Quem valoriza a palavra, realiza a obra sem deixar rastros




TAO TE CHING
O Livro do Caminho e da Virtude
Lao Tse, o Mestre do Tao


Capítulo 17

Do supremo, o inferior tem apenas ciência da existência
Do estado que o sucede, intimidade ou admiração
Do estado seguinte, temor ou desprezo
Não havendo suficiente confiança, surge a desconfiança

Quem valoriza a palavra, realiza a obra sem deixar rastros
Assim, o povo achará que surgiu por si, naturalmente



Interpretação de Janine Milward



A Terra é um lugar absolutamente privilegiado para acolher a Vida, não é mesmo? Aqui, através dos milhares e milhares de anos, houve a evolução da vida assim como a conhecemos até os dias de hoje. Aqui, o homem tem sua verdadeira oportunidade de desenvolver sua mente, de realmente se tornar o Caminho do Meio entre o Céu e a Terra. Aqui, temos a honra de podermos optar por seguirmos os Caminhos da Iluminação e da Liberação através a infinitização e iluminação da consciência e da vida...


No entanto, sendo um planeta de plenitude de materialização, a Terra é um lugar de Trabalho e de Iluminação sim, mas que cobra, e cobra muito por estas nossas encarnações, poro toda essa natureza e seres que compõem este Planeta.


A Terra é um lugar bastante rico pois possui ouro, muito ouro. O ouro é um material muito escasso em todo o universo que conhecemos. Dentro da Cosmologia Espiritual, é exatamente a Terra um lugar a Meio Caminho a Caminho do Céu..... por possuir ouro, é aqui que o homem se torna Homem Sagrado em seu Corpo de Luz, ou corpo reluzente como o ouro do espírito.


E é por isso mesmo que a Terra, espiritualmente falando bem como materialmente pensando, é um planeta que traduz a necessidade do Trabalho não apenas no sentido de todos os seres buscarem e atuarem em relação às suas sobrevivências mas também no sentido de irem evoluindo plenamente dentro da amplitude da materialização. E todos sabemos que Luz é Matéria. Por isso, a Terra é um Planeta privilegiado porque proporciona aos seus sêres e à sua natureza, a evolução da vida, o desenvolvimento da mente, a infinitização e iluminação da consciência e posteriormente também da própria vida, da própria matéria.


No entanto, por estar assim tão embasada dentro de sua intrínseca materialidade, de uma maneira geral, a Terra produz seres pensantes, homens que usam suas mentes apenas para entenderem que a vida existe por si mesma, somente para nutrir a sua própria materialidade, ausentes de espiritualidade, de verdadeiro contacto, da plena fusão entre o Céu e a Terra.


Assim, de uma maneira geral, existe uma certa confusão entre o trabalho e o Trabalho a serem realizados neste planeta de encarnação. E, fundamentalmente, existe um imensa confusão entre iluminação e Iluminação a serem alcançadas nesta vida...


Nosso trabalho é aquele que nos traz o ouro que precisamos para trocar pela nossa sobrevivência, aquilo que nos diferencia dos animais, que trabalham naturalmente, buscando por uma natural sobrevivência, sem estarem atados ao ouro e seu pseudo valor....


Nosso Trabalho (com t maiúsculo) é aquele que faz de nossa vida realmente válida de ser vivida, no sentido de ajudarmos uns aos outros a sobreviverem e viverem suas vidas, no sentido de exercermos o verdadeiro valor da palavra Servir. É por isso que estamos todos aqui reunidos nesse Planeta.


Nossa iluminação é aquela que nos é traduzida como cultura, como aprendizado, com troca de informações e comunicações, como a riqueza do desenvolvimento da mente no sentido de aprender e apreender cada vez mais sobre o universo que nos rodeia e como lidarmos com esse aprendizado, como vivenciarmos nossa vida dentro do Planeta Terra.


Nossa Iluminação (com i maiúsculo) é aquela que nos é traduzida, não apenas através do pseudo saber que os livros e toda a tecnologia dos dias de hoje podem nos oferecer e ensinar, mas fundamentalmente, a Iluminação de nossa mente, de nossa consciência no sentido de sua infinita amplitude, de sua profunda luz, de sua possibilidade de ir apreender a sabedoria do Tao da Natureza – usando menos o racional e mais as verdades brotadas a partir do mundo da interiorização, da meditação, da fusão do Homem Sagrado com o Céu e a Terra.


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Assim, no Capítulo 17, Lao Tse vem nos confrontar com estas verdades planetárias – o trabalho e a iluminação.... O Trabalho e a Iluminação – e como podemos usar nossa mente tanto no sentido de apenas exercitá-la em sua materialidade de vida, dentro da riqueza da vida material bem com no sentido de vivermos nossa vida no Planeta sim, porém, voltados fundamentalmente e essencialmente para a nossa vida espiritual, para nossa riqueza espiritual.


Para tanto, o Mestre do Tao vai definindo as possíveis diferentes manifestações da inter-relação entre a vida material e a vida espiritual, para as mentes voltadas apenas para a materialidade e para as mentes já começando a buscar seu desenvolvimento dentro do caminho da espiritualidade.


Do supremo, o inferior tem apenas ciência da existência

Do estado que o sucede, intimidade ou admiração
Do estado seguinte, temor ou desprezo

Então, existem as pessoas que possuem a ciência da existência da espiritualidade.... existem aquelas que não apenas possuem essa ciência, com também exercem uma vida já voltada para a intimidade ou admiração do mundo espiritual. E existem aquelas pessoas que se amedrontam ou que revelam seu desprezo em relação à tudo aquilo que não seja tangível, materializado, concretizado, dentro do Mundo da Manifestação...


Penso que também Lao Tse não apenas está confrontando os dois mundos: da materialidade e da espiritualidade. Ele está nos dizendo que, mesmo dentro do mundo da espiritualidade, existem graus mais elevados ou menos elevados de compreensão da verdadeira espiritualidade.


Sabemos todos que é o Mundo da Não-Manifestação ou Céu Anterior, o Wu Wei, que faz nascer de si mesmo, com sua imagem de desejo, o Mundo da Manifestação ou Céu Posterior, o Tai Chi, através suas realizações concretas do Yang e do Yin, da Luz e da Não-Luz, do masculino e do feminino.


Lao Tse segue em sua jornada e nos revela, já na estrofe seguinte:


Não havendo suficiente confiança, surge a desconfiança


Ainda se voltarmos um pouco para a primeira estrofe, em sua primeira linha, veremos que a palavra ‘supremo’ não está escrita com s maiúsculo. Penso que Lao Tse ali demonstra que as pessoas estão confusas, ainda distantes da verdadeira espiritualidade. E é por isso que o Mestre inicia a segundo estrofe ainda nos chamando atenção para o fato de que ‘não havendo suficiente confiança, surge a desconfiança’. Ou seja, se a espiritualidade que o homem, através de sua mente, não for desenvolvida em sua verdadeira amplitude espiritual e sim apenas em sua possibilidade de materialização, não se está tratando ainda da verdadeira espiritualidade advinda do Mundo da Não-Manifestação, apenas um prólogo, um ensaio, um simples s minúsculo para se falar do supremo.


Quando surge a verdadeira espiritualidade, quando o homem se torna o Homem Sagrado plenamente fusionado ao Tao da Criação, trilhando seu Caminho da Iluminação e da Liberação, com mente iluminada e infinita e vida infinita e iluminada, aí sim, aí não existe lugar para a desconfiança, aí existe apenas a plena confiança.....


Quem valoriza a palavra, realiza a obra sem deixar rastros


A verdadeira confiança surge da verdadeira espiritualidade – que Lao Tse, neste Capítulo 17, chama de ‘a palavra’. Valorizando a espiritualidade, o Homem Sagrado realiza sua vida de Trabalho e de Iluminação neste Planeta, com verdadeira humildade – virtude máxima do Tao e do Te, o Caminho e a Virtude. Nesse caso, aqui também ‘a palavra’ surge como aquela que parte do Mestre e do Tesouro do Espírito, o Conhecimento das verdades do Céu e da Terra.


Por isso, o Mestre nos diz que o Homem Sagrado ‘realiza a obra sem deixar rastros’ bem como em vários outros Capítulos também teremos a oportunidade de nos depararmos com o conceito da plenitude da realização dentro da absoluta humildade.


Por que?


 Porque, Assim, o povo achará que surgiu por si, naturalmente.

Com um abraço estrelado,
Janine Milward

Foto: Sítio das Estrelas
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TAO TE CHING
O Livro do Caminho e da Virtude
Lao Tse, o Mestre do Tao

Capítulo 17

Interpretação de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior
e hoje é publicada pela Editora Mauad, São Paulo.

Na Editora Mauad, São Paulo, Brasil,
encontra-se   a realização da publicação
das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching

Somente eu estou introspectivo, Indefinido como uma infinita noite silenciosa




TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 20
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 08 de novembro de 1994



Capítulo 20


No ensinamento pela supressão não há preocupações

Entre aceita e repudiar, qual a diferença?
Entre apreciar e desprezar, qual a distância?
O que os homens temem, poderiam não temer?

Abandone isso antes que se esgote!

Os homens se agitam como um festejo na grande prisão
Ou como subir à varanda na primavera

Meu corpo não tem expressão
Como uma criança antes de nascer
Como a estrela Kuei que não tem onde se apoiar

As pessoas todas possuem em excesso
Somente eu aparento estar perdendo
Sou como um ignorante que tem o coração puro

Os medíocres vivem lúcidos
Somente eu aparento estar confuso
Os medíocres vivem lúcidos
Somente eu estou introspectivo
Indefinido como uma infinita noite silenciosa

As pessoas todas têm um ego
Somente eu o ignoro considerando-o precário

O que quero que me distinga dos demais
É valorizar o alimentar-se da Mãe.





“O ensinamento pela supressão” refere-se ao ensinamento que é capaz de cortar os vícios, os apegos às formas, os apegos aos desejos, os apegos aos vícios.  Desse modo, podemos nos libertar desses laços que impedem a expressão de nossa liberdade, que nos impedem de viver uma consciência mais plena, que nos impedem de ter uma fluidez em nosso destino.

Quando Lao Tse diz

No ensinamento pela supressão não há preocupações

, nos mostra que é necessário que recuperemos nosso caminho e nossa virtude, que recuperemos nosso caminho espiritual e que vivamos esse caminho naturalmente.


Em seguida, Lao Tse faz uma série de análises.  Ele questiona:


Entre aceitar e repudiar, qual a diferença?
Entre apreciar e desprezar, qual a distância?
O que os homens temem, poderiam não temer?


Basicamente, Ele quer dizer que entre aceitar e repudiar, não há diferença.  Entre apreciar e desprezar, não há distância.  E aquilo que os homens temem, também nós devemos temer.

O que significa aceitar e repudiar?  Aceitar é o que gostamos e repudiar é o que não gostamos.  Tanto aceitar como repudiar são formas de apego.  Então, dentro da condição do apego, aceitar ou repudiar são a mesma coisa..... mesmo que muitas vezes nós consideremos que aceitar é uma virtude e repudiar é um defeito.

Também, muitas vezes consideramos como qualidade uma pessoa que sabe apreciar as coisas... tudo o de bom e do melhor no mundo... e consideramos algo ruim com desprezo.

Se uma pessoa consegue apenas apreciar e não desprezar ou uma pessoa que só consegue desprezar - essas pessoas vivem nas polaridades, nas extremidades: um lado como antítese do outro.  Por isso, Lao Tse diz que não há distância entre apreciar e desprezar.  Ambos estão no mesmo ponto.  Não há diferença entre aceitar e repudiar porque são dois lados da mesma moeda. 

É preciso, portanto, estar acima do apreciar e do repudiar, do aceitar e do desprezar para se poder ter discernimento. 

O discernimento não é julgamento.  Julgamento é exatamente aceitar ou repudiar, apreciar ou desprezar.  Discernimento é saber fazer a escolha certa simplesmente sem que essa escolha crie uma série de reboliços ou murmúrios interiores.  É saber fluir no destino: quando é necessário fazer uma escolha, uma opção, simplesmente optar pelo caminho que é natural, que é melhor, que é conveniente para a pessoa que está vivendo aquele momento, aquele instante, aquela situação.  Fazer a opção sem cultivar remorsos posteriores.  Fazer a opção sem temor antes, sem medo de escolher o caminho da direita ou da esquerda... o que vai acontecer?  É preciso fluir no destino e simplesmente fazer aquilo que deve ser feito e, depois de ter  feito, não ficar mais remoendo...

Mestre Maa sempre diz que não devemos ficar preocupados antes de fazer uma coisa e não ficar remoendo, arrependidos, por aquilo que já foi feito.  O que é preciso é na hora de fazer tomar uma atitude consciente e seguir em frente, simplesmente.

Dessa maneira, nós podemos viver a cada instante e não viver com antecipação e nem viver o passado que já se foi.  Se uma pessoa a cada instante ficar questionando o que fez no passado, estará esquecendo de viver o presente.  Se uma pessoa ficar antecipando algo que ainda não aconteceu, também não estará vivendo o presente.  O que então acontece?  A pessoa vive sempre com a consciência deslocada no passado ou no futuro, fóra da realidade, fóra do presente.  Assim, vive-se um longo tempo da vida sem grande parte da vida ter sido realmente vivida.


O que os homens temem, poderiam não temer?

 Normalmente, o que mais se teme são a vida e a morte.  Considerando a infinitude e a constante transmigração da alma, nós temos vida encarnada e vida desencarnada.  Uma pessoa que não está viva, está morta.  A vida desencarnada também desenvolve um temor pela nova vida que irá encarnar.  Igualmente, uma pessoa que está vida, diante da morte, fica incerta e com temor diante da nova vida que irá enfrentar.

Até o realizador da Alquimia, aquela pessoa que segue o caminho espiritual, também tem o temor do desconhecido, apenas que este temor é de diferente qualidade.  Uma pessoa que não segue o caminho da iluminação da consciência teme simplesmente pelo desconhecido que virá em frente.  Uma pessoa que segue o caminho da Consciência Iluminada, não teme pelo desconhecido à frente mas sim teme pela repetição infinita desse desconhecido que virá a viver ainda outras vezes.  O temor, nesse caso, é que tenha que repetir tudo de novo.

É necessário, então, que dentro de nossas vidas nos esforcemos o mais possível para alcançarmos um maior grau, um grau mais alto de iluminação para que nossa caminhada cada vez se desenvolva em direção a uma dimensão mais elevada e mais iluminada.


Em seguida, Lao Tse diz:

Abandone isso antes que se esgote!

 Ou seja, antes de esgotar a vida.

Antes de virmos para essa vida, nós nascemos com um monte de sementes transmigratórias que trouxemos de outras vidas.  Essas sementes são como cristaizinhos concentrados de nossa alma desidratada de outras vidas.  Nós viemos com mil apegos, vícios, frustrações, costumes, hábitos, mil loucuras, mil felicidades, mil desejos; e quando chega a hora da morte essa grande aglomeração de memórias que se chama “alma humana” vira cristaizinhos.  Esses cristaizinhos são como se fosse a água salgada do mar, que se desidrata.  Quando esses cristais são jogados dentro de uma nova água, com o tempo acabam se diluindo fazendo com que essa água se torne novamente uma água salgada.

Um bebê recém-nascido traz as memórias de suas vidas passadas ainda em forma de cristaizinhos, ainda não manifestas com intensidade e com amplitude.  Numa água bastante límpida são colocados os cristaizinhos, e conforme a vida vai acontecendo, com a ansiedade e com as aflições, a água límpida começa a aquecer os cristais e a dissolvê-los.  A água vai ficando mais e mais salgada.  Essa água límpida do princípio é a nossa Pura Consciência.  Ao incorporarmos mais e mais questões de nossa alma de vidas passadas, a água vai ficando turva,  grossa e salgada, ressuscitando todos os vícios passados - mesmo que não tenhamos consciência disso - e nossa vitalidade vai se reduzindo.

Enquanto nós vivemos, essa consciência da água junto com a alma vai podendo ser trabalhada através de um processo espiritual.  Esse processo espiritual vai filtrando e jogando fóra esse sal, tentando recuperar a água límpida e pura.  No entanto, se isso não for feito a tempo e se não for realmente feito, teremos que encarar uma outra morte e carregar todos esses cristaizinhos novamente para uma outra vida.  Também é possível que esse punhado de cristais aumente ou reduza - dependendo de como a vida foi vivida.

Por isso, Lao Tse diz que antes de esgotarmos nossa vida, devemos abandonar o mais rápido possível, os vícios da alma do passado através de um caminho espiritual.  O caminho espiritual é o Caminho da Conscientização.  Não é uma conscientização racional mas sim um processo que faz com que a nossa Consciência Pura cada vez mais se amplie, cada vez mais se torne iluminada, nos trazendo uma limpidez interior.  Não é um fenômeno de ver luzes e sim de trazer para nós uma lucidez diante de cada acontecimento de nossa vida.  Lucidez de atitudes em relação  a nós mesmos e em relação a todas as coisas em torno de nós.  Lucidez para podermos enxergar e ver as coisas e compreendê-las.

Dentro do Taoísmo, devemos trabalhar para que as pessoas que têm menos condições possam ter alguma chance de se iluminar.  Num mosteiro tradicional taoísta, existem três rituais diários: pela manhã, o ritual da purificação; ao meio-dia, o ritual da oferenda; e à noite, o ritual da distribuição.  Neste último, a distribuição é feita para aquelas pessoas que estão abaixo da condição humana de uma pessoa viva, ou para pessoas que estão no mundo da obscuridade, ou para pessoas que estão muito próximas de nós mas que não conseguem enxergar, tomar contato com a luz.  O Ritual da Distribuição é realizado para beneficiar esses seres.


Em seguida, Lao Tse diz: 

Os homens se agitam como um festejo na grande prisão
ou como subir à varanda na primavera

Isto quer significar que somos prisioneiros do mundo físico, somos prisioneiros de nossos hábitos, costumes, apegos e vícios e não percebemos isso, continuando num estado de festejo e esses festejos nos levam a não termos a consciência da realidade.  Festa é algo fóra da rotina.  A festa nos leva para fóra da realidade.  Às vezes, estar fóra da realidade serve terapeuticamente como alívio: naquele momento estamos isolados temporariamente dos problemas.  No entanto, de uma maneira geral, os seres humanos passam suas vidas como se estivessem dentro de uma festa para não verem a realidade e, conseqüentemente, não precisarem trabalhar essa realidade.

Tudo o que é difícil a gente tem a consciência de quer jogar fóra;  mas tudo o que é  fácil a gente não quer  jogar fóra.  Se jogarmos fóra aquilo que consideramos agradável, podemos ser tachados de loucos.  Por isso, a frase: “Entre apreciar e desprezar, qual a distância?”  Não há distância alguma: é o apego pelo repúdio ao desagradável ou o apego por aquilo que sentimos como agradável.  Ambos fazem parte da grande  festa dentro de uma prisão ou ambos fazem parte da grande festa da primavera.


Até este momento, Lao Tse estêve falando da pessoa comum.  De agora em diante, Ele estará falando em como seria o Homem Iluminado.

Meu corpo não tem expressão
como uma criança antes de nascer
como a estrela Kuei que não tem onde se apoiar


A  criança antes de nascer é um estado de caos primordial.  A criança dentro da barriga da mãe tem consciência mas não tem ego, ou seja, a criança tem consciência mas não tem uma consciência pensante, não tem uma consciência que julga, não tem uma consciência que gosta ou não gosta, de repudiar ou aceitar.  O Homem Sagrado, o Homem Iluminado, o Imortal, é o homem que vive - apesar de já nascido e crescido - como um bebê antes de nascer.  Ele tem consciência mas não tem julgamento; ele tem discernimento, faz escolhas, opções, come, bebe, caminha, trabalhar; faz o que precisa ser feito apenas com a consciência mas não com a mente.  Mente e julgamento são frutos do ego.

O ego encarna na véspera do nascimento e anterior a esse período, a alma ainda não existe no bebê, apenas o espírito.  A partir do momento da fecundação, entra uma consciência dentro da barriga da mãe.  Essa consciência é a consciência universal.  O corpinho do bebê ainda está sendo preparado para a recepção da alma que entra na véspera do nascimento.  Enquanto a alma não entra, o corpo do bebê é genuíno e tem uma consciência pura.

Igualmente, quando a alma entra dentro do corpo do espírito após o nascimento, podemos atrair um trabalho espiritual que limpe a nossa alma - ficando apenas com o espírito - e então retornamos ao estado de quando éramos bebês, antes do nascimento.  Por isso, Lao Tse diz: “Meu corpo não tem expressão” -  é o corpo do caos primordial.  Esse corpo não é somente o corpo físico e sim refere-se à totalidade do ser porque somos múltiplos corpos um dentro do outro, interpenetrando-se, formando um universo microcósmico.

Lao Tse diz que este estado é  como se fosse “a estrela Kuei que não tem onde se apoiar”.  A estrela Kuei é a Alfa da Ursa Maior.  O centro do céu no hemisfério norte é ao lado da estrela Polar, na constelação da Ursa Menor - que está ao lado da constelação da Ursa Maior.

Durante as quatro estações do ano, a Ursa Maior vai apontando como se fosse um ponteiro de relógio em direção e em torno desse centro do céu.  É um ponto sempre  apontando para frente, a estrela Kuei.

Quando Lao Tse diz que o Homem Sagrado não tem expressão, anula seu ego e não se apóia em nada, apóia-se no vazio do centro do céu que tem todas as suas expressões manifestadas em torno desse vazio do centro.

As sete estrelas da Ursa Maior correspondem aos sete níveis de consciência, aos sete aspectos psicológicos, aos sete centros energéticos; e assim por diante.  Vemos  então, esse ponto de luz fazendo um movimento sobre o ponto inicial do céu.  A Alfa da Ursa Maior não está apoiada em nada.  Igualmente, a consciência do Homem Sagrado apoiai-se no Vazio do Absoluto.  Não se apóia no ego, nem se apóia no pensamento, nem no julgamento, nem em nada... e por isso todas suas atividades racionais, mentais, emocionais e físicas giram em torno de um grande vazio de uma maneira absolutamente de acordo com a ordem cósmica.

Não quero dizer que o Homem Sagrado não tenha emoção, nem pensamentos, nem sentimentos.  Apenas que, estas emoções, estes pensamentos e estes sentimentos são pura expressão do Vazio.  Nada nasce do ego, não tem sensações que se apóiem no ego, não tem pensamentos que se apóiem nas vidas passadas, na vida presente ou na vida futura.  Não tem conceitos nem preconceitos, etc.  Tudo é simplesmente pura expressão,  feito a luz da estrela que nasce do Vazio, a expressão da Consciência Pura.

Nos textos esotéricos do Taoísmo se diz que temos três almas e sete corpos.  A Ursa Maior tem sete estrelas e dois complementos.  Os complementos são estrelas não muito iluminadas.  Na astrologia chinesa bem como na astronomia moderna, dizem que ao fundo da estrela Kuei existe uma antítese de si mesma, uma estrela negra, ou seja, existe um ponto que não é uma estrela física, que é representado pelo Yin.  São pontos de forças Yang versus a escuridão Yin.  É um ponto de força como se fosse a Lilith da astrologia.

Podemos então trabalhar os sete corpos que existem dentro de nós e o primeiro corpo é exatamente a Alfa da Ursa Maior, que é a estrela Kuei.  O que é Alfa?  Alfa é a consciência primeira e é o corpo mais sutil dos sete corpos.  O corpo mais denso é o último/sétimo corpo e é o corpo físico.

Na magia exorcista taoísta, uma das maneiras de trabalhar é com a sétima estrela, ou seja, trabalha-se até o nível físico.  Existe uma divindade que tem oito braços e três rostos, seu corpo é azul e usa um colar grande cheio de carreiras e representa a sétima estrela.



Em seguida, Lao Tse diz:

As pessoas todas possuem em excesso
somente eu aparente estar perdendo
sou como um ignorante que tem o coração puro


As pessoas estão sempre querendo mais e mais.  Normalmente, nós  possuímos em excesso, fisicamente, emocionalmente, mentalmente.  Estamos sempre assimilando coisas.  Mesmo que sintamos que nossa vida afetiva é uma desgraça, essa “desgraça” é algo que não precisamos mas que assimilamos porque dizemos que nossa vida afetiva é uma desgraça.  Muitas vezes pensamos que estamos repudiando e assim retornamos à frase inicial “Entre aceitar e repudiar, qual a diferença?”.  Quando aceitamos, estamos assimilando algo.  Quando repudiamos, também estamos assimilando algo para nós.  Apenas que no primeiro caso, estamos assimilando algo que gostamos e no segundo, estamos assimilando algo que não gostamos.  Pensamos que não estamos assimilando aquilo que não gostamos; mas, a partir do momento que detestamos alguma coisa, teremos essa coisa em nosso lado Yin e não do lado Yang.  Apegar-se ao lado negativo e apegar-se ao lado positivo, é a mesma coisa, é o mesmo apego.  O apego é um vício muito difícil de ser jogado fóra.

Quando aparentemente o Homem Sagrado está perdendo as coisas da vida, na verdade, ele está preservando o Caminho da Consciência.  Por isso, Lao Tse diz: “Sou como um ignorante que tem o coração puro”.  O coração puro é aquele que abraça a Consciência Pura dentro de si.  Muitas vezes é bom aprender a ser bobo, a parecer ignorante.  Uma pessoa que tem a tranqüilidade da vida interior, passa por situações que outros podem achar que são situações humilhantes ou ridículas.  No entanto, para aquela pessoa, não faz a menor diferença.


Os medíocres vivem lúcidos
somente eu aparente estar confuso
os medíocres vivem lúcidos
somente eu estou introspectivo
indefinido como uma infinita noite silenciosa


Neste trecho, Lao Tse é um poeta.

Os medíocres são aqueles que não são nem iluminados nem ignorantes.  Ignorantes são aqueles que não têm luz suficiente nem para serem lúcidos.  Os Iluminados não são lúcidos, são simplesmente transparentes, quietos.  Nós, por exemplo, somos os medíocres - pessoas medianas.  Medíocre pode ser uma palavra muito forte.

Não somos os ignorantes que nada vêem - mas também não sofrem e não sabem o que está acontecendo.  Não somos iluminados que são aqueles que não sentem sofrimentos apesar de viverem toda a realidade que vivemos.

O tempo inteiro somos espertos, estamos ‘ligados’: isso é um estado de lucidez.  Isso é um desgaste da consciência pura.  Todo o tempo estamos transformando consciência pura em atividade mental, em atividade racional ou atividade emocional.  Isso é um desgaste da consciência pura: estamos gastando nosso combustível espiritual chamado Consciência Pura.


Somente eu aparente estar confuso


O Homem Sagrado de consciência iluminada é aquela pessoa que parece estar confusa porque não tem o tempo todo que estar determinando coisas.  Aparenta estar confuso mas não é confuso.  Como Mestre Maa diz, devemos aprender a ser ignorantes - não na realidade e sim na aparência.

Quem segue o caminho do Tao tem a consciência interiorizada, é mais introspectivo, gasta menos tempo com coisas desnecessárias da vida.  O Homem Sagrado vive o caos primordial aqui definido como “uma infinita noite silenciosa”.

Imaginemos uma noite silenciosa e infinita, com tranqüilidade e calma.  É assim o estado da meditação.  Quando meditamos, colocamos a consciência dentro de um processo de introspecção para entrarmos num estado de uma infinita noite silenciosa onde tudo é tranqüilo, tudo é silêncio, tudo é quieto e harmonioso; onde não há a agitação do pensamento ou da emoção, onde não existem preocupações, onde existe apenas uma paz interior.

O infinito é a ausência do tempo.  Num estado de infinitude, não há tempo.  É constante.


As pessoas todas têm um ego
somente eu o ignoro, considerando-o precário


O ego cria a personalidade.  O Homem Sagrado considera o ego como algo muito precário.  Todos nós temos ego.  Algumas pessoas chamadas de talentosas, brilhantes, excepcionais, são pessoas que praticam o ego.  São pessoas ofuscantes, fóra do convencional e sabem se destacar: são pessoas com muito ego.

O Homem Sagrado acha que o ego é algo muito precário.  Acima disso está a ausência do ego.  Por isso, o Homem Sagrado joga o ego fóra.


O que quero que me distinga dos demais
É valorizar o alimentar-se da Mãe


Alimentar-se da Mãe é alimentar-se daquilo que deu origem.  É uma concepção matriarcal.  Significa alimentar-se do Sopro-Uno-do-Céu-Anterior: alimentar-se da energia que criou o universo.

Na cosmogonia taoísta se considera que antes de o universo existir, teria sido criado por uma energia que chamamos de Sopro-Uno-do-Céu-Anterior.  Essa é a energia do Absoluto.  É o estado entre o Vazio do Absoluto e a matéria já manifestada do Céu Posterior.  Este Sopro-Uno-do-Céu-Anterior é o fruto da Mãe.  É o Vazio primordial, o  Vazio do Absoluto e esse alimento que a Mãe oferece é exatamente a energia primordial que criou todas as coisas.

Na prática da meditação, tentamos entrar no silêncio da infinita noite para podermos receber esse sopro chamado Sopro-Uno-do-Céu-Anterior, para sermos renovados e re-criados.  Essa energia, quando entra em nosso corpo, cria o fenômeno chamado de Rodas do Moinho.  As Rodas do Moinho vão varrer os cristaizinhos do nosso ego para renascermos e renovarmo-nos.



Quando falamos da criação do universo, estamos falando simbolicamente, como uma maneira de falar.  Na verdade, o universo nunca foi criado porque sempre existiu.  Também o Criador não existiu antes de sua Criação.  Todos existiram em todos os tempos, passado, presente e futuro.

O que existe, existe entre o Universo e o Vazio e que abrange tudo: é um estado intermediário que liga o Universo e o Vazio, que não é totalmente Vazio e nem é totalmente manifestado.  Essa é a energia que seria a ‘criadora’ do Universo.  O Universo se alimenta dessa energia.  Essa energia faz parte do Vazio e faz parte do Universo.  São três energias do Universo que co-existem dentro de um estado de infinitude: o Universo não tem princípio nem tem fim.

Portanto, quando se pergunta acerca o começo do universo, não haverá resposta porque não deve ser feita a pergunta.  Se o universo nunca foi criado e nunca terá fim, se não tem princípio e não tem fim, não se pergunta o por que e o como se criou o universo.

Aos filósofos, místicos, religiosos e cientistas, a nossa resposta é de que “não se pergunta desta maneira”.

Não se diz que o universo se criou a partir de algo que era o nada.  Surge, então, a questão do porquê se criou o Universo.

O Absoluto criou o Universo...  No entanto, o Absoluto não criou o Universo porque o Universo sempre existiu.  O Universo faz parte do Absoluto - que é o próprio Universo - que é o próprio Absoluto.

Tecnicamente, esse Universo se alimenta do Sopro-Uno-do-Céu-Anterior e é abraçado pelo Absoluto.  Portanto, o Absoluto abraça o Supro Uno, o Sopro Uno abraça e nutre o Universo.  Os três juntos são Um.  E não têm tempo nem espaço e não podem ser definidos.

Portanto, não se explica.



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Foto: Sítio das Estrelas




TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 20
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 08 de novembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward
Foto: Sítio das Estrelas


A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se 
a realização da publicação, as interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching