TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 28
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro,
em 24 de janeiro de 1995
Capítulo 28
Conhecendo o
masculino, resguardando o feminino
Sendo a
ravina sob o céu
Sem se
afastar da Virtude Eterna
Retornará a
ser criança
Conhecendo o
branco, resguardando o negro
Sendo o
modelo sob o céu
Sem se
enganar com a Virtude Eterna
Retornará à
Extremidade Inexistente
Conhecendo a
glória, resguardando a humildade
Sendo o vale
sob o céu
Sendo o vale
sob o céu, completará a Virtude Eterna
E retornará a
ser madeira bruta
A madeira
bruta partida transforma-se em instrumentos
E o Homem
Sagrado utiliza-os através de um regente
Isto tudo é
um grande corte sem incisão.
Este Capítulo fala da consciência Yang
e da atitude Yin.
Lao Tse está falando sobre a diferença
entre uma pessoa que tem força - e que não a usa - e uma pessoa que não tem
força - e que, conseqüentemente, não pode usar a força.
Percebe-se que, dentro da estrutura das
frases:
Conhecendo o
masculino, resguardando o feminino
Conhecendo o
branco, resguardando o negro
Conhecendo a
glória, resguardando a humildade
Lao Tse faz uma analogia com
Masculino
Branco
Glória
Correspondendo
ao simbolismo Yang
Feminino
Negro
Humildade
Correspondendo
ao simbolismo Yin
Uma atitude, um comportamento, uma
natureza Yin é receptiva, quieta, branda, abrangente, suave.
Uma atitude, um comportamento, uma
natureza Yang é forte, determinada, obstinada, exteriorizada, ativa.
Um comportamento de transcendência, uma
vivência de silêncio interior, de paz interior, tem uma característica
Yin. A pessoa que segue uma prática
espiritual é mais calma, mais tranqüila, mais receptiva, mais suave. Isso corresponde ao que Lao Tse chama de
feminino, negro, humilde.
No entanto, se a qualidade do
espiritualista é Yin, resguardando o feminino, o negro, a humildade, por que
então Ele diz que é preciso se conhecer o masculino, o branco, a glória?
É porque precisamos ter o conhecimento
do Yang para podermos fluir - não renunciando ao Yang ou fugindo dele - para
termos o Yin.
Conhecendo o
masculino, resguardando o feminino
Se o Yin for antagônico ao Yang, então
esse Yin será a ausência do Yang. Nesse
caso, existirá a carência e se estará no nível da dualidade e não no nível da
Unidade.
É preciso termos a capacidade de
exercer a força e não a exercermos, porque não precisa. Exercer a força apenas quando for necessário.
É preciso termos a capacidade de
exercermos a riqueza, a fama, o poder, compreendendo que não precisamos de
fama, de riqueza ou de poder.
Isso é o que Lao Tse está falando sobre
conhecer o masculino, o branco, a glória, porém resguardar-se no feminino, no
negro, na humildade. Assim, se tem o Yin
e o Yang ao mesmo tempo, tanto externa como internamente.
Esse conceito influenciou a prática do
Tai Chi que é suave, lento, Yin, feminino, negro, humilde. Ao mesmo tempo, dentro desse movimento suave
existe uma potencialidade Yang, que a qualquer instante pode gerar uma força
ativa, porém não se utilizando dela. Não
por causa da repressão ou do auto-controle e sim através da natural quietude
interior que faz com que essa potencialidade seja sempre uma potencialidade.
Em três estágios, o primeiro nível é o
do espírito firme que tem atitudes suaves.
No segundo nível, mesmo nascendo uma
força dentro dessa suavidade, a pessoa continua sendo suave; é mais
difícil.
E mais difícil ainda é o terceiro nível
quando a pessoa é naturalmente forte, capaz de exercer a força, apenas que essa
força vem através do espírito tranqüilo.
O espírito tranqüilo produz uma atitude firme.
Esses três níveis correspondem ao
pensamento Zen:
“Antes, a montanha era montanha e o rio
era rio.
Depois, a montanha não é mais montanha
e o rio não é mais rio.
Finalmente, a montanha é montanha e o
rio é rio”.
Uma pessoa que tenha o trabalho
espiritual aprofundado, na hora de qualquer acontecimento, sempre toma atitudes
neutras, transparentes. Nela, a montanha
não é montanha, rio não é rio.
Finalmente age e quando age, a montanha é montanha e rio é rio. Apenas que tudo é somente a aparência
externa.
Mestre Maa, quanto a “Conhecendo o
masculino, resguardando o feminino”, nos diz que o masculino representa a
força e o feminino representa a humildade.
Sendo a
ravina sob o céu
O termo ‘sob o céu’ significa ‘no
mundo’.
Mestre Maa compreende a ravina como o
Grande Retorno, o Hexagrama O Retorno, do I Ching.
No I Ching, o Hexagrama é composto de 6
linhas, cada linha representando o Yin ou o Yang. Todos os 64 Hexagramas representam o ciclo do
crescimento e da redução do Yin e do Yang no ciclo da vida, da natureza, do universo.
Quando a energia ativa gradualmente se
reduz ao ponto máximo, ela atinge a absoluta receptividade. E, dentro dessa absoluta receptividade e
passividade, nasce a primeira força criativa.
Após ter alcançado a plena morte, a vida renasce. Dentro da completa quietude, o movimento
ressurge trazendo a atividade, a energia criativa. Após a redução do Yang, da atividade,
atingiu-se o ponto de absoluta quietude e com a volta do Yang, dá-se o Ponto do
Retorno. No I Ching, esse Ponto do
Retorno é o Travão sob a Terra.
___
___
___ ___
___ ___ Terra
___ ___
___ ___
_______ Trovão
___ ___
___ ___ Terra
___ ___
___ ___
_______ Trovão
Dentro das quatro estações do ano, esse
ponto representa o final do inverno No
auge do inverno, a energia ressurge correspondendo ao Sol em Capricórnio, do 15o
grau em diante, na astrologia. Esse é o
ponto do retorno.
A ravina é o ponto mais baixo do
Planeta, o vale estreito com a água do riacho correndo. É análoga à imagem do Grande Vazio, de onde
surge a primeira energia corrente, ativa, Yang.
Conhecer a força e manter-se na
suavidade é saber mergulhar na mais profunda receptividade, para poder renascer
com uma força renovada, renovadora, rejuvenescedora e criativa. Esse é o ponto do Grande Retorno.
O que é o Grande Retorno? É entrar na morte para se renascer para uma
nova vida. Isso nos lembra o mítico
conceito da alquimia ocidental quando fala da fênix renascendo de suas próprias
cinzas.
Sem se
afastar da Virtude Eterna
Mestre Maa diz que ‘Eterna’ significa
não-dualidade, significa mantermos a Unidade dentro de nós.
‘Eterna’ é infinitude - Vida e
Consciência Infinitas.
Quando nossa Consciência e nossa Vida
não se separam mais, entramos no estado de Unidade.
Numa pessoa comum, a vida e a
consciência são separadas. No momento do
nascimento, a consciência se une à vida física e no final da encarnação, a
consciência e a vida se separam.
Manter a Virtude Eterna quer dizer
manter a Virtude da Unidade. A Virtude
da Unidade é saber viver indivisivelmente.
Isso significa uma pessoa com uma conduta única, com a mesma compreensão
espiritual para todas as coisas, com a mesma consciência e com o mesmo
comportamento virtuoso para todos os momentos do cotidiano. Com as mesmas Virtudes para discernir o
correto e o não-correto.
Essa é a Virtude Eterna, a que não se
separa. Não separar significa que não
haverá a vida e a morte.
Dessa maneira,
Retornará a
ser criança
Criança é o simbolismo da união da Vida
com a Consciência.
A criança passa pela fecundação,
crescimento e, após 9 meses, está pronta.
Com a entrada da alma, o neném nasce.
Ainda desde o estado de recém-nascido até pouca idade, pode ainda não
ter ressuscitado os vícios e hábitos antigos e pode ainda não ter aprendido
coisas novas e novos vícios, etc. Dessa
maneira, a criança - e principalmente o bebê -, tem uma consciência única. Na criança, a consciência e a energia do
corpo, tudo é uma única coisa.
Conforme a criança vai crescendo, vai
desenvolvendo o contato sensorial do corpo, as alterações emocionais e assim a
direção da consciência muda. A energia
fica oscilando desordenadamente ora para um lado, ora para outro lado, entrando
num estado de dualização. A
personalidade fica mais complexa e mais múltipla e a pessoa vai trazendo à tona
suas outras personalidades que já existiam dentro de si mas que ainda permaneciam
como se fossem ‘sementes’. Com a
irrigação dos novos hábitos do cotidiano, esses hábitos são como água jogada
nessas sementes que crescerão e frutificarão.
Pergunta: Essas sementes seriam advindas de vidas
passadas?
Resposta de Cherng:
Sim, essas sementes sempre vêm de vidas
passadas. E, como normalmente as pessoas
criam Karmas e vícios muito rapidamente nesta vida, além de terem consigo as
sementes ressuscitadas como uma floresta dentro de si - e cada árvore dessa
floresta já traz novas sementes -, outras arvorezinhas brotam e dentro dessa
vida um mundo de coisas são criadas e, no momento da morte, carregam-se muitas
dessas sementes adiante. Quanto maior
quantidade de sementes, maior a quantidade de complexidades na vida.
Voltando ao texto, em relação ao
primeiro trecho, Mestre Maa nos diz que um realizador do Tao, um Taoísta,
deveria ter uma forte força de vontade para se libertar dos laços
mundanos. Essa é a força que ele tem que
conhecer. Ao mesmo tempo, o Taoísta tem
que ter um coração totalmente feminino, com afetividade, receptividade,
humildade, para poder abranger todas as coisas.
Essa pessoa, então, pode ser considerada aquela que conhece o masculino,
que conhece a força. E essa força não é
usada para atacar o outro ou para dominar o outro. A força a ser invocada, a ser cultivada, é a
de dominar a si próprio com a força de vontade para transcender as coisas que
prendem o homem aos 6 caminhos da transmigração, aos 3 mundos que o limita.
É preciso manter o comportamento feminino,
manter o coração na receptividade, na suavidade, na humildade. E esse coração humilde e receptivo é como se
fosse o Vazio que irá permitir que todos os Sopro vitais - o Sopro do Absoluto
do Céu Anterior - entrem dentro de nós e nos purifiquem. Com a entrada dessa Consciência pura, com o
Sopro Puro dentro de nós, somos capazes de ter o Yin e o Yang unidos, criando
um novo eu. Esse novo eu é exatamente o
que Lao Tse chama de ‘a criança renascida’, quando diz: Retornará a ser criança
Conhecendo o
branco, resguardando o negro
O branco é dia, é consciente, é lúcido.
O negro é noite, é inconsciente, é
interior.
É preciso sabermos ter a consciência, o
racional, o lógico, o lúcido, o dia, e a utilização da inteligência. E, ao invés de usarmos a inteligência,
devemos procurar nos manter em estado mais intuitivo, receptivo, interiorizado
e menos racional.
Mestre Maa diz que, apesar de termos a
inteligência, devemos procurar aprender a viver de maneira como se fossemos
menos inteligentes, ignorantes até. Ou
seja, apesar do conhecimento que a inteligência permite, devemos nos resguardar
e nos manter como ignorantes. Isso pode
ser um conselho sábio porque, se a pessoa, apesar de sua inteligência, se
colocar como ignorante, ela terá sempre a humildade de aprender, para ouvir,
para interagir.
Ser ignorante, é ter humildade. Somos ignorantes perante o mundo, temos muita
coisa para aprender, dessa forma, somos como uma ‘ravina sob o
céu’, ficamos embaixo, com humildade, recebendo a água que vem do céu,
a água que vem dos rios que descem das montanhas, deixando a energia passar por
nós, sem a prendermos, sendo humildes e receptivos - isso é saber ser
ignorante.
E Mestre Maa nos diz que na prática
espiritual, sabendo ser ignorantes, podemos cultivar e criar a grande
inteligência. Não nos apegando à
inteligência - que na verdade é a pequena inteligência -, podemos realmente
cultivar a grande inteligência.
Qual é a diferença entre a pequena
inteligência e a grande inteligência?
A pequena inteligência é aquela esperteza
para entender as coisas, é sempre ter uma palavra na ponta da língua, é
aparentemente saber resolver qualquer problema.
A grande inteligência é a sabedoria de
ter uma consciência da totalidade, de saber ter a consciência unida a todas as
consciências de uma maneira natural e suave.
Essa é a grande consciência.
E a pequena consciência é o eu diante
dos outros e sempre vencendo os outros.
Tudo ainda acontecendo no nível da dualidade, sem a integração com os
outros.
A pequena inteligência pode muitas
vezes ser até destrutiva. Vemos isso na
ciência, na ciência moderna. O homem,
com sua inteligência, está o tempo todo em guerra com a natureza, com as
pessoas, com o céu, com a terra, com todos os seres. Então, essa inteligência ativa acaba destruindo
tudo em sua frente, muitas vezes sendo conhecida como ‘transformadora do mundo’
- apenas que essa ‘transformação’ é simplesmente a destruição da harmonia e do
equilíbrio.
A grande inteligência é aquela que não
se choca com os outros seres, ela é unida com todos os seres.
Essa é a diferença entre a grande
inteligência e a pequena inteligência.
“Resguardar o negro” significa
resguardar essa ignorância, a quietude e a humildade, para podermos criar a
grande inteligência.
Por isso, Ele diz:
Conhecendo o
branco, resguardando o negro
Sendo o
modelo sob o céu
Esse seria o modelo, segundo Lao
Tse. Esse modelo é saber ser receptivo,
saber ter humildade.
Sem se
enganar com a Virtude Eterna
Retornará à
Extremidade Inexistente
Extremidade Inexistente é o Wu
Chi. Quem rompe com a barreira do
racional, da mente, da palavra, entra no verdadeiro silêncio cósmico.
Isso se chama entrar no Portão Negro.
O Portão Negro é o lugar da grande quietude e dentro dele nasce a grande
inteligência, nasce a grande vitalidade.
Quando é a diferença entre a Grande
Vida e a pequena vida?
A Grande Vida são todas as vidas como
uma única vida. Vida de todos os tempos
como uma única vida. Vida de todos os
lugares como uma única vida.
A pequena vida é a vida de hoje, separada
da de ontem, da de amanhã, de aqui e de ali.
Conseguindo restaurar a Grande Vida com
a Grande Inteligência, unindo a Grande Vida com a Grande Inteligência - fazendo
uma única realidade -, isso se chama a Imortalidade.
Esse é o conceito da Imortalidade no Taoísmo - a Vida
e a Consciência Infinitas.
Por isso, inúmeras vezes na meditação
Taoísta, devemos nos alertar para o fato de que é muito comum surgirem efeitos,
fenômenos. De repente, começamos a
sentir a energia circulando dentro do corpo, o corpo sai e volta, vêem-se
luzes, divindades aparecem, sons, palavras, objetos movendo... Com a assiduidade da prática espiritual, os
fenômenos acontecem.
E quando acontecem, o que se faz?
Não faz, não se faz nada. Devemos jogar tudo para dentro do Vazio,
novamente. Não devemos prestar qualquer
atenção, nem lutar contra, nem alimentar, nem negar. Tudo, na prática da meditação, visualização,
mantra, respiração, tudo isso é instrumento para se entrar no Vazio.
Qualquer efeito gerado será um efeito
paranormal ou extrasensorial. E quando
os efeitos aparecem, nosso comportamento é o de não confirmar tais efeitos e
também o de não negá-los. O
comportamento é nem o da confirmação, nem o da negação.
Ao se confirmar, fica-se preso aos
efeitos, fica-se preso à pequena vida e à pequena consciência.
Ao se negar, está-se confirmando
através do lado inconsciente, através do inverso.
Também por isso não se deve ter uma
obsessiva paixão pelas divindades nem se deve ter repúdio pelos demônios.
O grande repúdio aos demônios é uma
paixão ao avesso. Uma grande paixão
pelas divindades, é trazer o demônio inverso por detrás das divindades.
A divindade representa a
transcendência, está acima da paixão, do apego.
O que fazemos então?
Ignoramos. Devemos ser ignorantes até perante aquilo que
estamos conquistando.
Sendo ignorantes, estamos nos colocando
como a ravina, o vale sob o céu. Assim,
tudo será natural, passará por nós sem ficar preso, e sem sermos presos a
nada. Com a água presa no vale, o vale
se enche, a água fica estagnada, a vida se torna estagnada, nada mais cabe, a
consciência se torna limitada.
Por isso Lao Tse diz que é preciso ter
um Vazio interior para se poder retornar à Extremidade Inexistente, que é a
maneira do Céu Anterior ser.
Conhecendo a
glória, resguardando a humildade
Mestre Maa diz que conhecer a glória é
saber enxergar corretamente todas as riquezas, famas e valores do mundo para
transcendê-los.
Uma pessoa que não é capaz de encarar a
riqueza, a fama e o poder, estará fugindo.
E fugindo, tudo isso passa a ser uma sombra que a perseguirá.
É preciso ter a coragem, a força, ou
seja, o Yang, para encarar o mundo e ao mesmo tempo, prescindir dele.
Sendo o vale
sob o céu
Mestre Maa diz que o vale sob o
céu
também pode ser entendido como uma pessoa com o coração totalmente aberto. O vale está aberto para o espaço. Uma pessoa com o coração como o vale sob o
céu, é uma pessoa com o coração aberto para o universo.
Sendo o vale
sob o céu, completará a Virtude Eterna
Aí está o Tai Chi, ou seja, a Unidade
que corre dentro do Wu Chi, como se fosse um riacho da vida correndo dentro de
um vale receptivo, que não retém, que não impede, deixando a vida ir e vir,
infinitamente e não sendo alterado por isto, não deixando de ter a vida e não
sendo preso pela vida.
E retornará a
ser madeira bruta
Essa é a representação do estado
primordial de ser. A pessoa volta a ser
como se fosse uma árvore pura, ao invés de ser uma mesa, uma cadeira, algo
feito de madeira.
É voltar a ser a não-forma, voltar a ser
a naturalidade. Voltar a ser algo
diretamente instalado na natureza. Uma
pessoa que tenha a receptividade, como o vale sob o céu, como o seu espírito,
como sua maneira de ser, tudo o que nasce dentro de sua vida, nasce de uma
maneira natural. Tudo o que existe em
sua vida é como se fosse uma árvore que nasce em um vale, naturalmente,
com toda sua perfeição. Sem que essa perfeição seja engenhosamente
talhada ou organizada.
A madeira
bruta partida transforma-se em instrumentos
Quem possui o estado do Tai Chi, esse
estado puro, essa matéria prima de ser, pode ser transformado em infinitas
maneiras de ser. Como o Tai Chi que
nasce do Wu Chi. Dentro do Tai Chi,
existem o Yin e o Yang, existem o Céu, a Terra e o Homem, existem as quatro
imagens, os cinco elementos, os oito trigramas e tudo o mais. Ou seja, a partir da Unidade, se encontra o
infinito, com infinitas manifestações.
Porém, todas essas infinitas manifestações são governadas por uma única
Consciência.
O universo é complexo mas a sua governança
é simples.
Por isso, Lao Tse diz:
E o Homem
Sagrado utiliza-os através de um regente
Esse regente é uma Consciência que está
em tudo, é uma única Lei que a tudo governa, uma lei simples.
Muitas vezes, pergunta-se em relação ao
Taoísmo:
-
Sempre que o Taoísmo fala em simplicidade, em naturalidade, como é
possível, na prática mística, falar-se em tantos reinos celestiais, tantas
divindades, tudo tão complexo, tão complicado?
-
Afinal, o universo, segundo o Taoísmo, é complexo ou é simples?
-
Afinal, fala-se da filosofia da simplicidade ou fala-se da
complexidade?
A resposta é muito simples: o universo
é complexo. Mas a Lei que rege o
universo é simples.
Ninguém pode afirmar que o universo não
seja complexo. São milhões e milhões de galáxias, milhões e milhões de sistemas
solares dentro das galáxias, existem milhões e milhões de espécies de seres,
com formas e características diferenciadas.
No Taoísmo, existem 33 céus do Céu Posterior, 33 Céus do Céu
Anterior. Mais ainda 3 fronteiras: os
mundos do desejo, da forma e da não-forma.
E também existem o caminho que vai para cima e o caminho que vai para
baixo. Divindades de luz, divindades de
obscuridade, outras tantas categorias e divisões entre as divindades,
subdivididas em outros tantos ministérios...
Enfim, tudo muito complexo.
