Conhecendo a glória, resguardando a humildade

TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao




Tradução e Interpretação do Capítulo 28
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 24 de janeiro de 1995


Capítulo 28


Conhecendo o masculino, resguardando o feminino
Sendo a ravina sob o céu
Sem se afastar da Virtude Eterna
Retornará a ser criança

Conhecendo o branco, resguardando o negro
Sendo o modelo sob o céu
Sem se enganar com a Virtude Eterna
Retornará à Extremidade Inexistente

Conhecendo a glória, resguardando a humildade
Sendo o vale sob o céu

Sendo o vale sob o céu, completará a Virtude Eterna
E retornará a ser madeira bruta

A madeira bruta partida transforma-se em instrumentos
E o Homem Sagrado utiliza-os através de um regente

Isto tudo é um grande corte sem incisão.


Este Capítulo fala da consciência Yang e da atitude Yin.

Lao Tse está falando sobre a diferença entre uma pessoa que tem força - e que não a usa - e uma pessoa que não tem força - e que, conseqüentemente, não pode usar a força.

Percebe-se que, dentro da estrutura das frases:

Conhecendo o masculino, resguardando o feminino

Conhecendo o branco, resguardando o negro

Conhecendo a glória, resguardando a humildade


Lao Tse faz uma analogia com
                                               Masculino
                                               Branco
                                               Glória
                                                           Correspondendo ao simbolismo Yang


                                               Feminino
                                               Negro
                                               Humildade
                                                           Correspondendo ao simbolismo Yin


Uma atitude, um comportamento, uma natureza Yin é receptiva, quieta, branda, abrangente, suave.

Uma atitude, um comportamento, uma natureza Yang é forte, determinada, obstinada, exteriorizada, ativa.

Um comportamento de transcendência, uma vivência de silêncio interior, de paz interior, tem uma característica Yin.  A pessoa que segue uma prática espiritual é mais calma, mais tranqüila, mais receptiva, mais suave.  Isso corresponde ao que Lao Tse chama de feminino, negro, humilde.

No entanto, se a qualidade do espiritualista é Yin, resguardando o feminino, o negro, a humildade, por que então Ele diz que é preciso se conhecer o masculino, o branco, a glória?

É porque precisamos ter o conhecimento do Yang para podermos fluir - não renunciando ao Yang ou fugindo dele - para termos o Yin.

Conhecendo o masculino, resguardando o feminino


Se o Yin for antagônico ao Yang, então esse Yin será a ausência do Yang.  Nesse caso, existirá a carência e se estará no nível da dualidade e não no nível da Unidade.

É preciso termos a capacidade de exercer a força e não a exercermos, porque não precisa.  Exercer a força apenas quando for necessário.

É preciso termos a capacidade de exercermos a riqueza, a fama, o poder, compreendendo que não precisamos de fama, de riqueza ou de poder.

Isso é o que Lao Tse está falando sobre conhecer o masculino, o branco, a glória, porém resguardar-se no feminino, no negro, na humildade.  Assim, se tem o Yin e o Yang ao mesmo tempo, tanto externa como internamente.

Esse conceito influenciou a prática do Tai Chi que é suave, lento, Yin, feminino, negro, humilde.  Ao mesmo tempo, dentro desse movimento suave existe uma potencialidade Yang, que a qualquer instante pode gerar uma força ativa, porém não se utilizando dela.  Não por causa da repressão ou do auto-controle e sim através da natural quietude interior que faz com que essa potencialidade seja sempre uma potencialidade.

Em três estágios, o primeiro nível é o do espírito firme que tem atitudes suaves. 

No segundo nível, mesmo nascendo uma força dentro dessa suavidade, a pessoa continua sendo suave; é mais difícil. 

E mais difícil ainda é o terceiro nível quando a pessoa é naturalmente forte, capaz de exercer a força, apenas que essa força vem através do espírito tranqüilo.  O espírito tranqüilo produz uma atitude firme.

Esses três níveis correspondem ao pensamento Zen:

“Antes, a montanha era montanha e o rio era rio.
Depois, a montanha não é mais montanha e o rio não é mais rio.
Finalmente, a montanha é montanha e o rio é rio”.


Uma pessoa que tenha o trabalho espiritual aprofundado, na hora de qualquer acontecimento, sempre toma atitudes neutras, transparentes.  Nela, a montanha não é montanha, rio não é rio.  Finalmente age e quando age, a montanha é montanha e rio é rio.  Apenas que tudo é somente a aparência externa.


Mestre Maa, quanto a “Conhecendo o masculino, resguardando o feminino”, nos diz que o masculino representa a força e o feminino representa a humildade.


Sendo a ravina sob o céu

O termo ‘sob o céu’ significa ‘no mundo’.

Mestre Maa compreende a ravina como o Grande Retorno, o Hexagrama O Retorno, do I Ching.

No I Ching, o Hexagrama é composto de 6 linhas, cada linha representando o Yin ou o Yang.  Todos os 64 Hexagramas representam o ciclo do crescimento e da redução do Yin e do Yang no ciclo da vida, da natureza, do universo.

Quando a energia ativa gradualmente se reduz ao ponto máximo, ela atinge a absoluta receptividade.  E, dentro dessa absoluta receptividade e passividade, nasce a primeira força criativa.  Após ter alcançado a plena morte, a vida renasce.  Dentro da completa quietude, o movimento ressurge trazendo a atividade, a energia criativa.  Após a redução do Yang, da atividade, atingiu-se o ponto de absoluta quietude e com a volta do Yang, dá-se o Ponto do Retorno.  No I Ching, esse Ponto do Retorno é o Travão sob a Terra.

___  ___
___  ___
___  ___   Terra
___  ___
___  ___
_______   Trovão


Dentro das quatro estações do ano, esse ponto representa o final do inverno  No auge do inverno, a energia ressurge correspondendo ao Sol em Capricórnio, do 15o grau em diante, na astrologia.  Esse é o ponto do retorno.

A ravina é o ponto mais baixo do Planeta, o vale estreito com a água do riacho correndo.  É análoga à imagem do Grande Vazio, de onde surge a primeira energia corrente, ativa, Yang.

Conhecer a força e manter-se na suavidade é saber mergulhar na mais profunda receptividade, para poder renascer com uma força renovada, renovadora, rejuvenescedora e criativa.  Esse é o ponto do Grande Retorno.

O que é o Grande Retorno?  É entrar na morte para se renascer para uma nova vida.  Isso nos lembra o mítico conceito da alquimia ocidental quando fala da fênix renascendo de suas próprias cinzas.


Sem se afastar da Virtude Eterna

Mestre Maa diz que ‘Eterna’ significa não-dualidade, significa mantermos a Unidade dentro de nós.

Eterna’ é infinitude - Vida e Consciência Infinitas.

Quando nossa Consciência e nossa Vida não se separam mais, entramos no estado de Unidade.

Numa pessoa comum, a vida e a consciência são separadas.  No momento do nascimento, a consciência se une à vida física e no final da encarnação, a consciência e a vida se separam.

Manter a Virtude Eterna quer dizer manter a Virtude da Unidade.  A Virtude da Unidade é saber viver indivisivelmente.   Isso significa uma pessoa com uma conduta única, com a mesma compreensão espiritual para todas as coisas, com a mesma consciência e com o mesmo comportamento virtuoso para todos os momentos do cotidiano.  Com as mesmas Virtudes para discernir o correto e o não-correto.

Essa é a Virtude Eterna, a que não se separa.  Não separar significa que não haverá a vida e a morte.

Dessa maneira,
Retornará a ser criança

Criança é o simbolismo da união da Vida com a Consciência.

A criança passa pela fecundação, crescimento e, após 9 meses, está pronta.  Com a entrada da alma, o neném nasce.  Ainda desde o estado de recém-nascido até pouca idade, pode ainda não ter ressuscitado os vícios e hábitos antigos e pode ainda não ter aprendido coisas novas e novos vícios, etc.  Dessa maneira, a criança - e principalmente o bebê -, tem uma consciência única.  Na criança, a consciência e a energia do corpo, tudo é uma única coisa.

Conforme a criança vai crescendo, vai desenvolvendo o contato sensorial do corpo, as alterações emocionais e assim a direção da consciência muda.  A energia fica oscilando desordenadamente ora para um lado, ora para outro lado, entrando num estado de dualização.  A personalidade fica mais complexa e mais múltipla e a pessoa vai trazendo à tona suas outras personalidades que já existiam dentro de si mas que ainda permaneciam como se fossem ‘sementes’.  Com a irrigação dos novos hábitos do cotidiano, esses hábitos são como água jogada nessas sementes que crescerão e frutificarão.

Pergunta:  Essas sementes seriam advindas de vidas passadas?

Resposta de Cherng:  
Sim, essas sementes sempre vêm de vidas passadas.  E, como normalmente as pessoas criam Karmas e vícios muito rapidamente nesta vida, além de terem consigo as sementes ressuscitadas como uma floresta dentro de si - e cada árvore dessa floresta já traz novas sementes -, outras arvorezinhas brotam e dentro dessa vida um mundo de coisas são criadas e, no momento da morte, carregam-se muitas dessas sementes adiante.  Quanto maior quantidade de sementes, maior a quantidade de complexidades na vida.


Voltando ao texto, em relação ao primeiro trecho, Mestre Maa nos diz que um realizador do Tao, um Taoísta, deveria ter uma forte força de vontade para se libertar dos laços mundanos.  Essa é a força que ele tem que conhecer.  Ao mesmo tempo, o Taoísta tem que ter um coração totalmente feminino, com afetividade, receptividade, humildade, para poder abranger todas as coisas.  Essa pessoa, então, pode ser considerada aquela que conhece o masculino, que conhece a força.  E essa força não é usada para atacar o outro ou para dominar o outro.  A força a ser invocada, a ser cultivada, é a de dominar a si próprio com a força de vontade para transcender as coisas que prendem o homem aos 6 caminhos da transmigração, aos 3 mundos que o limita.

É preciso manter o comportamento feminino, manter o coração na receptividade, na suavidade, na humildade.  E esse coração humilde e receptivo é como se fosse o Vazio que irá permitir que todos os Sopro vitais - o Sopro do Absoluto do Céu Anterior - entrem dentro de nós e nos purifiquem.  Com a entrada dessa Consciência pura, com o Sopro Puro dentro de nós, somos capazes de ter o Yin e o Yang unidos, criando um novo eu.  Esse novo eu é exatamente o que Lao Tse chama de ‘a criança renascida’, quando diz:  Retornará a ser criança



Conhecendo o branco, resguardando o negro

O branco é dia, é consciente, é lúcido.
O negro é noite, é inconsciente, é interior.

É preciso sabermos ter a consciência, o racional, o lógico, o lúcido, o dia, e a utilização da inteligência.  E, ao invés de usarmos a inteligência, devemos procurar nos manter em estado mais intuitivo, receptivo, interiorizado e menos racional.

Mestre Maa diz que, apesar de termos a inteligência, devemos procurar aprender a viver de maneira como se fossemos menos inteligentes, ignorantes até.  Ou seja, apesar do conhecimento que a inteligência permite, devemos nos resguardar e nos manter como ignorantes.  Isso pode ser um conselho sábio porque, se a pessoa, apesar de sua inteligência, se colocar como ignorante, ela terá sempre a humildade de aprender, para ouvir, para interagir.

Ser ignorante, é ter humildade.  Somos ignorantes perante o mundo, temos muita coisa para aprender, dessa forma, somos como uma ‘ravina sob o céu’, ficamos embaixo, com humildade, recebendo a água que vem do céu, a água que vem dos rios que descem das montanhas, deixando a energia passar por nós, sem a prendermos, sendo humildes e receptivos - isso é saber ser ignorante.

E Mestre Maa nos diz que na prática espiritual, sabendo ser ignorantes, podemos cultivar e criar a grande inteligência.  Não nos apegando à inteligência - que na verdade é a pequena inteligência -, podemos realmente cultivar a grande inteligência.


Qual é a diferença entre a pequena inteligência e a grande inteligência?

A pequena inteligência é aquela esperteza para entender as coisas, é sempre ter uma palavra na ponta da língua, é aparentemente saber resolver qualquer problema.

A grande inteligência é a sabedoria de ter uma consciência da totalidade, de saber ter a consciência unida a todas as consciências de uma maneira natural e suave.  Essa é a grande consciência.

E a pequena consciência é o eu diante dos outros e sempre vencendo os outros.  Tudo ainda acontecendo no nível da dualidade, sem a integração com os outros.

A pequena inteligência pode muitas vezes ser até destrutiva.  Vemos isso na ciência, na ciência moderna.  O homem, com sua inteligência, está o tempo todo em guerra com a natureza, com as pessoas, com o céu, com a terra, com todos os seres.  Então, essa inteligência ativa acaba destruindo tudo em sua frente, muitas vezes sendo conhecida como ‘transformadora do mundo’ - apenas que essa ‘transformação’ é simplesmente a destruição da harmonia e do equilíbrio.

A grande inteligência é aquela que não se choca com os outros seres, ela é unida com todos os seres.

Essa é a diferença entre a grande inteligência e a pequena inteligência.


Resguardar o negro” significa resguardar essa ignorância, a quietude e a humildade, para podermos criar a grande inteligência.

Por isso, Ele diz:
Conhecendo o branco, resguardando o negro
Sendo o modelo sob o céu

Esse seria o modelo, segundo Lao Tse.  Esse modelo é saber ser receptivo, saber ter humildade.


Sem se enganar com a Virtude Eterna
Retornará à Extremidade Inexistente

Extremidade Inexistente é o Wu Chi.  Quem rompe com a barreira do racional, da mente, da palavra, entra no verdadeiro silêncio  cósmico.  Isso se chama entrar no Portão Negro.  O Portão Negro é o lugar da grande quietude e dentro dele nasce a grande inteligência, nasce a grande vitalidade.


Quando é a diferença entre a Grande Vida e a pequena vida?

A Grande Vida são todas as vidas como uma única vida.  Vida de todos os tempos como uma única vida.  Vida de todos os lugares como uma única vida.

A pequena vida é a vida de hoje, separada da de ontem, da de amanhã, de aqui e de ali.

Conseguindo restaurar a Grande Vida com a Grande Inteligência, unindo a Grande Vida com a Grande Inteligência - fazendo uma única realidade -, isso se chama a Imortalidade.

Esse é o  conceito da Imortalidade no Taoísmo - a Vida e a Consciência Infinitas.


Por isso, inúmeras vezes na meditação Taoísta, devemos nos alertar para o fato de que é muito comum surgirem efeitos, fenômenos.  De repente, começamos a sentir a energia circulando dentro do corpo, o corpo sai e volta, vêem-se luzes, divindades aparecem, sons, palavras, objetos movendo...  Com a assiduidade da prática espiritual, os fenômenos acontecem.

E quando acontecem, o que se faz?

Não faz, não se faz nada.  Devemos jogar tudo para dentro do Vazio, novamente.  Não devemos prestar qualquer atenção, nem lutar contra, nem alimentar, nem negar.  Tudo, na prática da meditação, visualização, mantra, respiração, tudo isso é instrumento para se entrar no Vazio.

Qualquer efeito gerado será um efeito paranormal ou extrasensorial.  E quando os efeitos aparecem, nosso comportamento é o de não confirmar tais efeitos e também o de não negá-los.  O comportamento é nem o da confirmação, nem o da negação.

Ao se confirmar, fica-se preso aos efeitos, fica-se preso à pequena vida e à pequena consciência.

Ao se negar, está-se confirmando através do lado inconsciente, através do inverso.

Também por isso não se deve ter uma obsessiva paixão pelas divindades nem se deve ter repúdio pelos demônios.

O grande repúdio aos demônios é uma paixão ao avesso.   Uma grande paixão pelas divindades, é trazer o demônio inverso por detrás das divindades.

A divindade representa a transcendência, está acima da paixão, do apego.

O que fazemos então?

Ignoramos.  Devemos ser ignorantes até perante aquilo que estamos conquistando.

Sendo ignorantes, estamos nos colocando como a ravina, o vale sob o céu.  Assim, tudo será natural, passará por nós sem ficar preso, e sem sermos presos a nada.  Com a água presa no vale, o vale se enche, a água fica estagnada, a vida se torna estagnada, nada mais cabe, a consciência se torna limitada.

Por isso Lao Tse diz que é preciso ter um Vazio interior para se poder retornar à Extremidade Inexistente, que é a maneira do Céu Anterior ser.


Conhecendo a glória, resguardando a humildade

Mestre Maa diz que conhecer a glória é saber enxergar corretamente todas as riquezas, famas e valores do mundo para transcendê-los.

Uma pessoa que não é capaz de encarar a riqueza, a fama e o poder, estará fugindo.  E fugindo, tudo isso passa a ser uma sombra que a perseguirá.

É preciso ter a coragem, a força, ou seja, o Yang, para encarar o mundo e ao mesmo tempo, prescindir dele.


Sendo o vale sob o céu

Mestre Maa diz que o vale sob o céu também pode ser entendido como uma pessoa com o coração totalmente aberto.  O vale está aberto para o espaço.  Uma pessoa com o coração como o vale sob o céu, é uma pessoa com o coração aberto para o universo.


Sendo o vale sob o céu, completará a Virtude Eterna

Aí está o Tai Chi, ou seja, a Unidade que corre dentro do Wu Chi, como se fosse um riacho da vida correndo dentro de um vale receptivo, que não retém, que não impede, deixando a vida ir e vir, infinitamente e não sendo alterado por isto, não deixando de ter a vida e não sendo preso pela vida.

E retornará a ser madeira bruta

Essa é a representação do estado primordial de ser.  A pessoa volta a ser como se fosse uma árvore pura, ao invés de ser uma mesa, uma cadeira, algo feito de madeira.

É voltar a ser a não-forma, voltar a ser a naturalidade.  Voltar a ser algo diretamente instalado na natureza.  Uma pessoa que tenha a receptividade, como o vale sob o céu, como o seu espírito, como sua maneira de ser, tudo o que nasce dentro de sua vida, nasce de uma maneira natural.  Tudo o que existe em sua vida é como se fosse uma árvore que nasce em um vale, naturalmente, com  toda sua perfeição.  Sem que essa perfeição seja engenhosamente talhada ou organizada.


A madeira bruta partida transforma-se em instrumentos

Quem possui o estado do Tai Chi, esse estado puro, essa matéria prima de ser, pode ser transformado em infinitas maneiras de ser.  Como o Tai Chi que nasce do Wu Chi.  Dentro do Tai Chi, existem o Yin e o Yang, existem o Céu, a Terra e o Homem, existem as quatro imagens, os cinco elementos, os oito trigramas e tudo o mais.  Ou seja, a partir da Unidade, se encontra o infinito, com infinitas manifestações.  Porém, todas essas infinitas manifestações são governadas por uma única Consciência.

O universo é complexo mas a sua governança é simples.

Por isso, Lao Tse diz:

E o Homem Sagrado utiliza-os através de um regente

Esse regente é uma Consciência que está em tudo, é uma única Lei que a tudo governa, uma lei simples.

Muitas vezes, pergunta-se em relação ao Taoísmo:

-          Sempre que o Taoísmo fala em simplicidade, em naturalidade, como é possível, na prática mística, falar-se em tantos reinos celestiais, tantas divindades, tudo tão complexo, tão complicado?

-          Afinal, o universo, segundo o Taoísmo, é complexo ou é simples?

-          Afinal, fala-se da filosofia da simplicidade ou fala-se da complexidade?

A resposta é muito simples: o universo é complexo.  Mas a Lei que rege o universo é simples.

Ninguém pode afirmar que o universo não seja complexo. São milhões e milhões de galáxias, milhões e milhões de sistemas solares dentro das galáxias, existem milhões e milhões de espécies de seres, com formas e características diferenciadas.


No Taoísmo, existem  33 céus do Céu Posterior, 33 Céus do Céu Anterior.  Mais ainda 3 fronteiras: os mundos do desejo, da forma e da não-forma.  E também existem o caminho que vai para cima e o caminho que vai para baixo.  Divindades de luz, divindades de obscuridade, outras tantas categorias e divisões entre as divindades, subdivididas em outros tantos ministérios...

Enfim, tudo muito complexo.


De onde se inspira essa complexíssima  teologia?  Inspira-se simplesmente na própria natureza do universo.  Porque o universo é complexo.

Qualquer universo é complexo.  De uma folha de árvore levada ao laboratório, pode-se perceber toda sua complexidade.  Cada folha de árvore é um universo, cada grão de areia é um universo.  Cada fio de cabelo, cada pessoa, cada país, cada planeta, cada sistema solar é um universo, cada grande universo é um universo e tudo forma um grande universo: são infinitos universos, um dentro do outro.

O universo é extremamente complexo em sua própria estrutura.  Mas existe uma simples Lei para regê-lo.  Essa simples Lei é o Absoluto, a unidade, a dualidade, a triplicidade... e as regras matemáticas.

Quem compreende a essência, compreende a simplicidade.  Através da simplicidade, podemos viver o complexo universo e cada departamento seu, de uma maneira simples.

O homem com o espírito simples, através da simplicidade, pode se relacionar com tudo.

Portanto, o mundo é complexo mas a vida pode ser simples ou complicada.  Isso só depende do coração simples ou confuso, do homem.

Quem tem a simplicidade em seu âmago, pode ter uma vida simples, apesar da complexidade que a envolve.

É assim formada toda a estrutura mística do Taoísmo.

Não se pode negar o que existe, mas é preciso buscar a simplicidade, mesmo que o todo seja extremamente complexo.

Com a simplicidade em nosso âmago, podemos viver a complexidade da vida e do mundo.

Como podemos ter isso?  Buscando a simplicidade. 

Por isso, Lao Tse diz:

Conhecendo o masculino, resguardando o feminino

Conhecendo o mundo complexo, permanecendo o espírito em estado receptivo, quieto e tranqüilo.  Mesmo em grandes turbilhões da vida, sempre agindo de forma calma e tranqüila, sem fuga, sem relutâncias.

Dessa maneira, o Taoísmo parece difícil.  Difícil porque não existem regras ou doutrinas (o que poderia parecer mais fácil, para as pessoas em geral).

Por que então é difícil?

Porque nós temos dificuldade em encontrar essa simplicidade interior.

Por isso, Lao Tse diz:
E o Homem Sagrado utiliza-os através de um regente

Esse regente é uma Consciência única que ordena todas as coisas sem que estas sejam separadas.

O universo é o Tai Chi.

Dentro do Tai Chi existem o Yin e o Yang.

No encontro do Yin e do Yang formam-se o Céu, a Terra e o Homem.  Criam-se as quatro direções, os oito trigramas e as infinitas possibilidades em suas combinações.

Porém, tudo  isso é Yin e Yang.

E o Yin e o Yang formam o Tai Chi.

E todo o Tai Chi está dentro do Wu Chi.

Isso é simples.

E, nessa simplicidade, se governam todas as coisas sem que elas se separem.  Mesmo que aparentemente estejam separadas.  Mas não estão.

E Lao Tse a isso denomina:

Isto tudo é um grande corte sem incisão.

Uma pessoa que vive com a simplicidade e a essência ensinadas por Lao Tse e o I Ching, é capaz de discernir as coisas.

O que é discernir?

Discernir é fazer um grande corte: isso eu faço, isso eu não faço.  É o discernimento.  O discernimento é um corte.

A diferença entre julgamento e discernimento é que

                        Julgamento - que é mais preconceituoso - é um corte com incisão.

                        Discernimento é saber seguir o caminho naturalmente correto, sem que seja preciso haver um corte, uma ruptura.

                        Ou seja, tudo é um trabalho muito mais sutil, mais interior.


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Foto: Sítio das Estrelas, Janine Milward

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 28
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 24 de janeiro de 1995

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se
a realização da publicaçãodas interpretações de Wu Jyh Cherng

 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching