Tao, o Caminho, o Vazio
Janine Milward
Janine Milward
Existe algo que podemos chamar de Tao, o Caminho, o Vazio – mesmo
que nada mais possamos falar sobre isso... - e, por outro lado, existe algo que
podemos chamar de Criação e que a esta Criação pertencemos... mesmo que esta
Criação acabe, em última instância, compreendendo que é anterior ao seu Criador
e mais ainda, que o próprio Criador advém do Tao, o Caminho, o Vazio – sobre o qual
não se fala (porque não se tem como falar).
Lao Tse, em seu Capítulo 4 do Tao Te Ching, o Livro do Caminho e da
Virtude, nos diz:
O Caminho é o Vazio
E seu uso jamais o esgota
É imensuravelmente profundo e
amplo,
como a raiz dos dez mil seres
Cegando o corte
Desatando o nó
Harmonizando-se à luz
Igualando-se à poeira
Límpido como a existência
eterna
não sei de quem sou filho
Venho de antes do Rei Celeste
O Caminho é o Tao.
Sobre o Tao não se fala, não se tem palavras para se referir ao Tao
porque o Tao está além de todas as palavras, além do além. Tudo aquilo ao qual
pode ser referido faz parte do Mundo da Manifestação, o Tai Chi.
O Mundo da Manifestação é criado, é um espelho que espelha e re-cria tudo
aquilo que repousa no inefável, no sutil, que ainda poderemos nos referir como
o Mundo da Não-Manifestação, o Wu Chi. No entanto, até o Mundo da
Não-Manifestação - que é da classe do Absoluto - é criado a partir do Tao.
Sendo assim, o Tao ainda está além, para muito mais além do Mundo da
Não-Manifestação.
O Tao pode ser alcançado através do ato do Caminhante Caminhar seu
Caminho rumo ao seu Tao. Esse Caminho pode ser chamado de Vazio, de entrar no
Vazio. É somente através do Vazio Absoluto que o Caminhante consegue Caminhar
seu Caminho e alcançar seu Tao. Esse Vazio é anterior ao Tudo - que é o Mundo
da Não-Manifestação simbolizado pela gravidez sutil de tudo aquilo que faz
nascer e criar o Mundo da Não-Manifestação, que é o Todo. Assim, o Vazio é
anterior ao Tudo e ao Todo, ao Mundo da Não-Manifestação e ao Mundo da
Manifestação. Por isso, Lao Tse, no Capítulo 4 - que é um dos Capítulos que
mais intimamente nos falam do Tao -, nos diz que O Caminho (O Tao) é o Vazio.
Esse Vazio significa a Absoluta Ausência do Tudo, do Tudo e mais
ainda, do próprio Vazio. No entanto, o Vazio não é o Nada pois que no Nada
encontram-se o Tudo e o Todo e também encontra-se o Vazio, ou a nomeação mais
próxima do Tao - que ainda se encontra para além, muito além, de qualquer
nomeação.
O uso desse Vazio jamais o esgota porque o Tao é inesgotável ou
mesmo além da possibilidade de ser esgotável ou inesgotável - desde que é o Tao
anterior à própria Criação do Nada, do Tudo e do Todo, anterior até ao próprio
Vazio, que é o que mais próximo se lhe assemelha.
Os "dez mil seres" simbolizam a Criação e a raiz dessa
Criação é oriunda do Vazio - que "é imensuravelmente profundo e
amplo". Novamente, nesses versos, nos é dito que o Vazio é imensurável,
ratificando o fato de seu uso jamais o esgotar.
Assim, quando o Caminhante se coloca em seu Caminho rumo ao seu Tao
- e o encontra - torna-se o Homem Sagrado, aquele que se fusiona com a raiz da
Criação e a imensurabilidade e o inesgotamento do Vazio que é a nomeação mais
próxima do Tao, do Caminho
Na segunda estrofe, Lao Tse nos fala sobre o Te, A Virtude. A
Virtude é a maneira pela qual o Caminhante deve Caminhar seu Caminho rumo ao
seu Tao, O Caminho. A Virtude é também o Caminho em sua forma do Mundo da
Manifestação. Assim, dentro da Tríplice Transparência ou Sagrada Tríade - O Tao
em si, Os Tesouros do Espírito (O Conhecimento) e O Mestre (o Homem-Sagrado que
realiza em si O Conhecimento e O Tao) -, A Virtude representa a raiz do Mundo
da Manifestação e o Vazio representa a raiz do Mundo da Não-Manifestação e
ambos apontam para a ponte que leva ao Tao, O Caminho.
Na terceira estrofe, Lao Tse nos revela como nos harmonizarmos com
a Luz do Tao e entrarmos no Vazio: a consciência de que somos nós mesmos o Tao
e assim sendo, é preciso que ao Tao retornemos, nos fusionemos. Esta é a Alquimia
do Caldeirão, ou seja, o Caminhante torna-se Homem Sagrado a partir do Tao da
Iluminação e trabalha seu corpo físico já com a plenitude e infinitude de sua
consciência iluminada e transforma, transmuta, esse corpo físico em Corpo de
Luz, alcançando então, o Tao da Imortalidade ou Liberação - vida e consciência
iluminadas e infinitas.
Ao tornar-se Homem Sagrado, Lao Tse pôde nos contar sobre o
Mistério dos Mistérios, ou seja, que o Tao é anterior à própria Criação. O Tao
é impessoal e Absoluto. Dessa forma, o Homem Sagrado, ao se fusionar ao Tao,
descobre sua impessoalidade e infinitude.
Fundamentalmente, mais que se descobrir anterior à própria Criação,
o Homem Sagrado descobre que ele mesmo, fusionado ao Tao, ao Caminho, é
anterior ao próprio suposto Criador, que Lao Tse neste Capítulo, nomeia de Rei
Celeste.
"Rei" é a Consciência iluminada e celestial, a Suprema
Consciência, Deus-Onipotente, O Criador que com sua Consciência cria a Criação,
espelho de sua Consciência Suprema. Sendo assim, o Homem Sagrado é aquele que
alcança, se fusiona com a Consciência Suprema, com o Rei Celeste, e finalmente
diante do Vazio do Tao, compreende o Tao além de qualquer compreensão, além de
qualquer palavra, além do além. Porque sobre o Tao não se fala, apenas nos deixamos
preencher pelo Tao.
Dessa maneira, o Homem Sagrado, dentro da infinitude e
impessoalidade do Tao, compreende que "Não sei de quem sou filho, Venho de
antes do Rei Celeste". Essa é a Iluminação. Esse é o Caminho. E "O
Caminho é o Vazio".
Com um abraço estrelado,
Janine Milward
Foto: Sítio das Estrelas, Janine