De onde se inspira essa
complexíssima teologia? Inspira-se simplesmente na própria natureza
do universo. Porque o universo é
complexo.
Qualquer universo é complexo. De uma folha de árvore levada ao laboratório,
pode-se perceber toda sua complexidade.
Cada folha de árvore é um universo, cada grão de areia é um
universo. Cada fio de cabelo, cada
pessoa, cada país, cada planeta, cada sistema solar é um universo, cada grande
universo é um universo e tudo forma um grande universo: são infinitos
universos, um dentro do outro.
O universo é extremamente complexo em
sua própria estrutura. Mas existe uma
simples Lei para regê-lo. Essa simples
Lei é o Absoluto, a unidade, a dualidade, a triplicidade... e as regras
matemáticas.
Quem compreende a essência, compreende
a simplicidade. Através da simplicidade,
podemos viver o complexo universo e cada departamento seu, de uma maneira
simples.
O homem com o espírito simples, através
da simplicidade, pode se relacionar com tudo.
Portanto, o mundo é complexo mas a vida
pode ser simples ou complicada. Isso só
depende do coração simples ou confuso, do homem.
Quem tem a simplicidade em seu âmago,
pode ter uma vida simples, apesar da complexidade que a envolve.
É assim formada toda a estrutura
mística do Taoísmo.
Não se pode negar o que existe, mas é
preciso buscar a simplicidade, mesmo que o todo seja extremamente complexo.
Com a simplicidade em nosso âmago,
podemos viver a complexidade da vida e do mundo.
Como podemos ter isso? Buscando a simplicidade.
Por isso, Lao Tse diz:
Conhecendo o
masculino, resguardando o feminino
Conhecendo o mundo complexo,
permanecendo o espírito em estado receptivo, quieto e tranqüilo. Mesmo em grandes turbilhões da vida, sempre
agindo de forma calma e tranqüila, sem fuga, sem relutâncias.
Dessa maneira, o Taoísmo parece
difícil. Difícil porque não existem
regras ou doutrinas (o que poderia parecer mais fácil, para as pessoas em
geral).
Por que então é difícil?
Porque nós temos dificuldade em
encontrar essa simplicidade interior.
Por isso, Lao Tse diz:
E o Homem
Sagrado utiliza-os através de um regente
Esse regente é uma Consciência única
que ordena todas as coisas sem que estas sejam separadas.
O universo é o Tai Chi.
Dentro do Tai Chi existem o Yin e o
Yang.
No encontro do Yin e do Yang formam-se
o Céu, a Terra e o Homem. Criam-se as
quatro direções, os oito trigramas e as infinitas possibilidades em suas
combinações.
Porém, tudo isso é Yin e Yang.
E o Yin e o Yang formam o Tai Chi.
E todo o Tai Chi está dentro do Wu Chi.
Isso é simples.
E, nessa simplicidade, se governam
todas as coisas sem que elas se separem.
Mesmo que aparentemente estejam separadas. Mas não estão.
E Lao Tse a isso denomina:
Isto tudo é
um grande corte sem incisão.
Uma pessoa que vive com a simplicidade
e a essência ensinadas por Lao Tse e o I Ching, é capaz de discernir as coisas.
O que é discernir?
Discernir é fazer um grande corte: isso
eu faço, isso eu não faço. É o
discernimento. O discernimento é um
corte.
A diferença entre julgamento e
discernimento é que
Julgamento
- que é mais preconceituoso - é um corte com incisão.
Discernimento
é saber seguir o caminho naturalmente correto, sem que seja preciso haver um
corte, uma ruptura.
Ou
seja, tudo é um trabalho muito mais sutil, mais interior.
...............
Foto: Sítio das Estrelas, Janine Milward
TAO TE CHING
O LIVRO DO
CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o
Mestre do Tao
Tradução e
Interpretação do Capítulo 28
do Tao Te
Ching, de Lao Tse,
por WU JYH
CHERNG
Transcrição e
Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de
Janeiro, em 24 de janeiro de 1995
Transcrição e
Síntese de Janine Milward
A tradução
dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês
para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora
Ursa Maior,
sendo
hoje publicada pela Editora Mauad, São
Paulo, Brasil
Nesta mesma
Editora, encontra-se
a realização
da publicaçãodas interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao
Tse, o Tao Te Ching