A Infinitude acontece sempre e sempre nos apresentando suas constantes mutações. Tudo no mundo da manifestação é apresentado através a Infinitude porém sempre também através suas constantes mutações: é o Eterno Retorno. Somente o mundo da não-manifestação é efetivamente Infinito e não-mutável.
O espaço entre o Céu e a Terra se assemelha a um fole
Capítulo 5
Tao Te Ching, Lao Tse
O Céu e a Terra não são bondosos
Tratam os dez mil seres como cães de palha
O Homem Sagrado não tem piedade
Trata os homens como cães de palha.
O espaço entre o Céu e a Terra se assemelha a um fole
É um vazio que não distorce
Seu movimento é a contínua criação.
O excesso de conhecimento conduz ao esgotamento
E não é melhor do que manter-se no meio.
Tradução e Interpretação do Capítulo 5
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG
No primeiro parágrafo, Lao Tse diz:
O Céu e a Terra não são bondosos
Tratam os dez mil seres como cães de palha
O Homem Sagrado não tem piedade
Trata os homens como cães de palha.
À primeira vista, isso parece contraditório com aquilo que acabei de falar. (Nota da Transcrição: as questões que foram tratadas acerca as Cinco Virtudes, apresentadas na síntese acima).
O Céu e a Terra e os sábios iluminados não se importam com os seres humanos. O que se quer dizer com isso? O Céu e a Terra não têm piedade, não são piedosos.
Toda a piedade é um ato de doação, um ato de benefício feito ao próximo com intenção.
O Céu e a Terra não têm essa piedade... e será então que eles nada fazem? Pelo contrário. Tudo o que o Céu e a Terra fazem, tudo o que a natureza faz, é sem-intenção. O Céu e a Terra doam nossa água, nosso ar, nosso calor, nossa Terra, a vida - mas não o fazem por piedade, eles simplesmente fazem. E sem intenção. É uma doação sem intenção.
O Céu e a Terra não são bondosos
Tratam os dez mil seres como cães de palha
Todos os seres vivem entre o Céu e a Terra. O Céu, a Terra e a natureza tratam todos os seres sem intenção. Antigamente, o cão de palha era usado para o ritual de oferenda substituindo o sacrifício dos animais. Pega-se a palha, faz-se o formato de um cachorro e o queima.
Por que se queima o cão de palha? Primeiramente, assim não se sacrifica a vida. A oferenda torna-se simbólica. A oferenda é necessária, ela simboliza a doação, o desapego.
No altar, se põem comida, dinheiro, se acende incenso - tudo isso como um gesto de doação. A doação é um gesto que representa o desapego. Se nos apegamos às coisas, não existe doação. As oferendas, no entanto, não são um suborno às Divindades. Tratam-se, sim, de um processo de desapego. Todas as doações são realizadas para o desapego e não para o suborno. Na verdade, devemos colocar as coisas no altar, não desejando nada, simplesmente oferecendo, como um desapego em si.
Quando se realiza uma oferenda, oferece-se um cão de palha. Por que3 um cão e não um boi ou um porco de palha? Porque o cão é o animal da fidelidade, passando a vida inteira sendo fiel a seu dono. Por isso se oferece o cão de palha que tão bem simboliza a fidelidade.
Num ritual de oferenda de um cão de palha, simboliza-se a entrega, um gesto de desapego, de resguardo da vida e de fidelidade. Fidelidade perante as tradições espirituais, perante os Imortais, perante às Divindades, os Mestres Ascensionados.
Nessa frase também está implicada a idéia de que, em se oferecendo um cão de palha, está se dando uma importância ao simbolismo do gesto. Desde há muito tempo na história da humanidade muitas coisas foram simbolicamente realizadas para poupar vidas e para manter apenas o espírito da coisa e não para que a oferenda se tornasse algo distorcido e de conveniência.
Diz-se, então, que o Céu e a Terra não são piedosos porque tratam os dez mil seres como cães de palha... significando que o Céu e a Terra tratam todas as pessoas sem a intenção de fazer o bem, no entanto, eles simplesmente fazem o bem. E se não tratam bem as pessoas, se não têm piedade, tratam todos os seres como cães de palha. Tratar muito bem alguém, tornar uma pessoa muito valiosa para si mesmo, pode significar que se está querendo exercer a posse sobre esta mesma pessoa. Todos os valores que temos em relação a coisas e pessoas trazem um sentimento de posse. Quem não tem qualquer sentimento de posse não trata algo ou alguém como valioso e nem trata como sem valor. Não faz as coisas nem se relaciona por piedade com as pessoas; apenas faz tudo como dever ser feito. Dessa maneira, faz todas as coisas sem sentimento, sem intenção, sem julgamento.
O Céu e a Terra fazem o sol, a luz, o vento, o lume, a chuva, sem intenção de fazê-los. O ser humano sim, é que quase sempre tem uma intenção naquilo que faz. O ser humano tende a julgar que a tempestade acontece porque o Céu está aborrecido com ele, que a seca acontece porque a Terra está irada. Nós sempre julgamos que a Terra e o Céu possuem uma identidade egóica. Que reagem como nos, seres humanos, reagimos em relação aos nossos amigos ou inimigos. Nós podemos nos irar contra pessoas e criar tempestades em suas vidas ou tornar suas vidas áridas ou secas. E fazemos tudo isso com intenção. Como uma reação do nosso ego. Porém o Céu e a Terra não possuem egos, eles simplesmente fazem as coisas e fazem-nas sem intenção. Dessa maneira, eles tratam os dez mil seres como cães de palha.
O Homem Sagrado é o homem que se realizou conforme o Tao. E, sendo o Tao seu próprio corpo, ele se orienta pela própria lei da natureza. O movimento do sol, da Terra e das estrelas é sua própria lei. Dessa maneira, o Homem Sagrado, ao invés de iluminar, ele trata as pessoas como o Céu e a Terra as tratam. Ele simplesmente faz o que deve ser feito.
Esse ponto é fundamental porque muitas vezes somos levados a pensar que o mestre espiritual é aquele ser bonzinho que, através de sua intenção, faz coisas para nos beneficiar.
O mestre espiritual, segundo o conceito do Tao, não faz nada com intenção. Ele simplesmente age refletindo nossa própria realidade e de acordo com o movimento do universo. E não age nem por ele nem por nós. Não por ele, porque ela não se importa. Não por nós porque, para ele, somos como cães de palha. Não somos valiosos para ele e por isso ele não nos quer possuir. Ele não tem ego, por isso não julga nada, se tem valor ou não. Ele não nos despreza como também não nos possui. Ele simplesmente faz tudo o que deve ser feito e quando conclui sua obra, desaparece sem que as pessoas percebam que ele teria passado por suas vidas. Não deixa marcas. Essa é a característica com que o Taoísmo vê um Homem Sagrado, um mestre espiritual - bastante diferente de muitas outras tradições religiosas.
PERGUNTA: Como ele pode ser humano e não ter ego?
RESPOSTA de Cherng:
Esse é exatamente o ponto a ser alcançado.
Você tem que ver pelo oposto: se ele não tem ego, não se tem como fazer referências ou se imaginar algo do ego para se falar sobre uma pessoa sem ego. É exatamente quando se retiram todas as referências sobre o ego, é que o ser pode se tornar Sagrado. Esse é que chamamos de Autêntico Homem, o verdadeiro homem. Homem da Consciência, não homem do pensamento; homem da naturalidade, não homem da intenção. O homem que faz todas as coisas sem intenção de fazê-las - sem, no entanto, deixar de fazê-las.
Todo o trabalho do Taoísmo é, então, o de conduzir as pessoas até alcançarem esse ponto. Se cada vez mais pessoas entrarem nessa busca, cada vez menos entenderemos nossa natureza, nosso ambiente, de uma maneira egóica, nociva; a natureza por si mesma fluirá e nós fluiremos junto com ela. No entanto, o ser humano parece estar no caminho inverso, sempre querendo interferir na natureza - fazendo o verão frio e o inverno quente - perdendo, na verdade, a capacidade de viver o calor do verão e o frio do inverno. O Homem Sagrado não tem ego, não interfere em nada: vive o calor do verão e o frio do inverno, naturalmente.
Como o Taoísmo trataria, por exemplo, uma indignação em relação a um ladrão, um homem mau? O Homem Sagrado sempre reage a estas pessoas conforme o clima do ambiente. Quando está muito quente, certamente cairá uma tempestade de chuva. Quando a indignação social é muito grande, ela poderá ter como uma resposta natural, uma grande punição. Apenas que isso deve vir naturalmente e não com intenção. Então, o Homem Sagrado, se estivesse no lugar do governante, atuaria naturalmente conforme o ciclo. Uma pessoa má que consegue levar uma população a um grande sofrimento, naturalmente irá encontrar sua própria punição. Essa punição pode ser aplicada por aquele Homem Sagrado - que não estaria punindo porque quer punir -, estaria apenas reagindo conforme o rumo natural das coisas. Portanto, aquele ladrão que roubou todo mundo e trouxe sofrimento às pessoas foi finalmente punido, morrendo nessa punição. Quem o puniu? Ele mesmo: ele levou a sua vida a esse ponto e não o justiceiro que determinou que sua vida deveria terminar naquele ponto.
Muitas coisas são aparentemente muito parecidas em seus resultados mas os cursos internos acontecem de maneiras diferentes no modo de sentir, de conduzir as coisas...
Assim, Lao Tse diz:
O Céu e a Terra não são bondosos
Tratam os dez mil seres como cães de palha
O Homem Sagrado não tem piedade
Trata os homens como cães de palha.
Continuando, Ele diz:
O espaço entre o Céu e a Terra se assemelha a um fole
Fole é o Vazio.
É um vazio que não distorce
O vazio não pode ser distorcido. Qualquer coisa que seja concreta por ser distorcida, mas não o vazio.
Seu movimento é a contínua criação
Como diz o I Ching, o Céu é Yang e a Terra é Yin, o Céu está em cima e a Terra está embaixo: entre o Yin e o Yang há um espaço. Um espaço onde o Céu desce atravessando a Terra e a Terra sobe atravessando o Céu: a energia do Céu e da Terra se entrecruza e novamente a energia do Céu volta para cima e a da Terra volta para baixo.
Esse eterno trânsito de energia de subida e energia de descida faz exatamente parecer como um fole. O fole tem dois lados, um lado Terra e outro lado, Céu. Eles se movimentam entre si e esse movimento atinge uma situação de energia entre as duas polaridades. Essa situação de energia entre as duas polaridades jamais poderá ser distorcida por causa do Sopro do Vazio. Esse sopro do vazio é que traz a contínua criação e a contínua renovação das vidas entre o Céu e a Terra.
Todas as energias vitais que recebemos vêm do espaço em que vivemos entre o Céu e a Terra. Essa energia é capaz de nos transformar, nos regenerar, nos renovar. Por ser uma energia do vazio, ela jamais se esgota, jamais acaba. Por isso, na prática espiritual do Taoísmo, para nos renovar, nos rejuvenescer e nos regenerar, precisamos abrir o canal e receber essa energia do vazio que existe entre o Céu e a Terra. Essa energia está sempre em constante movimento e é dessa maneira, que nós a extraímos e a trazemos para dentro de nós.
Para podermos trazer essa energia vital para dentro de nós, é preciso que nos tornemos vazios como o próprio fole. Não se pode ser um alvo compacto e fechado, assim nada poderá entrar. É preciso haver um vazio. Do mesmo modo, precisamos nos esvaziar interiormente para podermos receber essa energia.
Como esvaziar-nos interiormente? Através da redução do pensamento, da redução da emoção, da redução da tensão física. Quando o corpo está relaxado, a emoção abrandada, o pensamento zerado, nesta hora, naturalmente, entrará uma energia dentro do nosso corpo, dentro do nosso ser que faz com que nossa consciência fique mais forte, todos os nossos sentimentos fiquem mais profundos, nosso corpo fique mais energizado.
O excesso de emoção torna-se sentimento profundo. Excesso de emoção é trabalho, nos confunde. Excesso de pensamento nos perturba. Pensamento não é consciência, emoção não é sentimento e tensão física não é vitalidade. O corpo físico tem que ficar relaxado, a emoção deve ser abrandada até se tornar sentimento profundo e o pensamento deve ser diminuído até se tornar consciência.
Esse esvaziamento interior é normalmente conseguido através da prática da meditação. Meditação através do silêncio, através do domínio da respiração, através do mantra, do canto..., sempre com o sentimento de não-intenção.
Se você está contemplando a sua respiração como meio de meditação, isso deverá ser feito de uma maneira passiva, sem controle nem julgamento. Se você estiver entoando um mantra - mesmo que você saiba que cada mantra tem uma função própria (purificação da mente, do corpo e da emoção) -, você deverá fazê-lo sem intenção. Você deve entoar o mantra simplesmente repetindo aquelas palavras de maneira correta até tudo se tornar mecanizado e, a partir daí, sua consciência torna-se ‘empatada’ nessa repetição, sem julgamentos, sem diálogos internos. Quando se consegue diminui o diálogo interno, já se conseguiu um grande progresso.
Nós temos diálogos interiores em excesso e cenas em excesso. Muitas das vezes, você está conversando com você mesmo ou está simulando um diálogo com outra pessoa ou ainda está simulando ou repetindo um diálogo do passado; ou mesmo você está observando e participando do diálogo de outra pessoa dentro da sua mente - diálogos simulados ou observados. Nossa cabeça se assemelha a um radinho de pilha que fica falando o tempo inteiro. Devido à nossa distração, não nos apercebemos disso. A partir do momento em que tomamos consciência disso, percebemos que esse radinho está falando alto demais.
No desenrolar da prática da meditação, você atinge o estado de se imaginar entrando numa piscina, seu corpo totalmente unido à água. Nessa hora, você terá a consciência coletiva, a consciência universal e não a consciência do ego. Esse estado é um estado de profunda paz que é tecnicamente chamado de Fixação. É como se pregasse um prego, pronto, não mexe mais. Fixou. Sua consciência está fixada.
Normalmente, o homem ocidental tem medo dessa Fixação. Medo de perder o eu. Mas, se eu não existo, como poderia eu ter medo? Eu não existo! Esse é o momento do universo, da consciência universal, da sensação da piscina - piscina sem corpo -, de paz profunda: o estado da Fixação.
PERGUNTA: Se uma pessoa atinge esse estado, como é possível que ela continue em contacto com o mundo, como sair para trabalhar, fazer suas coisas? Não teria, então, que se retirar do mundo?
RESPOSTA de Cherng:
Não. Existem duas etapas. A primeira delas é relacionada ao ego. O homem ocidental tem medo de entrar nesse estado de Fixação. Não precisa ter medo. Mesmo porque é muito difícil chegar lá... E, se chegar, não permanece por muito tempo. Nosso ego é muito forte. Trabalha-se, medita-se anos a fio e de repente, alguns segundos de Fixação e pronto! Caiu-se fora imediatamente, novamente. Se uma pessoa consegue realizar quinze minutos de Fixação, na realidade conseguiu apenas três ou quatro minutos de Fixação de boa qualidade. Os gurus entram em Fixação por sete ou oito horas e saem. Não se consegue manter a Fixação por um tempo interminável porque nosso eu é muito forte.
Quem chega a esse ponto tem que se retirar do mundo? Não, pelo contrário. Cada minuto de meditação de efeito vai gerar um efeito secundário e uma conseqüência durante o resto do dia. O sabor dos minutos ou segundos do estado de Fixação deixa um aroma, um sabor, para o resto do dia. A paz, a tranqüilidade, o espírito universal adquiridos vão nos acompanhar numa escala menos profunda, nos trazendo um dia mais pacífico, mais harmonioso, mais tranqüilo. Diariamente, repetindo essa prática, tomamos um cálice de néctar da Vida e da Consciência.
Se uma pessoa repudia o mundano e se torna um eremita, seja porque não consegue mais se relacionar com as pessoas ou seja porque é considerado um mestre espiritual de tal porte - como acontece nos conceitos -, essa espiritualidade, do ponto de vista do Taoísmo, é questionável. Essa pessoa estaria entrando - de uma polaridade mundana para uma polaridade sagrada. Se o sagrado é oposto ao mundano, então esse sagrado é como se fosse o Yin oposto ao Yang e o Yang oposto ao Yin: essa pessoa ainda vive num mundo dual, ainda não encontrou a verdadeira união e o verdadeiro equilíbrio dentro de si. Uma pessoa perfeitamente iluminada pode viver o mundo sem problemas.
Os taoístas dizem que um grande mestre espiritual é capaz de viver a vida sem ser prisioneiro dela, é capaz de libertar-se da vida sem se afastar dela. Portanto, ele ainda domina a vida. um dia, ele deixa o corpo físico e continua sendo iluminado, numa dimensão mais sutil... mas isso é adquirido pela vida.
Isso também responde a outra questão: se o Taoísmo fala tanto da não-forma, do não-apego, da não-imagem, então por que seu altar é tão colorido, cheio de estátuas esculpidas em madeira, com barbas, sobrancelhas e tudo? O altar e as divindades em imagens são exatamente o espelho que nos reflete. No espelho, você se vê como uma pessoa comum. No altar, você se vê como num espelho mágico que reflete sua verdadeira identidade. Você se vê como um Homem Sagrado. Como habitamos o corpo físico, o espelho nos reflete como no corpo físico. Por isso, as divindades taoístas são como figuras físicas no altar, simbolizando que o sagrado ainda se encontra no corpo físico. E as imagens refletem a nossa verdadeira identidade. A nossa Sagração pode ser feita de inúmeras formas: podemos nos sagrar como imagem de Lao Tse, nos sagrar como o Sagrado Guerreiro, nos sagrar como Rei dos Mistérios ou outras Divindades. Assim entendemos o altar.
Ao mesmo tempo, reverenciamos o altar por dois sentidos: como homenagem aos mestres ascensionados - reverenciando-os teremos a chance de nos iluminar como eles iluminaram. A imagem de Lao Tse é simbolicamente colocada no altar porque Ele nos deixou todos esses conhecimentos, essas técnicas, essa sabedoria.
Por outro lado, todas as imagens que estão no altar refletem nossa verdadeira identidade e nós também devemos reverenciar a nossa verdadeira identidade. O Céu designa o Sagrado e esse Sagrado, na verdade, está dentro de nós. O Sagrado de dentro e fora de nós, se unem num só. Dessa maneira, nós juntamos nosso espírito aos espíritos do altar. Não sendo o altar, portanto, uma superstição. Faz-se o altar, recita-se o mantra, reverenciam-se as Divindades, acende-se o incenso - e não se faz tudo isso sem significado.
No altar Taoísta, existem quatro oferendas básicas: o incenso, a flor, a água e a luz. A luz da lâmpada, da lanterna ou da vela simboliza a luz da conscienci9a, o encontro da nossa consciência com a Consciência Sagrada. O incenso é normalmente um pedaço de palito com essências e pozinho de carvão que se queima simbolizando o despojamento e a transformação. Transformação do corpo físico em corpo etéreo, transformação do indivíduo, do aroma que permeia no ambiente. Simboliza a consciência do ego dissolvido que começa a abraçar o todo. Enquanto se queima o incenso, o palito vai desaparecendo ao mesmo tempo em que o aroma vai se acentuando e se espalhando pelo ambiente. Do mesmo modo, a partir do momento em que dissolvemos nosso ego, nossa consciência passa a ser como o aroma que abraça todos os seres igualmente.
A água simboliza a purificação. Nós usamos a água para lavar todas as coisas. Muitas vezes, no altar, a água é substituída por chá, com o mesmo simbolismo. A água retira os apegos, as loucuras, os traumas.
A flor simboliza a vida. sendo a flor o símbolo da vida, a partir do momento em que você percebe que a árvore floresceu, você entende que a primavera chegou, você percebe que a vida da árvore está ficando resplandecente. Uma pessoa cheia de energia, diz-se que está na flor da vida. a flor deve ser trocada periodicamente, simbolizando que a nossa vitalidade deve sempre ser renovada.
PERGUNTA: E as frutas?
RESPOSTA de Cherng:
As frutas simbolizam o despojamento. Despojamento de valores porque, se cortamos tudo de uma pessoa, teremos que manter o ar, a comida, a água, o mínimo necessário de vestimentas. A comida simboliza aquilo que é essencial na vida do ser humano, simbolizando, deste modo, o despojamento do ego.
PERGUNTA: A Divindade principal deste altar é um guerreiro. Isso é um sentido figurado ou não?
RESPOSTA de Cherng:
Ele era um guerreiro que viveu há cerca de dois mil anos atrás... soldado de guerra, mesmo.
PERGUNTA: Como o Tao tem como princípio o não-sacrifício e como o guerreiro deve ter tirado vidas..., me parece contraditório.
RESPOSTA de Cherng:
Ao mesmo tempo faz-se a justiça. O universo tem duas funções ativas; gerar a vida e retirar a vida. O tempo inteiro todas as pessoas estão criando a vida e retirando a vida. ou seja, criar e matar são complementares. Nesse ponto, o Taoísmo vê de uma maneira bem firme e clara. A cada instante estamos criando alguma coisa e a cada instante esmos matando alguma coisa. O tempo todo estamos matando o nosso passado e criando um futuro. A cada instante que exalamos o ar para fora, estamos colocando energia para fora e criando uma energia vital para fora de nós. E a cada instante em que inspiramos, estamos trazendo uma energia para dentro de nós e matando uma parte da energia que está fora. A cada momento em que expiramos estamos matando uma parte da energia que existia dentro de nós. Dessa maneira, todos os seres e todas as coisas estão assim entrelaçados uns aos outros. Todo mundo depende de todo mundo. Todos estamos ao mesmo tempo beneficiando como sacrificando o outro. ATerra tira a energia do homem, o homem tira a energia do Céu, o Céu tirar a energia da Terra, a Terra tira a energia do Céu, o homem tira a energia da Terra, e esse entrelaçamento de doar e tirar acontece ao mesmo tempo em que todos os lugares. O tempo inteiro estamos criando e o tempo inteiro estamos matando. Em todos os níveis.
Quando se está apenas cumprindo o destino -e não tendo o prazer em fazer esse destino -, simplesmente se cumpre o papel. E sem intenção. O guerreiro se fez um Homem Sagrado porque ele não matou por prazer e sim, por destino. Ele cumpriu seu papel simplesmente, sem julgamentos. Essa é a diferença. Um guerreiro sagrado simplesmente cumpre seu papel naquele momento da melhor maneira possível, ou seja, se não dá para evitar a guerra, então que seja feita de uma maneira absolutamente justa e equilibrada.
É muito difícil fazer este trabalho. É mais fácil entendermos que dentro de uma cultura cristã é sempre bom ser bonzinho; é mais fácil aceitar um mestre que nunca pisou numa formiguinha... O Taoísmo fala que no mundo manifestado tudo tem dois lados, até a moeda tem dois lados. Uma face mostra a bondade e na outra, a severidade que se faz necessária, manifestada com a espada e com justiça. Fazer justiça com compaixão. Madeira e metal. Muitas vezes é necessário se expressar bondade de um modo que a execução de um homem extremamente perigoso e nocivo aconteça não como uma punição mas como compaixão. Com essa sentença, o executado poderá praticar menos Karmas negativos para consigo mesmo e fará menos mal aos outros, trazendo menos sofrimentos também para si próprio na sua própria vida.
Dentro do Taoísmo, encontramos cerimônias, rituais invocando justiça e compaixão, trazendo a restauração do equilíbrio. Os mestres recomendam que esse trabalho seja feito com muita cautela, com absoluta transparência interior. Não se faz isso por si próprio, nem para satisfazer o ego ou qualquer outra necessidade pessoal, menos ainda como reflexo de algum complexo interior. Somente se anulando a personalidade, a intenção pessoal, transparente e sem pensamentos, é que se poderá executar a justiça.
Esse conceito muito influenciou a arte marcial oriental. Na arte marcial comum, normalmente se enfatiza a importância da ira e da violência no momento da luta. É preciso explodir a raiva pela emoção para bater e assim se bate com mais força. Na arte marcial chinesa, não se deve ter qualquer sentimento em relação ao adversário. Nem raiva, nem pena - nem gosta nem desgosta. Apenas executa-se o golpe, sem sentimentos, sem ira, sem palavras interiores.
Inspiradas nesse conceito filosófico, podemos ver nas práticas de artes marciais chinesas e japonesas o não-julgamento. Não pensar nem julgar. Na hora de fazer não existe o pensar. Isso influenciou muito o pensamento Zen no campo da arte. Pintar sem se premeditar o que se vai pintar. Escrever sem se premeditar o que se vai escrever. Simplesmente na hora, no vazio, surge uma expressão.
Através da meditação em que a pessoa se esvazia por inteiro interiormente, a criação e a expressão sem intenção são colocadas. Da não-ideia nasce a idéia pura. Do não-pensamento nasce o pensamento puro. Da não-intenção nasce o gesto puro. Esse é exatamente o fundamento do Taoísmo. Diz-se, então, que quem age com a ação não-intencional poderá agir em qualquer circunstância. Quem tem intenção de fazer alguma coisa, só poderá fazer aquilo que intui ilimitadamente.
O Taoísmo nos propõe vivermos com discernimento, sem julgamento, sermos bondosos e justos, sermos polidos e sábios, dessa maneira, tornando-nos a própria fidelidade. Para confiarmos e sermos confiados. Confiando nas Divindades para que elas nos ajudem e nos dêem a capacidade de nos transformarmos. A força sagrada vem de cima para nós e nós ascendemos até ela. As Divindades nos estendem as mãos e nós, em retorno. Forma-se, então, uma corrente ininterrupta vindo do infinito passado até hoje - que se chama A Tradição. A Tradição Espiritual Ininterrupta.
Chamamos uma Tradição Espiritual de religião viva quando nunca, em nenhum momento, houve uma desconexão, uma interrupção de geração após geração, de homem para homem, de mestres para discípulo, de homem para Divindade, de Divindade para homem, assim ligados de cima para baixo. Quanto maior essa corrente for, maior a força da Tradição, maior a força da Egrégora. Egrégora quer dizer a aglomeração das forças espirituais, um conjunto de forças espirituais. Todas as religiões possuem um conjunto de forças espirituais e uma quantidade de discípulos de mãos dadas, geração após geração.
Em seguida, Lao Tse diz:
O excesso de conhecimento conduz ao esgotamento
E não é melhor do que manter-se no meio.
“Excesso de conhecimentos” significa excesso de pensamentos, de julgamentos. Em cada julgamento, cada pensamento que temos, nossa consciência é consumida, transformando nossa consciência pura em consciência maculada. Perdemos então a infinitude da consciência pura e passamos a ter o pensamento finito. Quanto mais pensamentos, maior julgamento, menos consciência. Quanto mais atividade mental, menos consciência. essa é uma questão que as pessoas não estão acostumadas a ouvir. Para a maioria das pessoas, uma pessoa consciente é aquela com a cabeça cheia, que pensa muito e portanto, é muito consciente. Não. A consciência não tem nada a ver com a quantidade de pensamentos. O pensamento não é uma consciência. o pensamento, muitas vezes, atrapalha a consciência. Quem tem consciência pode ter o pensamento como instrumento de trabalho. Para quem não tem consciência, o pensamento torna-se um instrumento que atrapalha. Para a consciência, o pensamento é um instrumento de trabalho.
“Manter-se no meio” significa não ficar excessivamente de um lado ou de outro mas sim procurar um ponto de equilíbrio. Saber ter a bondade e a justiça ao mesmo tempo. Saber usar o pensamento e não ser prisioneiro deste. Saber discernir as coisas sem o julgamento do ego. Esse é o ponto do equilíbrio.
Como alcançar este ponto de equilíbrio?
É preciso ter o vazio interior feito o espaço entre o Céu e a Terra. Como um fole que está constantemente usando a energia da consciência, do sentimento e a energia do corpo físico. E, para tanto, é preciso não se ter qualquer julgamento. Como o Céu e a Terra não julgam e tratam todas as coisas como cães de palha. O Homem Sagrado não tem julgamento e trata todos os seres como cães de palha porque seu coração é um vazio e sem erros. Ele está sempre o ponto de equilíbrio e é capaz de usar o pensamento sem ser prisioneiro do pensamento. Ele utiliza o sentimento sem ser prisioneiro do sentimento e usa seu corpo físico sem ser prisioneiro do corpo físico.
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TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 5
do Tao Te Ching, de LAO TSE,
POR WU JYH CHERNG
Transcrição de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1994
Esta Aula foi dividida em duas partes:
A Primeira Parte trata sobre a Comemoração do Nascimento do Sagrado Guerreiro, Kuan Pi
A Segunda Parte trata sobre O Capítulo 5 do Tao Te Ching
Transcrição e Síntese de Janine Milward
A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo.
Nesta mesma Editora, encontra-se a
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching