E a existência nasce da não-existência



TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 40
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 25 de abril de 1995

Transcrição e Síntese de Janine Milward



Capítulo 40

O retorno é o movimento do Caminho
A suavidade é a atuação do Caminho
Os seres sob o céu nascem da existência
E a existência nasce da não-existência





Este Capítulo é muito conhecido devido à sua primeira frase:

O retorno é o movimento do Caminho


Existe um Capítulo do Tao Te Ching que diz assim:

O Tao gera o Um
O Um gera o Dois
O Dois gera o Três
E o Três gera os dez mil seres

Quer dizer, do Três criam-se todas as coisas.


Se o Um cria o Dois, se o Dois cria o Três, e se o Três cria todas as coisas, então o Tao é o Zero.
O Zero é a não-existência.  E a existência é a existência de todas as coisas, como Unidade, como algo indivisível, inseparável - que é o Um.

Existência é o Um.
Não-existência é o Zero

O Um é o que o I Ching chama de Tai Chi.
O Zero, é o Wu Chi.

A existência é o  Vazio, a Abrangência.

A existência é - num exemplo -, como se fosse uma representação teatral que tem seu começo, seu durante e seu fim.

Porém, o espaço, o Vazio, que dispõe o Teatro para que possa haver cenário, palco, espetáculo, trama, atores - isso é a não-existência.

Essa não-existência é o Vazio que permite a forma existir.  É o silêncio do teatro que permite a voz e o som dos atores serem ouvidos.


Igualmente, em nossa vida, se tivermos um espaço em nosso coração, podemos abrigar as expressões da vida.  Se existir um silêncio em nossa mente, podemos ouvir e expressar a sabedoria da vida.

Por isso, no Taoísmo, nós enfatizamos como maior prioridade, o trabalho da meditação.


O que é o trabalho da meditação?

É o trabalho do silêncio, o trabalho do Vazio.  Fechamos os olhos, trazemos a consciência para o interior, tentamos reduzir os pensamentos e diálogos interiores para podermos ter o silêncio dentro de nós.

Quanto maior silêncio temos, maior percepção desenvolvemos.  Quando estamos no silêncio, podemos observar e perceber muitos mais sons e vozes.  Analogicamente, isto significa que quanto maior quietude interior temos, maior capacidade de observar, pensar e de discernir as coisas teremos.

O silêncio interior é essencial.

Quando temos muito barulho interior, temos menos capacidade de discernir o que deve ser feito, o que é correto, o que é oportuno, o que é inoportuno.  E devido ao  tumulto interior acabamos tomando decisões erradas e entramos em atividades no momento inadequado.  Por isso, o silêncio é prioritário.


É a não-existência que permite a existência.


“O retorno é o movimento do Caminho”

O “retorno” é uma palavra que pode conter três significados;

-          em seu sentido bem linear: voltar para trás
-          movimento através do círculo.  O movimento é feito de retorno - porque estamos sempre voltando ao mesmo ponto.  E estamos sempre voltando ao mesmo ponto de todos os pontos desse círculo.  Assim, a palavra ‘retorno’ tem o sentido de movimento circular.
-          Movimento cíclico.  Depois da primavera, vêm o verão, o outono, o inverno e este último dá lugar à primavera, novamente.


Em seu primeiro sentido, o de voltar ao princípio, é como a palavra ‘reliquio’, ou  religião, voltar à origem, buscar a raízes e a essência primordial de todas as coisas. Isso é religião.

Não devemos, entretanto, confundir religião com igreja.  Igreja é a comunidade de pessoas que estão buscando esse retorno.  E cada religião obviamente interpreta esse ‘retorno’ de uma maneira ou de outra.  Por isso, existem diversos tipos de retorno, diversos caminhos para o retorno.

Podemos assim conhecer o retorno em seu sentido linear de ‘voltar ao princípio’, encontrar a origem das coisas.


Retorno também significa movimento em círculo.


E, finalmente, significa movimento em ciclos, em períodos cíclicos.


Sem dúvida, a primavera de um ano não é a primavera do ano anterior e não será a primavera do ano a seguir.

Assim, nunca se volta ao mesmo ponto.  Volta-se sim, à mesma natureza.

Dessa maneira, o ciclo acontece dentro do linear movimento da infinitude.


No Taoísmo, o conceito do tempo é infinito.  O passado não tem princípio.  O futuro não tem fim.  Não existe início dos tempos nem existe o fim dos tempos.

O tempo é um fio infinito.

E nessa infinitude, os ciclos se repetem.  Apenas que a primavera nunca é a mesma, mas tem sempre a mesma natureza.


Se conseguirmos saltar fóra desse fio de infinitude, veremos que - já que o fio é infinito, o tempo não existe para ele.  O tempo existe no fio, mas não existe a partir do momento que não existem nem início nem fim.  Todos os tempos na verdade estarão espalhados e estarão num mesmo tempo.

Essa é a compreensão da infinitude, segundo o Taoísmo.  Esse conceito é essencial dentro da teologia taoísta.  Ele difere essencialmente do conceito de outras religiões que falam do início, durante e fim dos tempos.
Para o Taoísmo, não existem nem fim nem início dos tempos.  O início está em todos os momentos.

O início, o durante e o fim são uma grande ilusão.


Na questão da re-encarnação, se existe o início, o durante e o fim (e são inúmeros os inícios, os durantes e os fins, um atrás do outro, encadeados) - olhando de ´fora uma vida após outra vida, veremos que a pessoa é sempre a mesma.

No entanto, se o tempo é infinito, a pessoa está sempre no mesmo tempo.  assim, se eu estou   vivo hoje, a minha próxima vida já co-existe simultaneamente com essa minha vida, como também co-existe com a vida anterior a essa encarnação.  Tudo, neste momento, junto.

O que então acontece?

Para quem está fora desse fio de infinitude chamado ‘vida’, todos os tempos estão no mesmo  tempo.

Para quem está dentro desse fio, cada tempo é um tempo.


Nós estamos dentro do fio da infinitude e não fóra.  Por isso, somos limitados e somos prisioneiros dessa infinitude de nascimentos, crescimentos, envelhecimentos,  adoecimentos e mortes.  E tudo isso sempre se repetirá.

Todo o trabalho do Taoísmo é para que possamos colocar nossa consciência para além desse fio, para alcançar este Vazio, esse Vazio que abraça esse fio, para compreendermos a infinitude da vida.  assim, podemos transcender a vida e a morte.

Esse fio é a palavra ‘existência’.
Esse Vazio que abraça, que abrange este fio, é a não-existência.


Por isso, Lao Tse diz:

“Os seres sob o céu nascem da existência
e a existência nasce da não-existência”


“sob o céu” é uma maneira poética de dizer ‘no mundo’.

Nós estamos nascendo e morrendo infinitamente dentro desse fio.  E esse fio nasce do Vazio.

Devemos então levar nossa consciência para o estado do Vazio, para que nosso corpo se torne o próprio fio, para que o infinito universo seja nosso próprio corpo e para que nossa consciência seja esse Vazio que abraça o infinito universo.

A meditação é um processo para nos libertar da vida, sem renunciarmos à vida.

Na verdade, na vida a nada se renuncia.  Precisamos nos libertar da vida sem renunciar a ela.


“O retorno é o movimento do Caminho”

O retorno é o movimento do Tao.

No Caminho que estamos vivendo, tudo é cíclico e rítmico.


“A suavidade é a atuação do Caminho”

Como o Caminho atua, como acontece?

Acontece de maneira sutil e suave.

Se considerarmos o movimento do Caminho como algo ativo, então, a atuação desse Caminho é algo passivo.

Tudo o que é ativo é retornável, é o retorno.  Ativo é o movimento.  Tudo o que tem movimento, retorna.

E tudo o que é a  aplicação desse movimento deve ser por natureza, suave.

Essa compreensão, essa linguagem sintética, pode ser levada ao Karma da vida - a lei da causa e do efeito.

Quanto maior a ira que uma pessoa tenha em relação à outra, maior será o retorno recebido dessa ira.  Na medicina chinesa, sabemos que a ira causa problemas ao fígado e à vesícula.  Atitudes bruscas e violentas externadas trazem efeitos bruscos e violentos para dentro do corpo.  Isso é o retorno das coisas.

Caminhando na vida com omais suavidade, o retorno será mais suave.

Todos os movimentos do Tai Chi são movimentos de retorno, circulares.  Círculo é retorno.  E todos os movimentos do Tai Chi são suaves.

A inspiração do Tai Chi é baseada nessa frase:  “A suavidade é a atuação do Caminho”.


O movimento do Tao é o movimento da naturalidade.

O que é movimento da naturalidade?

É o movimento criativo que flui de acordo com a ordem do céu e da terra.  Esse é o movimento da naturalidade.

Como saber se estamos em naturalidade?

Qual a fronteira entre   vício e naturalidade?

O vício é algo quase instintivo, sem muita consciência ou lucidez.

A naturalidade é fluir.

Os mestres do Tao dizem:   A naturalidade é aquilo que está de acordo com a ordem do céu e da terra.  É algo que flui em nossa vida naturalmente harmonizado com o tempo, o espaço, o lugar e conosco.  É algo integrado com o céu e a terra.

Se estivermos dentro dessa condição, estaremos na naturalidade.

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foto: Sítio das Estrelas, Janine


TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 40
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 25 de abril de 1995

Transcrição e Síntese de Janine Milward


A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching