TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 64
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro,
em 19 de setembro de 1995
Transcrição e
Síntese de Janine Milward
Capítulo 64
O que tem paz
é fácil de manter
O que é
anterior ao despertar é fácil de planejar
O que é
frágil é fácil de quebrar
O que é
pequeno é fácil de dissolver
Realiza-se a
partir de antes da existência
Organiza-se a
partir de antes da desordem
Uma árvore de
grande abraço gera-se de uma fina muda
Uma torre de
nove andares levanta-se de um acúmulo de terra
Uma viagem de
mil léguas inicia-se debaixo dos pés
Quem age,
fracassa
Quem se apega,
perde
Assim, o
Homem Sagrado não age, por isso não fracassa
Não se apega,
por isso não perde
Os homens, na
realização das atividades,
Sempre
fracassam em suas quase-conclusões
Cautela tanto
no fim como no princípio
Conduz à
atividade sem fracasso
Assim, o
Homem Sagrado deseja através do não-desejo
Não valoriza
as coisas de difícil aquisição
Aprende
através do não aprender
Possui o que
ultrapassa a todos os homens
Para auxiliar
a naturalidade dos dez mil seres
E não
encorajar a ação.
......................................................................
O que tem paz
é fácil de manter
O que é
anterior ao despertar é fácil de planejar
O que é
frágil é fácil de quebrar
O que é
pequeno é fácil de dissolver
São quatro frases que falam do óbvio,
das coisas óbvias da vida.
O que tem paz
é fácil de manter
O que é paz?
A paz, no conceito do Taoísmo, é a
tranqüilidade e a quietude do corpo e da mente.
Havendo a tranqüilidade e a quietude no
corpo e na mente, naturalmente não seremos abalados, movidos, pelos fatores
externos.
A paz também pode ser entendida como a
não-criação dos desejos interiores. Não
criando o anseio interior, o desejo (o desejo vem de dentro) não existe.
Uma pessoa perde a quietude interior
porque dentro dela nasce um desejo incontrolável que faz com que ela fique
alterada. Ou porque algo de fóra
interfere, abalando a pessoa.
Normalmente as duas coisas co-existem.
Se conseguirmos manter a quietude em
nosso interior, não criaremos o desejo interior em relação a algo externo, não
criaremos ansiedade, nem um impulso interior.
A ansiedade é querer se fazer alguma
coisa sem uma referencia definida. Mas,
por ser algo inquieto, buscamos esse algo fóra de nós para corresponder à nossa
inquietação interior.
Então, com a inquietação interior ou a
interferência exterior, ficamos abalados.
Tudo aquilo que balança, não permanece.
Uma opinião balançada, não permanece.
A confiança balançada, traz o descrédito.
Para podermos nos manter numa mesma
situação, precisamos ter a paz interior.
E quem tem a paz interior, tem a quietude interior. Quem tem a quietude interior, tem a paz
interior. Ambos se atraem.
Existindo a paz e a quietude
interiores, não existem remorso ou culpa.
A consciência, a lucidez dos atos, não
traz nem remorsos nem culpas. Em paz
consigo mesma, a pessoa alcança a quietude interior. A paz permite a quietude interior.
Por outro lado, através da meditação,
dos mantras, da oração, da doação no cotidiano - mesmo sem consciência
suficiente, a plena lucidez dos atos -, ganha-se a quietude interior.
E a quietude interior faz com que a
consciência se torne mais clara, a mente fica mais lúcida, mais nítida.
Essa nitidez permite a pessoa ver se
seus atos, pensamentos, sentimentos são verdadeiros, se não são verdadeiros, se
a pessoa está sendo sincera ou não, se estará fazendo o meu melhor ou não.
Essa lucidez acaba por nos disciplinar
na consciência de nossos atos.
Por isso, a paz interior permite a
quietude. E a quietude interior permite
a paz. Uma coisa é a outra.
Tudo o que é feito com paz, se mantém -
se mantém porque não é abalado por fatores interiores ou exteriores. Mesmo com a destruição da estrutura externa,
a convicção interior é capaz de superar os obstáculos.
Essa convicção é a força
espiritual. E o eixo do homem é a força
espiritual. É a força espiritual que faz
com que ao perdermos a nós mesmos na vida - como aos outros - a convicção
permaneça.
E para mantermos tudo isso é preciso
que tenhamos a paz interior.
A paz interior se conquista basicamente
de duas maneiras:
-
a sinceridade interior - sem remorsos, sem culpas.
-
A quietude, o silêncio - a contemplação, o aprofundamento da
respiração; aprendendo a ouvir a ausência da
palavra, aprendendo a ouvir o silêncio.
Com a quietude, encontra-se a
consciência.
Com a consciência, encontra-se a
quietude.
Uma fortalece a outra. Com isso, passaremos a ter lucidez naquilo
que fazemos. Naturalmente seremos
pessoas compassivas, nos integrando com o mundo e com a natureza.
Esse resultado espiritual vem de
dentro. Dessa maneira, o Taoísmo
trabalha com a consciência que surge dentro de nós.
Com o despertar de nossa consciência,
conseguiremos nossa realização espiritual e teremos habilidade para ajudar o
despertar das outras pessoas.
Não é verdade que os mestres espirituais
conseguem despertar mais pessoas do que nós?
Com um simples toque, eles conseguem fazer com que as pessoas acordem.
O que é
anterior ao despertar é fácil de planejar
A lucidez permite que a pessoa tome
atitudes bem próximas daquilo que é correto, que é o ideal.
Sempre é bom sabermos planejar as
coisas antes que elas aconteçam. Mas Lao
Tse também está dizendo que se a coisa já está acontecendo, é melhor saber
solucioná-la enquanto for possível.
Inúmeros Hexagramas do I Ching falam
sobre isso e mostram, em suas primeiras linhas, os obstáculos desde o início,
mostrando as possibilidades para se reverter a situação.
O que é
frágil é fácil de quebrar
O que é
pequeno é fácil de dissolver
Podemos entender essas duas frases sob
duas faces - a positiva e a negativa.
Do lado positivo, entendemos que tudo o
que está começando é frágil, pequeno, fácil de ser quebrado e de ser
dissolvido. Portanto, deve ser
fortalecido, deve ser alimentado, nutrido, para que se desenvolva.
Do outro ângulo, Lao Tse quer dizer que
qualquer problema - em sua fase inicial - ainda é frágil e portanto pode ser
interrompido. Qualquer situação mais
enraizada, é difícil de ser removida.
Aquilo que é leve e pequeno, é mais fácil de ser removido.
Todas as coisas boas, é melhor que
sejam enraizadas. Todas as coisas
problemáticas, é melhor que sejam removidas.
Por isso, Ele diz:
O que é
anterior ao despertar é fácil de planejar
E ele continua:
Realiza-se a
partir de antes da existência
Organiza-se a
partir de antes da desordem
É sempre bom vivermos com uma visão
antecipada, distante e ampla.
Com a visão antecipada, vê-se antes do
tempo. Com a visão distante, vê-se
longe. Com a visão ampla, vê-se com
amplitude.
Realiza-se a
partir de antes da existência
Antes de concretizarmos algo, devemos
procurar ter uma visão antecipada, longa e ampla.
Cada instante de nossa vida é um
instante anterior a um momento posterior.
Por isso, devemos ver com um tempo
maior, de uma distância maior e com uma dimensão maior. Não devemos deixar que o universo em torno de
nós se torne muito pequeno.
E, mais uma vez, Lao Tse nos diz para
não sermos egoístas.
O que é egoísmo? É quando só olhamos para nós mesmos. E, com algum esforço, conseguimos olhar um
pouco em torno de nós. E mesmo assim,
como se tudo fosse um espelho que nos reflete.
Olhamos os outros para ver a nós mesmos - no egoísmo.
Lao Tse nos diz para não olharmos
pequeno, em torno de nossa vida somente.
Devemos procurar olhar uma vida maior, olhar mais abrangentemente, olhar
mais distante.
Quando conseguimos olhar a vida
amplamente, percebemos o quanto mais amplo, mais distante e maior tempo
poderemos enxergar: vemos maior quantidade de fatos e de pessoas. Isso faz com que possamos nos conscientizar que
fazemos parte de um mundo muito maior do que simplesmente nós e os outros.
Devemos olhar o mundo de uma maneira
tridimensional e não linear, de um ponto para outro.
O homem está o tempo inteiro olhando
para um monte de coisas, uma coisa atrás da outra, ou seja, sempre relacionando
as coisas de uma forma bem linear. E
então ficamos exaustos. A vida moderna é
muito exaustiva e alternante. Dessa
maneira, nos estressamos mais do que o homem antigo.
O homem antigo também fazia uma relação
egoísta, de si para os outros. Apenas
que tudo acontecia de forma menor, menos atividades, menos informação, menos
pessoas, menos aborrecimentos, etc.
Então, a relação entre ele e o outro, mesmo que fosse uma relação entre
dois pontos ligados por uma linha, durava mais tempo e estressava menos as
pessoas.
O que Lao Tse nos diz é para termos uma
visão global das coisas, fazendo com que nossa consciência se integre com todas
as consciências e fazendo com que nossa consciência não se isole das coisas.
PERGUNTA: Não existiria aí uma mensagem sobre o Céu
Anterior e o Céu Posterior?
RESPOSTA de Cherng: O Céu Anterior e o Céu Posterior são, na
verdade, termos técnicos que se adaptam a todas as situações. .........
Mas é claro que também se está falando sobre o Céu Anterior e o Céu
Posterior.
Por exemplo: antes de pensarmos em
alguma coisa, estamos em Céu Anterior.
Posteriormente, o que se pensou, já
pertence ao Céu Posterior.
Só pudemos pensar porque o Céu Anterior
permitiu isso ao Céu Posterior.
Dessa maneira, devemos sempre manter nossa
consciência no Céu Anterior. Manter a
consciência anterior ao pensamento até mesmo no momento de pensar.
O primeiro momento em que estou falando
com você, essa palavra que estou falando, é Céu Posterior.
Agora, se eu mantiver a minha
consciência, a partir desse momento em diante, o tempo inteiro no Céu Anterior,
isso não significa que vou parar de falar.
Eu continuo a falar mas a minha consciência se mantém todo o tempo
naquela quietude... e a palavra - através da quietude - vai saindo. A palavra sairá junto, ela co-existe com a
consciência do Céu Anterior, ela se mantém na consciência do Céu Anterior. E a consciência do Céu Anterior, na vida
cotidiana, é simplesmente a quietude, a tranqüilidade que se mantém em todos os
momentos.
PERGUNTA: Em termos de tempo, seria viver no presente,
não é? O tempo todo viver no presente?
RESPOSTA de Cherng: Sim, exatamente. Mas como vivermos no presente? Como vivermos no presente se o presente é
passageiro ?!?!
O presente não existe, o presente é
passageiro, o presente é a constante mutação.
Quando vivemos a cada instante muitas
coisas, muitas pessoas, onde estará nossa identidade?
O presente só pode ser vivido se
vivermos naquela quietude, naquele silêncio, naquele Vazio que co-existe com
tudo o que muda.
Tudo o que muda, tudo o que está
transformando, é o universo em constante mutação.
E nós fazemos parte desse universo em
mutação e portanto também estamos em constante movimento de modificação.
Essa constante modificação - que é o
universo em mutação - é o Tai Chi.
O Tai Chi está dentro do Wu Chi, o
Vazio.
Dessa maneira, nossa consciência tem
que estar no Vazio. E a nossa mente pode
estar em constante transformação. Assim,
o nosso pensamento, os nossos atos, a nossa rotina, mudarão a cada instante,
mas mudarão de uma maneira natural e fluirão de acordo com o próprio destino
cósmico, juntos. Por que? Porque nossa consciência consegue se manter
naquele Vazio atemporal.
Só podemos viver o presente em todos os
instantes se nosso presente for atemporal.
Se não, não conseguiremos viver o presente.
Se todas as coisas são temporais, então
somente o Absoluto é atemporal. E o
Absoluto, na prática, para começar a vivenciá-lo, é a quietude interior. Se conseguirmos viver cada coisa, cada
instante com quietude, estaremos mantendo a consciência do Céu Anterior com a
mente no Céu Posterior, agindo de acordo com o Céu Anterior.
Dessa maneira, o Céu Anterior e o Céu
Posterior estariam naturalmente equilibrados, harmoniosos.
E Lao Tse continua:
Uma árvore de
grande abraço gera-se de uma fina muda
Uma torre de
nove andares levanta-se de um acúmulo de terra
Uma viagem de
mil léguas inicia-se debaixo dos pés
Esta última frase é muito falada pelos
taoístas porque ela diz que as grandes realizações começam a partir das
pequenas.
Nesse trecho, Lao Tse está falando de
uma maneira metafórica.
A terra é a coisa mais baixa que existe
e então podemos entender que todas as grandes realizações, todos os grandes
resultados, começam a partir das pequenas coisas.
O espiritualista procura sua meta
espiritual a partir das pequenas coisas, embora possa desejar uma árvore de
grande abraço, uma torre de nove andares, uma viagem de mil léguas.
Sempre é repetida para nós a frase de
que a prática espiritual começa a partir das coisas cotidianas. A prática espiritual nunca começa isolada da
vida.
O caminho espiritual está em cada
instante. E Caminho Espiritual, no
Taoísmo, não é aquele do “deixar-se deslumbrar pelo espírito”. Não.
O caminho espiritual começa pela
simples consciência, a consciência simples de Quem Sou Eu? O que é possível fazer? O que estou fazendo?
Sem julgamentos, sem culpas, sem
remorsos.
O não-julgamento permite que entendamos
nossos desejos, que saibamos que são desejos e que os encaramos como desejos. Também que saibamos se estamos ou não nesse
momento conseguindo nos desvencilhar ou não desses desejos. Se estamos libertos. Isso é trabalho espiritual.
O primeiro passo para o trabalho
espiritual é ‘cair na real’. Sem
‘cairmos na real’, não conseguiremos começar a trabalhar espiritualmente.
Como podemos nos mudar?
Temos que saber quem somos nós. Porque, se não conseguirmos nos mudar, o que
iremos então mudar? Vamos mudar quem?
E também primeiramente temos que saber
quem somos nós para em seguida ajudarmos os outros a se mudarem.
O trabalho espiritual é transformação
interior. Transformar nossa natureza,
nossa consciência, nosso comportamento, transformar nosso ser para uma
perfeição, para uma coisa melhor.
Por isso, ‘cair na real’ é importante,
é o primeiro passo, no Taoísmo.
Depois, é preciso aprendermos a encarar
a nós mesmos de uma maneira honesta.
Nisso já se conquista o primeiro passo: estamos em paz conosco mesmo,
não temos remorsos. Sabemos quem somos e
assim estamos tranqüilos, estamos em paz.
Conquistou-se o primeiro passo que é
essa paz. A paz que Lao Tse fala no
início do Capítulo - a paz que permite a tranqüilidade interior.
A quietude interior acaba nos
permitindo ter uma consciência um pouco mais madura, uma consciência um pouco
mais lúcida, acaba por nos conceder atitudes um pouco diferentes. São mudanças.
E tudo isso começa a partir do ‘cair na
real’. Nos reconhecendo e nos aceitando
como somos, naturalmente começamos a trabalhar espiritualmente.
E isso pode e deve ser feito a cada
instante de nossa vida, em cada momento de nossa vida, de uma maneira natural e
possível.
Também não devemos cair no outro lado
quando podemos agir tudo isso de forma muito rígida ou obrigatória. Não.
Se criarmos uma pressão mental o tempo inteiro, não estaremos tendo uma
consciência lúcida. Estaremos, sim,
tendo uma consciência pesada.
O caminho espiritual, segundo o
Taoísmo, não pode ser algo insustentável, algo tão pesado que esmague nossos
ombros, nosso ego, todo nosso ser.
O caminho espiritual precisa ser
sustentável, possível.
...........................
Voltando ao texto,
Na linguagem simbólica, ‘árvore de
grande abraço’ - uma árvore bem grande; ‘torre de nove andares’ - uma torre
bem alta; ’viagem de mil léguas’ - uma viagem mais longa....... esses três símbolos
Árvore - Torre - Viagem
Representam a grandiosidade, a altura
ou profundidade e algo distante.
O caminho espiritual tem que ir longe,
ir para a altura e para a profundidade, e tem que ser abrangente: para poder
abranger, para poder ser superior, para poder ser profundo.
E tudo começa pelas coisas simples.
Como fazer tudo isso de uma maneira simples?
-
sem apego
-
sem intenção
Por isso, Lao Tse diz:
Quem age,
fracassa
Quem se apega,
perde
O que é agir? O que é perder?
Assim, o
Homem Sagrado não age, por isso não fracassa
Não se apega,
por isso não perde
O que é não-agir? O que é não-apegar?
Não-ação é uma ação sem egoísmo.
Não-apego é uma ação sem egoísmo.
No apego, se quer tomar algo para
si. O ego é muito grande.
Na ação com intenção, se tem a intenção
de se beneficiar, de ter o seu ponto de vista, o seu julgamento, para seu
próprio interesse.
De uma maneira simples, a ação sem
intenção é uma ação sem egoísmo. Uma atitude
sem egoísmo é uma atitude sem apego, uma atitude de não-posse.
Quem não age com egoísmo, não
fracassa. Quem não se apega às coisas,
nunca perde as coisas. Se tentarmos nos
apegar as coisas, certamente as perderemos.
Se agirmos com egoísmo, certamente fracassaremos.
Por que? Porque todas as coisas que existem no mundo
estão mudando a cada momento. Tudo o que
existe na vida é impermanente e está em constante mutação.
É preciso colocar a consciência no
Vazio e deixar a vida fluir. Dessa
maneira, não se fracassa nem se perde.
Por isso, Ele diz:
Quem age,
fracassa
Quem se
apega, perde
Assim, o
Homem Sagrado não age, (não age com intenção, com apego)
por isso não fracassa
Não se apega, (não tem
desejo de posse)
por isso não
perde
E Lao Tse continua:
Os homens, na
realização das atividades,
Sempre
fracassam em suas quase-conclusões
Gengis Kan, Hitler, Napoleão, grandes
conquistadores, fracassaram. Fracassaram
porque agiram com ego, com egoísmo, com intenção. Não agiram com a consciência em estado de
lucidez interior, não reconheceram suas verdadeiras identidades, agiram com
ilusão.
Cautela tanto
no fim como no princípio
Conduz à
atividade sem fracasso
A cautela que se fala aqui não é aquela
que provém do medo.
Todas as coisas que damos valor,
cuidamos delas de uma maneira cautelosa.
Lao Tse nos fala de um sentimento atencioso e sincero de conduzirmos as
coisas. Ele nos alerta sobre o começo do
caminho espiritual.
Normalmente, a nossa tendência é
começar com muita reverência, muita sinceridade, cuidado e ardor ... mas com o
passar do tempo nos descuidamos, perdendo a disciplina e a reverência. Também tendemos a não termos uma visão
correta do ponto que queremos atingir .... e assim, com o descuido, com a
indisciplina e a falta de pureza, vamos nos desviando daquilo que queremos
alcançar. Perdemos a pureza e a
ingenuidade do coração. Isso serve para
todas as coisas.
Lao Tse nos diz para começarmos as
coisas com o coração genuíno e as terminarmos com o mesmo coração genuíno. Devemos iniciar as coisas com cautela, com
cuidado e terminá-las com cautela, com cuidado, com integridade. Não devemos deixar as coisas se desvirtuarem.
Sobre isso Lao Tse nos avisou na frase
anterior, quando disse:
Os homens, na
realização das atividades,
Sempre
fracassam em suas quase-conclusões
Assim também pode acontecer com o
caminho espiritual.
Assim, o
Homem Sagrado deseja através do não-desejo
Já no primeiro parágrafo, Lao Tse nos
dizia que perdemos a paz por causa de dois fatores: a inquietação ou a
interferência externa.
Não devemos criar desejos
interiores. A única coisa que o Homem
Sagrado quer é não ter desejos. E querer
coisas sem desejo.
Querer coisas sem desejo é um jogo de
palavras muito interessante porque fala de conceitos essenciais no
Taoísmo: não deixarmos de fazer as
coisas mas não as fazermos com intenção.
Não valoriza
as coisas de difícil aquisição
Tudo no mundo não nos pertence: a
montanha, o vale, o rio, o mar, o vento, a nuvem, a árvore, até nosso corpo não
nos pertence. Nada nos pertence. São coisas do mundo, do universo.
Portanto, no ato da morte do ser humano
percebemos que a única coisa que levamos para a próxima vida é o Karma. Tudo o que julgamos que é bom, não levamos
conosco. Por isso, Lao Tse nos diz para
não valorizarmos as coisas.
Qual é a diferença entre uma pedra
comum e o jade? Nenhuma. São pedras, simplesmente. Apenas que a valorização do homem em relação
a essas pedras é diferente: uma tem valor e a outra, não. Mas Lao Tse nos diz que o Homem Sagrado não
valoriza as coisas de difícil aquisição.
Aprende
através do não aprender
Lao Tse nos diz para sabermos aprender
mas também para aprendermos a não sermos prisioneiros do conhecimento.
Precisamos ter conhecimentos para que
esses conhecimentos possam servir como ferramentas para nós. Não para sermos prisioneiros dessas
ferramentas. Também os conhecimentos
podem ser aplicados de uma maneira muito
rígida, o que nos limita. Não
podemos deixar que os conhecimentos nos limitem. Os conhecimentos têm que nos enriquecer. E são para serem usufruídos nas mínimas
coisas do cotidiano. Devem ser assimilados, incorporados como
parte de nossa existência.
O conhecimento não é essência, o
conhecimento é ferramenta.
Possui o que
ultrapassa a todos os homens
Para auxiliar
a naturalidade dos dez mil seres
E não
encorajar a ação.
O realizador do Tao pode possuir
conhecimentos e ensinamentos que ‘ultrapassam todos os homens’. A pessoa pode ser grande estudiosa, grande
conhecedora do céu, da terra, do espírito, da metafísica, da essência humana,
da psique humana, da ciência moderna, o que for.
O Taoísmo é, por um lado, altamente
místico e, por outro lado, altamente filosófico. É cheio de conhecimentos. E também altamente científico. Traz muitas coisas a serem estudadas. Os mestres taoístas são pessoas muito
estudiosas.
Por isso, Lao Tse diz:
Aprende
através do não aprender
...............................
Para auxiliar
a naturalidade dos dez mil seres
Os conhecimentos não são para
interferir no destino das pessoas de uma maneira que fuja à naturalidade, que
saída da naturalidade. Os conhecimentos
são para nos colocar a todos no caminho da naturalidade. Não são para driblar o destino e sim para nos
integrar de uma maneira mais sábia com o destino natural de todas as coisas.
E não
encorajar a ação.
O Homem Sagrado não encoraja as pessoas
a terem ação intencional. Ele passa os
conhecimentos sem artificialidade, par que as pessoas não fiquem mais
artificiais ou fiquem mais engenhosas.
Em resumo, o Caminho do Taoísmo
basicamente visa a busca de um estado do ser humano onde ele possa viver os
três princípios fundamentais:
-
a verdade, a autenticidade (ser uma pessoa verdadeira)
-
a bondade (para que cada ato nosso seja naturalmente bondoso, bom
para nós mesmos e para os outros, nos integrando a tudo e a todos
harmoniosamente)
-
a beleza, a harmonia (as coisas são belas quando são harmoniosas).
...............
foto: Sítio das Estrelas, Janine
TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 64
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de
Janeiro, em 19 de setembro de 1995
Transcrição e
Síntese de Janine Milward