeno e é grande, ao mesmo tempo. nEle não há tamanho, nEle não há forma, nEle
não há linguagem que o possa descrever.
NEle não há um caminho que possa ser identificado especificamente com
Ele. Assim, todos os caminhos estão entro dEle, todas as linguagens estão dentro
dEle, todas as formas estão dentro dEle.
O homem que está de acordo com o Tao,
pode atuar em todas as linguagens e em todas as formas ou em qualquer uma das
linguagens ou em qualquer uma das formas, sem ser prisioneiro da linguagem ou
da forma.
Essa é a idealização, a visão que Lao
Tse tem para nos mostrar sobre a vivência através do Grande Caminho.
O Taoísmo nos ensina a viver a vida com
magnitude, com uma visão ampla, com um sentimento grandioso; portanto, nos
ensina a viver de uma maneira muito simples, natural e humilde. Nos ensina a viver de forma pequena e
não-grande.... para assim não sermos prisioneiros nem do grande nem do pequeno.
Assim, o
Homem Sagrado nunca age como grande (grande como antítese do pequeno)
Por isso pode
atingir sua grandeza.
Não nos esqueçamos que o Grande está no
Wu Chi (o céu anterior) e não no Tai Chi (o céu posterior) do Yin e do Yang.
...............
foto: Sítio das Estrelas, Janine
TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 34
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de
Janeiro, em 14 de março de 1995
Transcrição e
Síntese de Janine Milward
A tradução
dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para
o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora
Ursa Maior,
sendo
hoje publicada pela Editora Mauad, São
Paulo, Brasil
Nesta mesma
Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização
da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao
Tse, o Tao Te Ching