TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 14
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro,
em 13 e 20 de setembro de 1994
Capítulo 14
Aquilo que se
olha e não se vê, se chama invisível
Aquilo que se
escuta e não se ouve, se chama inaudível
Aquilo que se
abraça e não se possui, se chama impalpável
Estes três
não podem ser revelados
Por isso se
fundem e se tornam um
Quando
superior não é luminoso
Quando
inferior não é vago
O Constante
que não pode ser nomeado
É o retorno à
não-existência
É a expressão
da não-expressão
É a imagem da
não-existência
A isso se
chama indeterminado
Encarando-o,
não vejo sua face
Seguindo-o,
não vejo suas costas
Quem mantém o
Caminho Ancestral,
Poderá
governar a existência presente
Quem conhece
o Princípio ancestral,
Encontrará a
ordem do Caminho.
Nota da Transcritora: Este
Capítulo foi interpretado em duas aulas.
Aula de 13 de
setembro:
Aquilo que se
olha e não se vê, se chama invisível
Aquilo que se
escuta e não se ouve, se chama inaudível
Aquilo que se
abraça e não se possui, se chama impalpável
Estes três
não podem ser revelados
Por isso se
fundem e se tornam um
No primeiro trecho, aparentemente, Lao
Tse está no falando sobre o óbvio: aquilo que não se Vê se chama invisível,
aquilo que não se ouve se chama inaudível, o que não se possui se chama
impalpável.
Se Ele dissesse o contrário, que o que
não se Vê se chama visível, aí então estaria em contradição. No entanto, para que o invisível, o inaudível
e o impalpável possam ser visível, audível e palpável, têm que ser o que se
olha, o que se escuta e o que se abraça.
Ao mesmo tempo que não se vê, que não se ouve e que não se possui.
Nessas três frases Ele fala da
importância de se encontrar algo que está além dos sentidos.
Ele diz que
-
olhar é diferente de ver
-
escutar é diferente de ouvir
-
abraçar é diferente de possuir
A terceira frase que diz: “Aquilo que se
abraça e não se possui, se chama impalpável” é bem mais fácil de entender porque
no Capítulo anterior, Lao Tse diz que o Homem Sagrado abraça o mundo mas não
possui o mundo.
O abraço que não possui não é o abraçar
a forma. E não é uma forma de
abraço. Qualquer coisa que tenha uma
forma pode ser abraçada. É
palpável. Quando se abraça sem possuir,
não se pode abraçar através da forma.
Nosso corpo é uma forma. Uma
forma abraça outra forma. Para poder
abraçar sem possuir não se pode abraçar através da forma.
Dessa maneira, Lao Tse está falando em
ver, escutar e abraçar aquilo que não tem forma.
Em seguida, através da não-forma,
pode-se abraçar o que se vê, o que se ouve, o que é palpável.
Em relação às coisas do mundo, devemos
abraçá-las através da não-intenção, do não-julgamento.
Dessa maneira, podemos ver mas não
olhar; abraçar mas não possuir; escutar mas não ouvir.
Aquilo que é invisível, inaudível e
impalpável não pode ser visto através dos olhos, nem ouvido através dos
ouvidos, nem apalpado com as mãos.
É preciso se ouvir através de um
sentido mais profundo. Ver, não através
dos olhos e sim com a consciência mais profunda. Abraçar, não com as mãos mas através de um
sentido mais profundo.
Ao mesmo tempo que se fala de uma
busca, de uma procura de algo que está além da linguagem. Tudo o que pode ser visto, ouvido, apalpado,
são coisas que estão dentro da linguagem.
Ele fala de se buscar algo que está
além da linguagem, além da forma. Além
da limitação. Além do tempo e além do
espaço.
Esse algo que é infinito, indivisível,
que não tem forma e não tem imagem nem linguagem, é o que chamamos de Tao. A pessoa que consegue encontrar esse algo,
está se realizando no Tao.
Essa é exatamente a busca do Tao.
Por outro lado, Lao Tse nos diz que isso
também não significa que iremos renunciar ao que está do lado de cá...
Não podemos deixar de viver e encarar a
vida, ou seja, a busca desse algo que está além do tempo e do espaço, não serve
como pretexto para deixarmos de ser responsáveis, para deixarmos de trabalhar,
de viver a vida, de fazer o que tem que ser feito.
Se pressupormos esse algo infinito que
não tem forma nem imagem como algo fóra de nós, estaremos buscando algo fóra de
nós. E isso é uma espécie de fuga.
A infinitude se encontra dentro de nós.
E porque essa infinitude está dentro de
nós é que a maneira de encontrá-la é vivê-la!
Vivê-la é utilizá-la para viver a coisa certa. Ou seja, viver através do não-julgamento, da
não-intenção, da não-linguagem, do coração esvaziado, transparente e quieto
para encarar tudo aquilo que está em torno de nós, que nos envolve.
Isso é o que Ele quer significar quando
diz “olhar e não ver, escutar e não ouvir, abraçar e não possuir”.
Sempre que queremos abraçar e possuir
algo passamos a enfrentar nossas grandes frustrações.
Tudo o que existe no mundo que pode ser
abraçado, não pode ser possuído. Seu
carro um dia apodrecerá, seu amor um dia morrerá ou deixará você. Você pode ter uma ideologia e um dia pode
mudar de opinião. Tudo o que existe no
universo está em constante transformação e assim, não pode ser abraçado. A fotografia um dia amarelece e se
perde. A memória de algo que já não mais
existe, um dia desaparece.
No Taoísmo, não se projeta uma meta
para ser alcançada e depois se projeta outra meta. O tempo inteiro temos que ir integrando as
coisas, caminhando junto, sem que haja a intenção de alterar o fluir das
coisas.
Quando se faz as coisas com intenção,
quando o projeto fica pronto, tem que se buscar outro. A intenção é um condicionamento que não nos
permite fluir com naturalidade, que não nos permite nos integrar com o todo,
sem barreiras. A intenção é fruto do
ego. Na intenção, pensamos que as coisas
são eternas e indissolúveis, no entanto, na é eterno ou indissolúvel.
Temos que reconhecer até que ponto
é possível ou impossível; temos que
reconhecer nossos apegos ou não-apegos.
Quando não criamos nenhum truque para esconder nossas incapacidades, aí
então teremos a oportunidade de transformá-las.
A intenção não é necessária, é apenas
um fator que existe e que, ao ser trabalhado, um dia deixará de existir. A intenção inicial é para despertar a
auto-destruição do ego.
Um governante taoísta deve usar a
intenção de governar seu povo, administrar o país de acordo com as necessidades
de seu povo, ele tem que abraçar o povo sem possuí-lo, sem dominá-lo. Tem que deixar o destino do povo fluir, sendo
apenas um assistente e não um interventor.
Uma consciência em estado mais puro não
tem desejo, não tem intenção, não tem julgamento. É uma consciência transparente.
O Homem Sagrado é aquele que realiza
obras para as pessoas e essas pessoas nem realmente percebem que foram
beneficiadas. O Homem Sagrado não tem
necessidade de ser reconhecido. Faz o
que tem que ser feito e quando chega a hora, se retira e pronto. Acabou.
Chung Tzu, em um dos seus contos, fala
de um encontro simulado entre três pessoas provenientes de três reinos. Essas pessoas falam cada um sobre seu país:
O primeiro diz: Meu governante é um tirano, explorador,
escravizador.
O segundo diz: Meu rei é muito bom, organizador, as leis são
claras, tudo está em seu lugar.
O terceiro diz: Não sei quem é meu rei. O povo vive, planta, colhe e tudo
acontece. Nunca vimos o rei, nem ouvimos
falar sobre ele, nem ao menos sabemos onde vive.
Essa é a utopia do Taoísmo. As coisas apenas são e não precisam aparecer
nem serem reconhecidas. Apenas são.
Nosso corpo é um pequeno reino. Temos
mil pedacinhos dentro de nós. E temos
um governante que é nossa consciência,
nossa mente. Nossa consciência faz com
que nosso corpo, ou seja, nossa totalidade, possa fluir sem sentir o peso da
consciência. e a consciência nunca deixa
de fazer as coisas. Apenas que deve ser
transparente, menos julgadora, mais quieta, ouvindo as necessidades de cada
célula, de cada osso, de cada músculo.
Não através de um processo racional mas através de um processo natural
de correspondência que a tudo soluciona,
fazendo com que o corpo todo fique em harmonia.
Isso é a primeira governança. Através desse conceito do Taoísmo, a pessoa
dá seu primeiro passo na convivência com tudo.
E usa esse mesmo princípio para administrar tudo aquilo que está em
torno de sua vida, sua família, seu trabalho, todo o ciclo. Realizando a vida nesse princípio, a pessoa
pode expandir e organizar sua convivência com o mundo inteiro.
A consciência é o núcleo de onde tudo
gira em torno: nosso corpo, nosso sangue, nossa energia, tudo o que está vivo
em nós. Nosso espírito, nossa
consciência é um centro de gravidade, como se fosse um imã.
Igualmente, o homem, através de um
processo de auto-realização, se torna um espírito puro que se amplia se
tornando um espírito iluminado em nível individual, depois familiar e social,
então da sociedade e muitas pessoas girarão em torno desse Espírito
Iluminado. Quanto maior o grau de
Iluminação, maior grau se torna o Espírito para o mundo. Esse é o processo de Sagração do Homem.
Isso é o que chamamos de Tao.
O Tao é algo bonito, algo como a união
da consciência e a vida, algo vital que possui em si uma consciência.
Para isso acontecer, em nossa prática
de meditação, temos que colocar a consciência dentro do ar que respiramos.
Com o tempo, em nossa meditação, a
respiração vai ficando mais lenta, mais lenta até que a respiração física fica
praticamente parada. Ficamos todo o
tempo observando a respiração e chaga uma hora em que não se tem mais
respiração. Com o tempo, se sente uma
força suave, bem suave e vamos nos integrando com esta força. Essa experiência é invisível, inaudível e impalpável,
porém existente.
No Taoísmo, existe um conceito muito
importante sobre o Caminho Esotérico.
Essa definição diz que o Caminho Esotérico não significa astrologia,
tarot, magia, etc. O Caminho Esotérico é
uma experiência que somente a pessoa pode saborear. Onde a consciência rompe as barreiras daquilo
que é visível, audível e palpável. É
quando a consciência consegue romper as barreiras físicas do visual, do
auditivo e do sensorial e consegue entrar no universo. E aí encontra uma força, que é a força
primordial, uma força que é a raiz do universo.
É quando se consegue mergulhar para dentro desse universo, dessa força,
e fluir com esta força e se tornar a própria força.
Nesse momento, se alcança uma
experiência que não pode ser descrita através das palavras ou das imagens ou da
forma ou da linguagem.
Uma sensação, uma compreensão, uma
consciência que só nós sabemos que lá chegamos.
Isso é o Caminho Esotérico. Um
caminho de segredos, um caminho interior.
Interior no sentido de que não é visível aos outros.
Nos trechos posteriores, Lao Tse vai
falar sobre isso. Essa experiência é uma
experiência única, ou seja, é uma experiência que não dividimos com
ninguém. Não existem polaridades,
estamos num estado onde tudo é um só. É
como se tivéssemos diferentes cores de tinta, vermelho, azul, amarelo, verde,
laranja... e, ao juntá-las todas, teremos uma mistura, sem nenhuma definição.
A nossa consciência, em sua viagem
interior, chega a um ponto onde não existe a separação das coisas. É algo indivisível e inseparável como se
fosse um caos - esse caos é exatamente a raiz do universo. É lá que nascem todas as forças e todos os
verdadeiros e eternos poderes que geram os seres, os planetas, as galáxias e
todos os espíritos.
Nessa hora se chegou à raiz do universo
e nos tornamos a raiz do universo. A
raiz do universo é o que chamamos de caos primordial.
Para se mergulhar no caos primordial, é
preciso ter despojamento, tirar as amarras, as limitações e, inevitalmente,
jogar o ego fóra.
Entramos profundamente e quando
atingimos a raiz do universo, passamos a ser o centro de todas as coisas, e
então podemos perceber que tudo aquilo que jogamos fóra, não foi perdido,
simplesmente se tornou periferia em nossa vida e não mais o centro de nossa
vida.
Portanto, o Homem Sagrado que alcança a
plenitude da vida e da consciência, não se torna incapacitado nem perde a
memória, pelo contrário, ele passa a ser a raiz que tem acesso a todas as
atividades, trabalhos e acontecimentos.
Ele passa a ter suas potencialidades aumentadas e não diminuídas.
Para se descobrir essa experiência não
precisa se chegar até a raiz. Existem
muitas dimensões com estágios da consciência de acordo com o nível em que
estamos vivendo. De uma raiz nascem dois
terminais que se expandem até o infinito, progressivamente. Nessas infinitas expansões, existe um centro.
Na prática mística, esse mergulho ao
caos primordial é gradual, leva tempo; às vezes anos e anos ou mesmo vidas e mais vidas para se realizar
essa viagem. Cada vez se consegue ir
mais profundamente.
Na prática mística, vemos que a
consciência, em vez de se limitar, se amplia.
Não precisa se atingir o último ponto - o caos primordial - para poder
abraçar todas as coisas. Andando um
milésimo, teremos um milésimo de resultado que é análogo ou similar a aquele de
quem chegou até o centro, à raiz. Apenas
que, quem atinge o centro, atinge uma plenitude absoluta. Quem alcança outros pontos, atinge uma plenitude
mais limitada. No entanto, sempre haverá
uma ampliação da consciência.
Por isso, a prática da meditação é
essencial. É um instrumento para
desenvolvermos nossa ascensão.
Por que se faz isso?
Porque numa condição comum, é muito
difícil realizar a subida da consciência.
Nossos hábitos, costumes e problemas cotidianos nos viciam. Comportamentos de ira e de raiva fazem com
que nossa consciência não transcenda.
Por isso devemos, diariamente, tirar
uma hora do nosso cotidiano de vida, sem interferência de ninguém, para
podermos desenvolver essa quietude interior para se tentar mergulhar no caos
primordial.
Em seguida, Lao Tse diz:
Quando
superior não é luminoso
Quando
inferior não é vago
Uma consciência transparente não é
ofuscante. Os mestres taoístas são humildes. Não irradiam luzes ofuscantes. Agem como pessoas normais.
Quem vive o Tao, vive com simplicidade.
Na verdade, nem todos os mestres
taoístas chegaram ao Absoluto. São
poucas as pessoas que atingem a Vida e a Consciência infinitas. Eles podem ser mestres porque já atingiram algumas
escalas acima de nós, mais ainda não atingiram o centro.
O mestre taoísta vive como uma pessoa
comum.
Mestre Maa, nosso mestre, durante sua
vida teve vários problemas quando jovem por causa da primeira guerra
mundial. Abandonou a família, viveu só
entre os 20 e 35, 40 anos. Encontrou-se
com seu mestre, entrou na floresta, se retirou, atingiu um nível bastante alto
mas não chegou ao Absoluto. Mais tarde,
ele sentiu a necessidade de ter mais segurança social no sentido de ter uma
família, casou-se, trabalhou e teve filhos e
viveu até se aposentar e depois continuar, paralelamente, ensinando.
No Taoísmo, a primeira coisa que se faz
é cair na real. Tentar se conhecer. O que eu consigo, o que eu não consigo, quais
são minhas necessidades de vida. tudo
isso é muito lento. Não existem
‘receitas’ para se atingir a iluminação.
No processo de iluminação e no processo
da consciência, não adianta criar falsas expectativas, criar mentiras para si
mesmo.
(Aqui terminou a primeira fita do
Capítulo 14 - aparentemente, a aula desse dia terminou aqui - Aula de 13 de
setembro de 1994).
...................
Aula de
Continuidade ao Capítulo 14
em 20 de
setembro de 1994
Capítulo 14
Aquilo que se
olha e não se vê, se chama invisível
Aquilo que se
escuta e não se ouve, se chama inaudível
Aquilo que se
abraça e não se possui, se chama impalpável
Estes três
não podem ser revelados
Por isso se
fundem e se tornam um
Quando
superior não é luminoso
Quando
inferior não é vago
O Constante
que não pode ser nomeado
É o retorno à
não-existência
É a expressão
da não-expressão
É a imagem da
não-existência
A isso se
chama indeterminado
Encarando-o,
não vejo sua face
Seguindo-o,
não vejo suas costas
Quem mantém o
Caminho Ancestral,
Poderá
governar a existência presente
Quem conhece
o Princípio ancestral,
Encontrará a
ordem do Caminho.
Na prática mística, esse trecho
basicamente se refere ao “Caminho do Céu Anterior” - ao Tao do Céu Anterior.
O Céu Anterior difere do Céu Posterior
porque este ultimo representa o universo manifestado e o primeiro, representa a
condição prévia do Absoluto, aquilo que não tem forma, nem imagem, nem
linguagem. Não tem som, não tem corpo,
não pode ser apalpado, não pode ser escutado, não pode ser visto de forma
alguma.
Existe um texto intitulado “Tratado da
Transparência e da Quietude Permanente”, onde se diz:
“O Grande Caminho não tem forma, e é o
criador do céu e da terra. O Grande
Caminho não tem sentimento e movimenta o sol e a lua. o Grande Caminho não tem nome e cultiva os dez mil seres.”
O Céu Anterior não tem nome nem nada
porém essa mesma natureza pode cultivar todas as imagens, criar todos os seres.
O Vazio que permite tudo existir é o
Tao do Céu Anterior.
Todo o que existe é o Tao do Céu
Posterior.
Se não houver o Vazio, o céu e a terra
não poderiam ser criados. Também não
seria permitido ao céu e à terra entrarem em constante movimento. Não seria permitido que o céu e a terra se
reproduzissem, se alimentassem e gerassem suas reproduções, suas crias.
É nesse Vazio que todas as coisas são
criadas, são movimentadas e são cultivadas e alimentadas.
Igualmente, se quisermos tornar nossa
vida constante e tornar nossa consciência infinita e tornar nossas energias
constantemente renovadas, precisamos possuir uma consciência do Vazio, a
consciência do Céu Anterior.
Devemos possuir dentro de nós a
quietude, o Vazio, o silêncio, para que todas as nossas expressões possam ser
manifestadas e não serem interrompidas.
O Céu Anterior não pode ser visto, nem
ouvido, nem apalpado. Mas pode ser
sentido através de uma consciência além da consciência sensorial, além da
consciência formal e racional.
Lao Tse fala fundamentalmente de uma
experiência interior para sentir esse Tao, para encontrar esse Tao do Céu
Anterior. Não é possível através das
palavras, das formas, da linguagem. É
preciso ir além da linguagem, além da forma, além do pensamento, para se poder
sentir e perceber o que isso é. No
entanto, quem percebe o Tao não vai conseguir descrevê-lO.
Na prática da meditação, a gente
utiliza a não-visão, a não-audição, e o não-toque e o não-possuir. Para trazer a luz da nossa visão para o interior. Para trazer a audição para o interior, abandonando
o apego físico. Fazendo com que a
consciência vá além do corpo físico.
Dessa maneira, nós deixamos a respiração
fluir naturalmente, colocando a consciência dentro dessa energia que flui e, em
seguida, entramos num estado de uma espécie de caos.
Dentro desse caos, surgirá uma força
que não conhecíamos antes. E essa força
que surge é o que chamamos de “Matéria Prima”, que é uma energia, ou força
primordial, que surge dentro de nós.
Quando essa força surge, precisamos agarrá-la, recolhê-la e trazê-la
para nós. Colocamo-nos dentro dessa
força nova, fazendo uma força nova surgir dentro de nós.
O Tao do Céu Anterior não tem forma,
portanto não pode ser alcançado através da forma.
Ele está além da linguagem, não podemos
chegar a ele através da linguagem.
Na prática espiritual do Taoísmo, se
rompe a barreira do racional, a barreira do sensorial, a barreira de tudo
aquilo que costumamos viver, que estamos acostumados a sentir. Entramos num estado que não conseguimos
descrever. Esse estado é o Caos
Primordial - onde não há diferenciação, onde não há separação da consciência e
da energia.
Nesse estado, encontramos essa força
pura que é ao mesmo tempo, uma consciência e uma vitalidade.
Usando a linguagem da Alquimia, é
preciso então “recolher” a matéria prima para torná-la parte de nós. Nós vamos naturalmente nos integrando com
ela, fazendo com que essa força desconhecida torne-se nós mesmos, fazendo com
que nós nos tornemos essa força até aqui anteriormente desconhecida. É o Recolhimento da Matéria Prima.
A partir daí, alcança-se a experiência
do Céu Anterior.
Por isso, Ele diz “se fundem e
se tornam um”.
Nós vamos nos fundindo com algo que é
impalpável, inaudível e invisível. Mesmo
sendo pessoas que têm visão, audição e sensação física, rompemos todas essas
barreiras e encontramos o invisível, o inaudível e o impalpável. Nos fundimos com isso e nos tornamos um só.
Esse é o retorno ao Caos Primordial,
fazendo com que o caminho interior e o caminho exterior se tornem um só,
fazendo com que o caminho do inconsciente e o caminho do consciente se tornem
um só. Fazendo com que o nosso
manifestado e o nosso não-manifestado se tornem um só. Fazendo com que o Céu Anterior e o Céu
Posterior se tornem um.
Nesse momento, chegamos a viver uma
experiência mística que não pode ser descrita em palavras.
O estado do Um, que é uma fusão entre o
praticante do Tao e o próprio Tao, como seria?
Lao Tse tenta interpretar este estado
quando diz:
Quando
superior não é luminoso
Quando
inferior não é vago
Não é uma sensação de irradiação
luminosa. Nem é uma sensação de um
vazio, de um vácuo, da falta de alguma coisa.
Trabalha-se com a fusão da Consciência com o Sopro. Essa é uma das características fundamentais
da prática taoísta.
Quando chegamos a esse estado,
atingimos uma quietude, um caos que não é propriamente uma espécie de
tranqüilidade total, não é uma espécie de vácuo que se entra no vazio e não se
sente mais nada. Não é isso. Também não é a sensação de mil energias,
iluminações radiantes.
Por isso, Ele diz: Quando superior não é luminoso /
Quando inferior não é vago. Precisamos
estar atentos para não cairmos nas polaridades.
O que seria esse estado do Caos?
O Constante
que não pode ser nomeado
É o retorno à
não-existência
É a expressão
da não-expressão
É a imagem da
não-existência
A isso se
chama indeterminado
O Caos primordial não pode ser
determinado. Por um lado é constante,
tem uma constância, esse Caos é eterno.
Mas não pode ser nomeado porque está além das palavras.
E como seria?
“É o retorno à não-existência” - Retorno além da forma e anterior às
manifestações.
“É a imagem da não-existência” - E a
expressão dessa não-expressão é exatamente a imagem da não-existência. Imaginamos a imagem da existência. A imagem da pessoa. E a imagem da não-pessoa, como seria?
Lao Tse joga com os contrários.
Não dá para imaginar a imagem da
não-imagem porque imagem da não-imagem está além das imagens - então não se
pode imaginar.
É preciso ir além da imaginação e então
se saberá.
O que o Taoísmo interpreta como Caminho
Esotérico não é o instrumento técnico, o segredo, mas sim a experiência
profunda que só pode ser saboreada pela pessoa e esse sabor não pode ser
transcrito, revelado diretamente.
Tudo o que Lao Tse está dizendo, está
rodeando o Tao, tentando fazer com que nós usemos nossa intuição e que não
leiamos ao pé-da-letra. Ele está
tentando nos dizer algo que não pode ser falado.
Em seguida, Ele diz:
Encarando-o,
não vejo sua face
Seguindo-o,
não vejo suas costas
Nós olhamos para uma pessoa,
encarando-a no rosto. Se a olharmos por
trás, veremos suas costas.
O Tao do Céu Anterior, ao ser encarado,
nada se vê. Seguindo-o por trás, nada
vemos.
Na antiguidade na China, costumava-se
simbolizar os grandes mestre que alcançaram este estado com o Dragão. O dragão chinês é diferente do dragão
ocidental, do dragão de São Jorge. O
dragão chinês é uma mistura de vários animais simbólicos, chifres de veado,
testa de cachorro, escamas de peixes grandes e douradas, etc. Segundo a lenda, quando o dragão aparece no
céu, está sempre envolvido em nuvens, nunca conseguimos vê-lo por inteiro. É como uma força nebulosa.
Essa descrição é, na verdade, uma
descrição simbólica que representa a experiência mística de inúmeras
pessoas. Quando o dragão aparece, surge
uma espécie de luzes douradas parecendo uma cobra nadando.
Na prática mística taoísta, um pouco
mais avançada, existem fenômenos de entrada de força do dragão na pessoa. Essa força desde do céu como uma espécie de
serpente de dragão, luzes douradas misturadas com outras cores, entrando e
saindo do corpo da pessoa, rodeando-a por inteiro.
Parece que chove ouro, com pontinhos de
chuva dourada. Esses dourados e
prateados se alternam, girando. Essa é
uma interpretação do simbolismo do dragão.
Os grandes mestres, na hora de sua
ascensão, têm os grandes dragões que descem para carregá-los para o céu com corpo
e tudo. Esses são grandes dragões e não
aquelas outras serpentes de luzes que envolvem o corpo da pessoa. São dragões gigantescos, com raios e
trovoadas.
O Mestre Celestial - que é o fundados
da rodem Ortodoxa Unitária - teve uma ascensão assim.
Quem mantém o
Caminho Ancestral,
Poderá
governar a existência presente
Quem conhece
o Princípio ancestral,
Encontrará a
ordem do Caminho.
O que é o Caminho Ancestral e o que é a
Ordem do Tao?
Caminho Ancestral é o Caminho do
Princípio. No I Ching, existem quatro
palavras que representam as quatro virtudes;
O princípio
A abertura
A fluidez
A retidão
Uma pessoa que encontra o princípio,
tem abertura. Tendo abertura na vida,
encontra a fluidez. Na fluidez, é
preciso ter retidão para se poder constantemente manter o princípio, abrir
novos caminhos, fluir com retidão para novamente encontrar o princípio. Assim se manifesta a infinitude.
Por isso, Ele diz:
Quem mantém o
Caminho Ancestral,
Poderá
governar a existência presente
Na verdade, o presente está em todos
os momentos do passado, do presente e do futuro. Normalmente, nós não vivemos o presente. Sempre estamos vivendo em função de alguma
coisa passada ou em função de alguma coisa futura.
Estamos sempre sendo pressionados pelos
Karmas, vivendo uma condição atual gerada por nossos atos anteriores, vivendo
em função de um passado.
O Homem Sagrado não vive em função do
passado nem em função do futuro. Ele
vive o presente.
Para se poder viver o presente, é
preciso superar a limitação do Karma. É
preciso ter então, dentro de si, o Caminho Ancestral. Assim sendo, se flui naturalmente no Universo
com retidão.
Mestre Maa sempre nos diz: “ Quem está seguindo o Caminho do Tao, quem
flui de acordo com o Tao, suas atitudes são naturalmente atitudes de Retidão.
Não precisamos necessariamente cumprir
códigos morais para nos tornar pessoas com moral. Uma pessoa que segue o Tao, naturalmente, seu
caminho será o caminho da Retidão. Quem
está de acordo com o Tao, é impossível que tenha atitudes fóra do Tao.
O correto para o Taoísmo é o resultado
de uma vivência interior e não um condicionamento de um preceito ou de uma
série de preceitos.
Pode até ser que uma pessoa antes de
seguir o Tao, não tenha suas atitudes assim tão “corretas”. Mas, ao fluir com o Tao, naturalmente, terá
atitudes corretas. Sem que este
“correto” seja um condicionamento ou seja uma prisão. O correto, para nós, representa o caminho da
consciência. Na consciência, caminha-se
corretamente. Caminha-se corretamente
através da consciência.
Quem conhece
o Princípio ancestral,
Encontrará a
ordem do Caminho.
O que é a Ordem do Caminho, a Ordem do
Tao? É uma ordem que não tem princípio
nem fim.
Todas as ordens, todas as organizações,
todas as leis, têm um princípio e um fim.
A Ordem do Tao, como Lei do Universo, é
a Lei da Infinitude, ou seja, uma ordem que não tem princípio nem terá um fim.
Quem vive e conhece o Princípio
Ancestral, encontra a Ordem da Infinitude.
Isso foi o Capítulo 14.
...............
foto: Sítio das Estrelas, Janine
TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 14
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de
Janeiro, em 13 e 20 de setembro de 1994
Transcrição e
Síntese de Janine Milward
A tradução
dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês
para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora
Ursa Maior,
sendo
hoje publicada pela Editora Mauad, São
Paulo, Brasil
Nesta mesma
Editora, encontra-se ainda no prelo
a realização
da publicação, em breve, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao
Tse, o Tao Te Ching