O Pequeno Caminho e o Grande Caminho




O Pequeno Caminho e o Grande Caminho

Janine Milward

Eu penso ser fundamental que aprendamos a olhar para o princípio, para o durante, e para o fim de tudo na natureza do céu e da terra, com o mesmo olhar... porque tudo, em verdade, faz parte de um ciclo... até a própria criação da Criação... - esse é o chamado Pequeno Caminho -  , e então orientar nossas ações e nossos passos voltados para a iluminação e infinitude de nossa consciência bem como a iluminação e infinitude de nossa vida - esse é o chamado Grande Caminho. 

O Pequeno Caminho existe dentro do Mundo da Manifestação, denominado de Céu Posterior, de tudo aquilo que podemos nomear enquanto Criação e sobre o qual temos linguagem para podermos nos expressar.  O Pequeno Caminho realiza um ciclo total, com princípio, meio e fim.  É um Caminho estruturado na duração, nos ciclos em eterna mutação.

O Grande Caminho existe dentro do Mundo da Não-Manifestação, denominado de Céu Anterior,  onde não existe qualquer possibilidade de alcance de linguagem que possamos usar para nos expressar.  O Grande Caminho não tem princípio, não tem meio e não tem fim - porque pode ser compreendido como o próprio Tao.  É um Caminho estruturado na constância.

Lao Tse nos alerta, em seu Capítulo 53 do Tao Te Ching, o Livro do Caminho e da Virtude, em termos de nossas escolhas para realizarmos nossa Caminhada:

Torne-me naturalmente firme e possuidor do saber
Percorrendo o Grande Caminho
Temendo apenas o desperdício

O Grande Caminho é bastante tranqüilo
Mas os homens gostam bastante de trilhas


A escolha entre um Caminho e outro tende a ser realizada através o Dharma do Caminhante, ou seja, o Dharma representa a essência essencial de cada um de nós - e posteriormente, esta escolha é confirmada a partir do Livre-Arbítrio (que é sempre também estruturado sobre o Dharma pessoal) que leva as ações serem realizadas efetivamente. 

Podemos também pensar que a escolha entre um Caminho e outro tende a ser calcada nos Karmas, ações, que o Caminhante traz para serem vivenciados e resgatados e exauridos nessa sua atual encarnação bem como seus Samskaras, ou seja, reações em potencial às ações realizadas e sintetizadas de vidas anteriores e também às ações realizadas nesta vida e apontadas ou para ainda serem resgatadas nesta vida ou para vidas posteriores.

O Dharma vem falar daquilo que traz maior alegria, maior felicidade, à vida do Caminhante - e isso acontece porque é algo que fala profundamente da raiz de seu ser, é sua essência essencial podendo ser vivenciada ao longo de sua vida; é como se fosse (e é) como uma lembrança suave advinda do mais profundo recôndito do coração, advinda de vivências sucessivas passadas, ou seja, de vidas passadas e sendo revivenciada esta lembrança, esta essência essencial do ser, também nesta vida atual. 

Se este Dharma é conscientizado o suficiente para superar os obstáculos, as vicissitudes impostas pelos Karmas e pelos Samskaras, o Livre-Arbítrio do Caminhante o leva a optar bem conscientemente sobre o Caminho que lhe é mais favorável de ser trilhado... - pelo menos, nesta sua encarnação de aqui-e-agora.

Existe O Caminho e o Caminhante elege seu Caminho de acordo com o nível que sua mente, sua consciência, acredita como o Seu Caminho.

            Lao Tse nos diz, ao iniciar seu Capítulo 41:

O homem superior ao ouvir sobre o Caminho
Esforça-se para poder realizá-lo
O homem mediano ao ouvir sobre o Caminho
Às vezes o resguarda, às vezes o perde
O homem inferior ao ouvir sobre o Caminho
Trata-o às gargalhadas
Se não fosse tratado às gargalhadas
Não seria suficiente para ser o Caminho

            E Ele desenvolve:

....................................
A iluminação do Caminho é como se fosse a obscuridade
O avanço do Caminho é como se fosse o retrocesso
.................................

            E o Mestre do Tao conclui:
....................................

A grande imagem não tem forma
O Caminho é invisível e não tem nome
Assim, apenas o Caminho é bom em auxiliar e concluir.


A bem da verdade, a única coisa que levamos de uma encarnação para outra é nossa mente que, por sua vez, ao longo de nossas vivências sucessivas e anteriores, vai acolhendo nossos Karmas, ações, e Samskaras, reações em potencial, a serem sintetizados e vivenciados e resgatados e exauridos nesta encarnação atual e em encarnações posteriores.

O Caminho da Iluminação (mente iluminada e infinitizada) ainda pressupõe que o Caminhante Caminhe Seu Caminho resgatando Karmas e Samskaras - assim como grande parte do Caminho da  Imortalidade ou Liberação.  A conclusão, no entanto, do Caminho da Imortalidade ou Liberação (vida iluminada e infinitizada) pressupõe que o Caminhante não mais pratique qualquer forma de Karma negativo e não tenha mais nenhum Samskara negativo a ser resgatado e vivenciado, ou seja, não existe mais qualquer elo que una este Caminhante - já considerado como Homem Sagrado - que o ate, que o enlace à Roda das Encarnações, a Samsara.

A Samsara, a Roda das Encarnações, a Roda da Vida, existe a partir das ações e reações em potencial que vão sendo praticadas e acarretadas pelo Caminhante.  No momento em que esta Roda das Encarnações se encerra, o Homem Sagrado torna-se um ser plenamente fusionado ao Tao, torna-se um co-criador da Criação sob o Tao. 

O Homem Sagrado pode vir a tornar-se um Bodhisattva em sua plenitude, ou seja, pode tornar-se aquele que retorna à Roda das Encarnações em função de seu desejo profundo e verdadeiro de trazer a Consciência do Despertar para o restante dos seres ainda adormecidos...

Todos os seres são Budas adormecidos.  E todos os Budas são homens despertados - sempre nos relembra Wu Jyh Cherng.

Eu penso que mesmo ao longo de nosso Caminho da Iluminação - e certamente ainda, em continuidade, ao longo de nosso posterior Caminho da Imortalidade ou Liberação -, existe a verdade de nosso desejo fundamental de nos tornarmos Bodhisattvas e de direcionarmos nossa vida neste sentido. 

Ou seja, o desejo de se tornar um Bodhisattva pode acontecer ainda quando o Caminhante está começando a tomar maior consciência sobre Seu Caminho - porque a tomada de consciência implica em começar a liberar-se da ignorância e pode levar o Caminhante a querer exercer a recém-iniciada e conhecida compaixão por todos os seres que ainda estão atados à escuridão da ignorância.

Lao Tse conclui seu Capítulo 22 do Tao Te Ching, o Livro do Caminho e da Virtude, nos dizendo:

Antigamente se dizia:  “Curvar-se permite a plenitude”.
Como poderiam ser palavras vazias?

Assim, ao alcançar a plenitude, encontra-se o retorno


Por tudo isso, o Mestre do Tantra Primordial e do Caminho da Bem-Aventurança, Srii Srii Anandamurti, nos relembra sobre o fato extremamente privilegiado de estarmos encarnados num Planeta de plenitude de materialização - porque Luz é matéria e é somente dentro da encarnação propriamente dita que podemos efetivamente vivenciarmos os Caminhos da Iluminação e da Liberação ou Imortalidade - e nos aconselha:

A vida humana é curta.
É aconselhável que tomemos todas as Lições
em relação à Sadhana o mais breve possível.

(Sadhana significa nosso trabalho do cotidiano no Planeta baseado na conscientização maior em relação à encarnação e sua Missão a ser cumprida, a meditação e o trabalho espiritual.  As Lições - ou Iniciações - normalmente acontecem entre o Mestre e o Discípulo ou através um Seu representante: são os conceitos em relação ao Caminho da Bem-Aventurança que são passados de boca para ouvido.)


É certo, no entanto, que para o Homem Sagrado, aquele que trouxe a conclusão real aos seus Caminhos da Iluminação e da Imortalidade ou Liberação,  outro Caminho se abre diante de si.... porém dentro de um nível instaurado muitíssimo acima da Roda das Encarnações - assim como a conhecemos dentro do Mundo da Manifestação - e certamente ainda atado ao ciclo eterno e de movimento que flui do Princípio Sutil para a Matéria plena e o retorno ao Princípio Sutil... - Somente o Tao é imutável - ... porém o Homem Sagrado torna-se um Co-Criador junto ao Tao da Criação.

Lao Tse nos diz, em seu Capítulo 40:

O retorno é o movimento do Caminho
A suavidade é a atuação do Caminho
Os seres sob o céu nascem da existência
E a existência nasce da não-existência.


 O Homem Sagrado torna-se um Caminhante que Caminha Seu Caminho já no Portal, no limiar entre os Mundos da Não-Manifestação e da Manifestação: é o Retorno à Fonte Primordial.

            Wu Jyh Cherng conclui sua aula de interpretação do Capítulo 22 de Lao Tse, nos dizendo:

“................................

No resumo, Ele diz:

Antigamente se dizia:  “Curvar-se permite a plenitude”.
Como poderiam ser palavras vazias?

Essa frase, dita há três mil anos atrás, provavelmente teria sido colhida por Lao Tse de um texto mais antigo.

Não é uma palavra vazia, é uma profunda sabedoria, o curvar-se.

Assim, ao alcançar a plenitude, encontra-se o retorno

Quem se realiza no estado da plenitude, volta ao ponto do início que diz:

Capítulo 22

Curvar-se permite a plenitude
Submeter-se permite a retidão
Esvaziar-se permite o preenchimento
...........................

Por isso, o Homem Sagrado abraça a Unidade
Tornando-a modelo sob o céu
....................................

Antigamente se dizia:  “Curvar-se permite a plenitude”.
Como poderiam ser palavras vazias?

Assim, ao alcançar a plenitude, encontra-se o retorno


No estado da plenitude encontramos a mesma humildade e simplicidade iniciais.

A plenitude é a infinitude.

Se alguém for capaz de encontrar a perfeição no ponto final, então não alcançou a plenitude - que é a própria infinitude.

A infinitude é algo que não tem fim.

Se entendermos a  infinitude como a plenitude - que não tem fim nem início - então a humildade e a maleabilidade do início, existirão no durante e no infinito - que não tem fim, não tem início e está em todos os momentos.  Por isso, é infinito.  Por isso, é pleno.

A plenitude sem humildade não existe.’


Sendo assim, é fundamental que o Caminhante se conscientize sobre O Caminho - mesmo porque tanto o Pequeno Caminho quanto o Grande Caminho pressupõem um longo tempo para ser trilhado, realmente, isso não acontece numa só encarnação... 

São necessárias muitas e muitas encarnações para que o Caminhante possa alcançar a conclusão de seu Caminho da Iluminação e mais outras tantas e tantas encarnações para que o Caminhante possa alcançar a conclusão de seu Caminho da Imortalidade ou Liberação....  E essas conclusões de Caminhos podem acontecer em níveis diferenciados, certamente, de acordo com o Dharma do Caminhante e sua escolha de Caminho, através seu Livre-Arbítrio e dos desígnios de seus Karmas e Samskaras nesta vida: nível inferior, nível mediano e nível superior.

Lao Tse nos diz, em seu Capítulo 64:

Uma longa jornada começa debaixo dos pés.
Ou, em outra versão:
Uma longa jornada  inicia-se no primeiro passo.

O Caminho encontra-se ‘debaixo dos pés’, apenas necessitando de sua conscientização.  A conscientização, então, leva o Caminhante a iniciar o ‘primeiro passo’.

No momento em que O Caminho é conscientizado, é preciso, então, que o Caminhante compreenda que “O Grande Caminho é bem tranqüilo.... Mas os homens gostam bastante de trilhas” - assim como nos faz lembrar Lao Tse, o Mestre do Tao.

Ou seja, podem acontecer derivações no Caminho (principalmente no Grande Caminho, fazendo com que o Caminhante deslize desse Caminho para se instalar no Pequeno Caminho...)

Lao Tse nos alerta, ao continuar seu Capítulo 53, sobre esta questão ao descrever situações cabíveis dentro do Pequeno Caminho ou nas derivações entre as escolhas de Caminho:

Governo com excesso de degraus
Campo com excesso de erva daninha
Armazém com excesso de vazios
Vestir bordados coloridos
Carregar espada afiada
Satisfazer-se comendo e bebendo
Possuir moedas e bens em excesso

Isto chama-se roubo e auto-encantamento
Roubo e auto-encantamento negam o Caminho


Seja para trilhar o Grande Caminho ou seja para trilhar o Pequeno Caminho, o Caminhante pode repousar sua ação sobre

- As palavras que o Mestre do Tao, Lao Tse, nos afirma em seu Capítulo 4 do Tao Te Ching, o Livro do Caminho e da Virtude:

O Caminho é o Vazio
E seu uso jamais o esgota.

            - As  palavras que o Mestre do Tantra, Srii Srii Anandamurti, nos afirma em seu Caminho da Bem-Aventurança:

Você nunca está sozinho ou abandonado
A força que guia as estrelas
Guia você também.



 COM UM ABRAÇO ESTRELADO,
Janine Milward
trecho extraído do meu livro O CAMINHANTE CAMINHANDO SEU CAMINHO
Foto: Sítio das Estrelas