Quem alarga os passos não caminha




TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
  
Tradução e Interpretação do Capítulo 24
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 20 de dezembro de 1994


Capítulo 24


Quem respira apressado não dura
Quem alarga os passos não caminha
Quem vê por si não se ilumina
Quem aprova por si não resplandece
Quem se auto-enriquece não cria a obra
Quem se exalta não cresce


Esses, para o Caminho, são como os restos de alimento de uma oferenda
Coisas desprezadas por todos
Por isso, quem possui o Caminho não atua desse modo



Esse Capítulo fala basicamente de duas coisas:

-          A importância do não-superficialismo, de se fazer uma busca profunda e verdadeira.

-          O não-egoísmo.  Que nosso trabalho, que nossa busca, que nossos trabalhos material e espiritual não sejam construídos em cima de uma referência egoísta.



Quem respira apressado não dura
Quem alarga os passos não caminha


Essas palavras falam sobre a pressa.  Todas as coisas feitas com pressa são feitas de uma maneira superficial.

Falam da naturalidade.  Todas as coisas têm um tempo próprio para acontecerem.

Ao darmos um passo maior do que podemos dar, nos cansamos e não podemos caminhar mais.

Também essas palavras dizem que a cultura moderna é uma cultura de ‘alargar passos’.

Nós consumimos muito rapidamente.  Existe uma grande crise na Terra em função de que o ser humano dá um passo maior do que a natureza.  Ou seja, o homem deixa de se integrar com a natureza, com o céu, com a terra, com a floresta e com os outros seres porque tende a dar passos maiores, consumir mais do que pode oferecer.

A Terra é rica mas, por mais rica que seja, esse consumo exagerado, esses grandes passos, acabam cansando a Terra, cansando o nosso mundo.

Igualmente, passos grandes podem significar o excesso de informações.  Temos informação através da visão, da audição, do paladar, das sensações.  Nossos sentidos sensoriais e não-sensoriais (intelectuais, racionais e memórias) estão em processo muito acelerado.  A quantidade de informações é muito grande.  São os grandes passos.  Isso nos leva ao stress, a uma ruptura.

Se andarmos muito rapidamente com passos grandes, vamos tropeçar, cair, pisar em buracos, sem conseguirmos nos desviar dos obstáculos da estrada.  Ou nos cansamos.  Isso traz a ruptura, a quebra.

Quando a vida é vivida em excesso de informação, excesso de alimentação, excesso de preocupações, de efeitos intelectuais, racionais e sensoriais, todo o nosso recurso humano é desgastado rapidamente.

Quando alargamos os passos, estamos reduzindo nossa distância de vida.

Se a vida é uma estrada que pode ser caminhada durante, digamos, até 120 anos, hoje somos capazes de caminhá-la em doze, trinta, cinqüenta anos e terminá-la.

A vida reduz e a intensidade de cada momento aumenta.  Isso faz com que a vida se torne estressante e curta.

O Taoísmo dá muita importância à longevidade, à constância e à fluidez contínua da vida humana.

E ‘alargar os passos’ é, metaforicamente, uma atitude de redução de vida.


Quem respira apressado não dura.

Uma respiração muito apressada não dura muito tempo.  quando a respiração é lenta, podemos respirar por muito tempo.  Quem pratica Tai Chi ou Yoga sabe disso.


Dentro das práticas, existem dois tipos de respiração:

-          A respiração rápida - que é uma espécie de fole.

-          A respiração que acontece no processo de meditação.  Nesse processo, a respiração é mais lenta e mais longa, e pode ser utilizada por mais tempo até bem mais tempo do que aquele que conseguimos normalmente respirar.

Uma pessoa com a respiração muito agitada, tem muito escape de energia.  E se continuar por muito tempo, desmaia.

Existem terapias que usam a respiração do caos, com movimentos desconectados, rápidos, lentos, misturados, acelerados, rodopiando, com catarse.  Utiliza-se, assim, como meio de liberação.  No entanto, devemos nos lembrar do que fala o Capítulo anterior:

Uma tempestade não dura uma manhã inteira
Uma ventania não dura o dia inteiro

Esses trabalhos exagerados podem ter seus efeitos terapêuticos mas não duram para sempre.


Uma vez no Caminho do Taoísmo, busca-se a integração, a harmonia, visando a integração do homem com a terra e o céu.  Visando a infinitude do ser transcendendo as limitações do tempo e do espaço.

A visão do Taoísmo é a visão da Consciência, da sensatez.  Precisamos ter a consciência da nossa realidade, em que ponto estamos, até que grau vão nossos vícios físicos e psicológicos.  Assim, podemos determinar se precisamos de catarses violentas ou se podemos nos conduzir por um processo mais natural de vida.  Dessa forma, não adoeceremos.

Essencialmente, devemos procurar um caminho mais contínuo e mais equilibrado, com harmonia, ou seja, devemos trabalhar par que nunca precisemos recorrer ao médico, sempre enfatizando a busca do equilíbrio, da saúde, da constância.

Tudo é temporário, tudo é passageiro.  O que não é passageiro é nossa vida cotidiana.

Alopatia, homeopatia, fitoterapia, tudo isso é passageiro.

O que é passageiro deve ser encarado de uma maneira mais dinâmica.

O que é constante deve ser encarado com um fundo mais filosófico.

Sobre isso fala este Capítulo.

Quem respira apressado não dura
Quem alarga os passos não caminha

Devemos ter equilíbrio para respirar equilibradamente e caminharmos integrados com a vida.


O Taoísmo tem uma visão bem ecológica das coisas.  Ou melhor, o Taoísmo trabalha com a visão da Consciência.  Uma pessoa com Consciência, naturalmente é  ecológica, sensata.

Também existe no Taoísmo um conceito que é um pouco diferente das outras tradições místicas.  As outras tradições dizem que uma pessoa quando nasce já vem com um relativo Karma que lhe proporciona a possibilidade de uma certa duração de vida.  A maioria das Escolas pensa que, dependendo do Karma da pessoa, ela pode ter uma vida de menor ou maior duração.

O Taoísmo não vê assim.  O Taoísmo diz que quando uma pessoa nasce, de acordo com seu Karma anterior, ela vai ter provavelmente uma certa quantidade de respirações.

Em resumo, se a pessoa consegue ter um bom trabalho respiratório, profundo, não-apressado, naturalmente terá um prolongamento de sua vida, independente de seu ‘merecido Karma’.

Respiração mais suave e profunda, vida mais longa.

Uma pessoa com a respiração profunda e suave capta maior quantidade de oxigênio e de energias vitais.  E elimina mais gás carbônico e energias impuras.  Uma pessoa com respiração suave e profunda tem o diafragma mais conservado, sem tensão, sem reter energias do campo emocional.

Na parte superior do corpo, com uma boa energização e oxigenação, abre-se para uma capacidade mental mais ampla.

Na parte inferior do corpo, as energias vitais e sexuais ficarão mais plenas.  A pessoa tem mais saúde física e mental.

Por isso, o Taoísmo prega que quem respira mais suavemente e profundamente, naturalmente terá mais saúde física, energética, mental e emocional.

Mestre Maa diz:

“Alteração emocional altera imediatamente a respiração.  A grande alteração emocional coletiva da humanidade altera coletivamente a respiração da humanidade.”

Imaginemos nós e um trilhão de pessoas respirando com ansiedade, como seria a energia do Planeta?  Isso traz os desastres naturais como alteração de clima, de vento, das tempestades, na Terra.

Mestre Maa diz que as atenções das pessoas e suas preocupações voltadas para alguma questão, com suas respirações, alteram projetando uma alteração climática a médio ou longo prazo.

Cada vez mais nosso clima é alterado inexplicavelmente.  Frio no verão, calor no inverno, regiões com seca, regiões com enchentes.

Mestre Maa diz que estas alterações - apesar das depredações que o ser humano faz diretamente na natureza - são provenientes das interferências indiretas que vêm acontecendo nos últimos 30, 40, 50 anos devido à grande comunicação global.  O mundo inteiro vem sendo pressionado pela preocupação, pelas guerras que se movem de um continente para outro, etc.

Podemos pensar que estamos longe da linha de fogo - mas nos preocupamos - mesmo que não conscientemente.

Na soma das coisas, podemos produzir a alteração da atmosfera a longo e médio prazo e passaremos a ter uma desordem na natureza que não terá controle e entrará num círculo vicioso.

Mestre Maa diz que é fundamental que todas as pessoas tenham consciência de sua respiração.  O ar que eu respiro é o mesmo ar que todas as pessoas respiram, todos os seres, animais, vegetais, minerais, tudo.

Por isso, é preciso ter consciência disso e trabalhar para que nossa respiração seja mais constante, mais profunda.  Assim, a vida dura mais, flui mais.  Não apenas a nossa vida, mas todas as vidas.

Devemos não alargar os passos, devemos sintonizar com o céu, com a terra, com o dia, com a noite, calor, frio e não violar as leis da natureza.

Se cada um de nós tiver essa consciência, o mundo se tornará mais equilibrado.

Essa compreensão se estende ao conceito do não-egoísmo.

Quando uma pessoa se preocupa demais consigo mesma, ela se torna egoísta.  Ela tem toda a sua consciência girando em torno do seu ego.

Não fundamentando nossa consciência apenas no ego, faz com que não nos tornemos egoístas.


Quem vê por si não se ilumina

Existem pessoas que vêem e sentem as coisas apenas através de seus próprios pontos de vista.  E se ressentem que os outros não lhe dão o devido valor.  Essas pessoas acham que estão praticando o bem e na verdade estão fazendo o bem que elas conseguem perceber.  No entanto, são incapazes de se colocarem no lugar do outro, de saber o que o outro está realmente querendo, pensando, precisando.

São as pessoas que parecem sempre saber o que é bom ou não para os outros.  Depois, ficam frustradas, reclamando, se sentindo mal-amadas.  São pessoas que não conseguem ver além de seus próprios pontos de vista.  E isso não ilumina.


Quem aprova por si não resplandece

São as pessoas que sentem que estão sempre certas, corretas, sempre sabem de tudo.


Quem se auto-enriquece não cria a obra

São as pessoas que buscam apenas o benefício para si próprio, não criando obras para a sociedade, não doando para os outros.

O Taoísmo considera que todos nós estamos de passagem e é sempre bom podermos deixar uma obra que beneficie as outras pessoas.  Coisas pequenas, como por exemplo, plantar uma árvore.  Essa árvore um dia servirá de sombra e dará frutos e flores e alguém desfrutará.

Fazer a obra sem intenção.  Quando fazemos as coisas não apenas para nosso benefício mas que devem ser feitas, elas acabam gerando algum benefício para os outros.


Quem se exalta não cresce

Uma pessoa que se considera a melhor em tudo, dona da verdade, dona do poder, pode até não conseguir realizar todos os seus intentos mas com certeza pode estar prejudicando aos outros, com os efeitos colaterais de seus atos desmedidos.


Nesse sentido, Lao Tse é taxativo, sem perdão, quando diz:

Esses, para o Caminho, são como os restos de alimento de uma oferenda

‘Esses’ referem-se a aquelas pessoas que aprovam a si mesmas.

Normalmente, no altar, temos os alimentos oferecidos.  Na hora de serem oferecidos, eles são os melhores, mas quando apodrecem, não servem mais.

Por isso mesmo, trocamos as frutas e outros alimentos do altar antes que pereçam e que sejam desperdiçados.

Por isso, Ele diz:
Coisas desprezadas por todos
Por isso, quem possui o Caminho não atua desse modo


É fundamental, portanto, que trabalhemos nossa consciência para que, aos poucos, nos tornemos menos egoístas, procurando fazer as coisas com naturalidade, dentro do caminho da naturalidade, não sendo rápidos demais, nem excessivos, não fazendo as coisas apenas para o nosso benefício.

Fazer, simplesmente, mesmo que não levemos os louros da glória e do reconhecimento.  É preciso criar a obra mesmo que não a terminemos, mesmo que não seja identificada como trabalho nosso.

Não sendo egoístas, não valorizando demais a nós próprios, nos permite ir a níveis mais profundos do nosso ser.

Uma pessoa egoísta certamente é uma pessoa superficial.  Sua raiz é individual demais e não consegue se estender à plenitude da coletividade.

Por isso, Lao Tse está todo o tempo nos dizendo para termos a Consciência, para trabalharmos profundamente, para sermos constantes e não dispersivos, sem querermos saber de tudo, sem querermos ser onipotentes, sendo menos egoístas.

Isso é basicamente o que o Taoísmo vê como o Caminho do Homem.

É um processo lento.  Porém, melhor do que não fazer, é fazer.


...............

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 24
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 20 de dezembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward
Foto: Sítio das Estrelas


A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se
a realização da publicaçãodas interpretações de Wu Jyh Cherng

 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching

Quem segue e realiza através do Caminho, adquire o Caminho




TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
  
Tradução e Interpretação do Capítulo 23
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 13 de dezembro de 1994


Capítulo 23

Falar pouco é o natural

Um redemoinho não dura uma manhã
Uma rajada de chuva não dura um dia

De onde provêm essas coisas?
Do Céu e da Terra
Se nem o céu e a terra podem produzir coisas duráveis,
Quanto mais os seres humanos?

Por isso,
Quem segue e realiza através do Caminho, adquire o Caminho
Quem se iguala à Virtude, adquire a Virtude
Quem se iguala à perda, perde o Caminho

Convicção insuficiente leva à não-convicção





Falar pouco é o natural

O Taoísmo - como qualquer outra prática mística -, inevitavelmente, expõe a pessoa a uma série de experiências místicas. 

De uma forma geral, o comportamento do Taoísmo diante desses fenômenos ou dessas experiências que são adquiridos através a meditação, do ritual ou de qualquer outra prática, é o de colocar essas experiências de maneira menos significativa possível.  Isto não significa intencionalmente reprimir ou evitar, apenas não ficar alimentando ou especulando sobre esses fenômenos.

Todas as experiências interiores - e é por isso que são interiores -, não têm necessidade de serem colocadas exteriormente, de serem exteriorizadas.

Quando essas experiências interiores são colocadas constantemente para fora, podem levar a pessoa a uma grande perda de energia e também podem conduzir a consciência da pessoa para um caminho que está fora da realização espiritual.

Por isso, o Taoísmo não incentiva o cultivo do fenômeno.

Isto não quer dizer que na prática espiritual do Taoísmo não aconteçam fenômenos.  Apenas que esses fenômenos devem ser encarados como nada e não encarados como algo muito especial.

É muito comum se encontrar em outras religiões os testemunhos daquilo que as pessoas passam a ver, a sentir, a ouvir e tais fenômenos são entendidos como ‘prova de fé’, etc.   O que realmente acontece é que tais procedimentos podem levar as pessoas a uma posição muito radical e muitas vezes até à histeria.  Ou pode-se criar o orgulho e a vaidade - coisas que nada ajudam.


Basicamente, o Taoísmo vê que a Iluminação do Espírito não é necessariamente vinculada aos fenômenos sobrenaturais.

Uma pessoa iluminada é uma pessoa que tem uma lucidez interior, que tem uma consciência lúcida e que não necessariamente se manifesta na vida cotidiana em forma de fenômenos paranormais ou sobrenaturais.

Por outro lado, uma pessoa que tenha a capacidade de provocar fenômenos extra-sensoriais ou paranormais não significa que seja iluminada.

De uma forma geral, uma pessoa que esteja a toda hora demonstrando fenômenos extra-sensoriais ou paranormais ou sobrenaturais, normalmente, tem a consciência muito limitada, seu grau de iluminação é muito limitado pela vaidade, pelo orgulho, pelo auto-encantamento.  Esse tipo de pessoa  costuma externar coisas que viu, que ouviu, etc.  Estas são exatamente aquelas pedras que tentamos remover do caminho da realização espiritual.

Desse modo, o Taoísmo não enfatiza os fenômenos: não foge deles mas não procura alimentá-los.


Pergunta: 
Isso tem alguma coisa a ver com o Hexagrama Obscurecimento da Luz?

Resposta de Cherng: 
Certo.   Procuramos colocar a iluminação interiormente e não ficar exteriorizando.  Uma pessoa que venha praticando a meditação há bastante tempo, naturalmente será levada à premonição.  Na verdade, esse é um dos níveis rasteiros que se pode atingir com a meditação.  Pode-se ir a níveis bem mais profundos, pode-se ver coisas acontecendo a distância, pode-se prever coisas que ainda vão acontecer, pode-se ver cenas...  Tudo isso pode acontecer como conseqüência da meditação.  Nosso cérebro é muito complexo, tem inúmeros departamentos que normalmente não utilizamos.


Através da meditação, quando a pessoa relaxa profundamente, inúmeros pequenos canais de energia se desbloqueiam e deles flui energia e essa energia pode acionar uma série de capacidades.

Essa abertura de energia pode acontecer no campo dos fenômenos como em outros campos.  Também pode acontecer que a pessoa passa a ser muito ‘afiada’, sempre tendo uma palavra pronta na ponta da língua, sempre conseguindo enxergar com muita lucidez e conseguindo deduzir coisas com muita precisão.  É aquele tipo de pessoa que ‘não perdoa nada’ e não deixa nada passar e vai interpretando tudo, todos os gestos e movimentos e ações das outras pessoas e assim consegue demonstrar uma análise e uma observação bastante aguçadas e afiadas.

Por isso, Lao Tse em outro Capítulo do Tao Te Ching, diz ‘cegando-se o corte e desatando-se os nós’ - os nós são bloqueios interiores.  O fio da lâmina é cortante, portanto, quando uma pessoa é ‘afiada’, ela é cortante.  Quando uma pessoa tem uma consciência muito polida, ela corta como uma faca afiada, apenas que em nível mais sutil.

O Hexagrama mencionado do I Ching, Obscurecimento da Luz, diz que quando existe um excesso de luz, essa luz fere.  Quando há muitos raios solares, a terra torna-se estéril.  Quando uma pessoa tem uma consciência muito afiada, ela tem uma consciência que corta, portanto ela pode se tornar nociva para si mesma e para os outros.  Nociva para si mesma porque essa pessoa vai sempre continuar afiando sua faca.  Se mantivermos uma faca sempre polida e afiada, chega um momento em que não teremos mais uma faca porque todo o metal será consumido pelo polimento demasiado.

Igualmente, se toda a energia e toda a consciência que conseguirmos através da meditação não forem discretamente preservadas, serão gastas como o fio da faca.

Em relação às outras pessoas, essa faca afiada pode cortar e lesar.  Se uma pessoa tem observações muito afiadas, suas palavras e suas deduções poderão machucar e prejudicar as outras pessoas.  Os outros, provavelmente, não estarão prontos para receberem essa ‘cirurgia’ sem anestesia, sem o devido preparo.

Nesse caso, a pessoa muito ‘afiada’ precisa ser despertada por si mesma ou tentar ser menos afiada, tentar ajudar os outros sem feri-los.  Isso é o que Lao Tse diz em relação às pessoas que chegaram a um nível muito afiado.

É preciso sermos menos exibicionistas, falarmos menos.  Nem sempre aquilo que está em nossa mente deve ser falado.  Também nem sempre aquilo que é verdade para nós, deverá ser dito.  Isso não  é para nos tornar hipócritas ou falsos mas sim para sermos mais cautelosos com a nossa mente, com a nossa palavra, com o nosso gesto.

Cada gesto nosso gera uma causa que gera um efeito, tanto em nós mesmos como em outras pessoas.  Cada palavra nossa é uma causa que gera um efeito.

Não falar em excesso, não fazer coisas em excesso: maior cautela em relação aos nossos gestos.  Não é um sentimento punitivo nem um sentimento de culpa: ‘não faço e não digo nada porque não quero nem fazer nem dizer coisas erradas’.  Não, não é com esse sentimento.

Devemos ter um sentimento, sim, de afetividade com as pessoas.  Essa afetividade pode ser vista de forma mais intensa nos relacionamentos afetivos.  No relacionamento social amplo, isso é mais ameno.

Quando uma pessoa está apaixonada por outra, ela tenta não desagradar o outro.  A afetividade traz o cuidado em relação à outra pessoa.  Esse sentimento de afetividade deve ser global, universal.

Quando uma pessoa estende seu sentimento de afeto a todas as outras pessoas, ela aprende a ser um pouco mais cautelosa, não falando em excesso, tendo mais cuidado com as palavras e com os gestos.

Isso não é para sermos egoístas - pelo contrário, é para sermos menos egoístas.

Existem horas em que precisamos ser determinados, precisos.  Existem horas em que precisamos ser mais resguardados.  Não com o sentimento de auto-proteção para não nos expor - porque isso seria um sentimento egoísta.

O Taoísmo trabalha essencialmente com a consciência universal e não com a consciência egoísta.  Todo o tempo estamos trabalhando com a consciência.  O ar que respiramos vem das outras pessoas e a elas retorna.  A energia de nosso corpo vem de outros corpos e a eles retornam.  Energeticamente, somos todos uma só pessoa com a mesma energia e o mesmo ar.

Dessa maneira, nós vivemos na consciência universal e não na consciência egóica.

Quando uma pessoa se resguarda de dizer coisas que iriam ferir ou prejudicar outras pessoas, ela não está sendo egoísta.  Embora que, por mais lúcidos que iluminados que possamos ser, ainda não somos plenamente iluminados.

Até que ponto a verdade é verdade?

Toda a verdade é relativa.  Mais ainda a verdade pessoal.  Então, cultivar dentro de nós o sentimento de afeto é fundamental.  Isso faz parte de nosso processo de conscientização.  É um processo de consciência universal e não de consciência egóica.

Lao Tse nos diz que temos três Tesouros:  o primeiro se chama Afetividade; o segundo se chama Sinceridade; e o terceiro se chama Humildade.

O Taoísmo cultiva a sabedoria da água: um pouco de água jogada dentro do mar faz parte do oceano, ou seja, deixa de ser uma consciência egóica - um copo de água - para ser uma consciência universal - a água do mar.  A água do mar é a água de todas as águas - e a água desce sempre para baixo.

Nesse sentido, hierarquicamente, dentro do Taoísmo, o discípulo chama o Mestre de Mestre Pai - demonstrando seu respeito - e o Mestre chama seu discípulo de Irmão, demonstrando que o discípulo encontra-se no mesmo nível do mestre.

Isso é humildade, é sabedoria da razão.  E não é teoria.  É prática.  Toda a filosofia do Taoísmo só faz sentido a partir do momento em que ela se mostra prática.  Somente a prática faz o sentido da teoria.  Por isso, o Taoísmo se chama Taoísmo.  Tao é o Caminho.  O Caminho só tem sentido quando nele caminhamos.  Não adianta construir uma grande estrada se ninguém anda nela... assim, logo a estrada desaparece.

A palavra Tao do Taoísmo significa Caminho.  Caminho só é caminho se alguém nele caminha.  A filosofia só é filosofia quando alguém a vive - senão seriam meras especulações, meras palavras.

Por isso, logo no início deste Capítulo, Lao Tse nos diz que ‘Falar pouco é o natural “.  Ele não diz que falar pouco é bom nem diz que falar muito é ruim.  Ele apenas diz que falar pouco é o natural.  O natural é o que é bom e o não-natural é o que não é bom.

O que é natural?

Natural é aquilo que está de acordo com a lei do céu e da terra e dos homens.  É aquilo que está de acordo com o grande destino cósmico.  É acordar quando o sol aparece e repousar quando a noite desce - acordar junto com o dia e repousar junto com a noite.  Iluminar no momento da iluminação e obscurecer no momento do obscurecimento.  É falar no momento das palavras e silenciar no momento das não-palavras.  Isso é que se chama de ‘natural’ e ‘falar pouco é o natural’.



Em seguida, Ele diz:
Um redemoinho não dura uma manhã
Uma rajada de chuva não dura um dia


Tudo o que é em excesso, se consome rapidamente.  Um vento muito forte não dura muito tempo.  Dura um tempo e desaparece.  Um vento mais brando, mais ameno, pode soprar durante um dia inteiro.

Igualmente, na vida humana, o trabalho constante não pode ser o fogo de palha que depois pode deixar a pessoa frustrada.  O burro de carga não anda rápido mas pode andar dias seguidos carregando peso.  O corcel corre rápido mas não carrega o peso que o burro carrega.  O caminho espiritual está mais para o burro do que para o corcel.

Existe um ditado que diz mais ou menos assim:  Quem tem força de vontade, tem força constante; quem não tem força de vontade, está constantemente tendo vontade.

Existem aquelas pessoas que estão sempre mudando de caminho, buscando coisas novas a serem feitas e que não levam a cabo por um longo tempo, imediatamente mudando para outras coisas.

A verdadeira força de vontade é saber ir caminhando constantemente.  Obviamente, existem, na vida, coisas que são feitas durante um longo tempo e que, de repente, já não fazem mais sentido.  No entanto, é bom que façamos as coisas pelo menos cumprindo-as por etapas.

Se persistirmos em algo - mesmo que nos seja difícil - fará com que conquistemos nossa persistência psicológica, a nossa concentração e se colherão alguns frutos da vida.  No mínimo, estaremos ganhando um treinamento para a superação das dificuldades de levar as coisas até o final.  Posteriormente, essa persistência se mostrará útil em outras situações.

Por isso, o Taoísmo vê assim as coisas: 

Um redemoinho não dura uma manhã
Uma rajada de chuva não dura um dia
 
Isso é uma maneira metafórica de falar.  Sabemos que uma rajada de chuva pode durar uma semana, um mês, um ano, dez anos - como aconteceu com Noé.  Mas, um dia, dentro de um infinito tempo da humanidade.... não passa de um pequeno pontinho dentro do tempo.

A visão do Taoísmo é exatamente a de abrir nossa consciência para essa infinitude: não limitar nossa visão, procurar abrir nossa consciência para o infinito futuro e para o infinito passado.  Dessa maneira, nós poderemos respirar mais longamente e mais profundamente, poderemos sentir mais a vida - não como uma coisa pressionante mas como uma coisa mais aberta.  Isso torna a vida mais alegre, mais fluida, mais constante.

O Taoísmo é uma Tradição espiritual/religiosa e mística de característica alegre.  Não se encontra um Taoísta arrasado e infeliz.  Se estamos encarnados, temos que viver a vida de forma rica, alegre, cheia de vitalidade e quando estivermos desencarnados e passarmos para o outro lado, vamos viver o outro lado de maneira rica, alegre, cheia de vitalidade.  Enquanto estamos vivendo na Terra não pensamos que a vida do outro lado é melhor.  E não precisamos entrar nas profundezas do sofrimento para sabermos o que é o sofrimento.  Precisamos sim, é sabermos nos colocar na atmosfera da felicidade para desfrutarmos essa felicidade e desenvolvermos uma força positiva para estendermos a mão para quem precisa ser puxado para cima.

Se temos um amigo arrasado e nos sentimos arrasados junto com ele por empatia, não o estamos ajudando muito.  Na verdade, precisamos é usar de nossa alegria para puxarmos nosso amigo para fora de sua situação desagradável.

Devemos aprender a fazer as coisas moderadamente, com um sentimento leve, suave e positivo, e fluir como a água do mar.


De onde provêm essas coisas?
Do Céu e da Terra
Se nem o céu e a terra podem produzir coisas duráveis,
Quanto mais os seres humanos?


Nesses versos, Lao Tse nos coloca na ‘real’.  O homem sempre quer produzir grandes fenômenos.  Não existe fenômeno maior do que uma grande tempestade.

A arte moderna trabalha - não sei o termo exato - com a expressão dos fenômenos.  Quando essas expressões são fortes, expressivas, provocantes, o artista consegue um grande prestígio.  As criações são chocantes, como se fossem uma tempestade.

Não há expressão mais forte do que uma tempestade.  Uma tempestade nunca é igual à outra. A arte, não.  A arte - por mais expressiva que seja - sempre traz a sua sombra.  As pessoas tentam criar algo que não se parece com nada.  Antigamente, arte significa pincel e tintas.  Hoje são acrílicos, metais, colagens, instalações... a arte não parece arte.  Um joga cocô de cavalo na parede e o outro faz um caldeirão de chocolate fervente.  Tudo isso parece ser uma expressão para cortar o cordão umbilical que, na verdade, é incortável.

Não existe obra de arte mais intensa que a própria natureza.  Não existe expressão tão expressiva quanto a de uma tempestade.  E quem produz a tempestade?  O céu e a terra.

Se o céu e a terra duram muito mais do que nós, vivem muito mais do que nós, e suas expressões não duram uma manhã ou um dia, imagine o que o ser humano poderia produzir da mesma maneira...

O que dura é aquilo que é constante, que é contínuo.

A chuva fininha dura bem mais tempo do que a rajada de chuva.

Por último, o que realmente dura?

O Vazio do Absoluto.

Até o universo, enquanto performance, é passageiro.  Só que um passageiro constante.  Mesmo assim, a expressão dessa constância - como a fotografia - não dura.  O próprio universo é contínuo, infinito.

A única coisa que verdadeiramente dura para sempre é o Zero do Absoluto e o Um do universo.  Tudo depois são simplesmente efeitos ou fenômenos produzidos pelo céu e pela terra ou pelo próprio universo  - que, por mais expressivo que seja, não dura para sempre.

Dessa maneira, podemos compreender:  por que nos desgastar tanto?  Fenômenos sociais, familiares, financeiros, políticos - ou o que for.  Nada dura para sempre.


Basicamente, o Taoísmo trabalha com dois pontos:

-     Essencialmente, se pudermos viver o Absoluto, não estaremos presos a nenhum fenômeno e por conseguinte, teremos todos os fenômenos dentro de nós acontecendo naturalmente.  Temos o dia, a noite, a chuva, o fogo, a água, o vento, a família, o trabalho, o dinheiro, a fama, o prestígio - tudo o que for necessário, naturalmente.

Quem tem a consciência do Zero, tem a consciência que abraça todas as consciências e abraça todas as pessoas.  Isso é uma vitória, uma felicidade.  E a felicidade, desse modo, é a felicidade de todas as pessoas.  A nossa realização é a realização de todas as pessoas.


-     Se não conseguirmos viver o Vazio, o Absoluto, de forma transparente, pelo menos devemos tentar viver a vida de forma mais harmoniosa, mais equilibrada e para isso, devemos tentar evitar as coisas em excesso, não levar as coisas aos extremos.  Também é preciso não nos anular porque senão estaríamos caindo na outra extremidade do excesso: excesso de Vazio, ausência das coisas, excesso de possuir coisas.




Por isso,
Quem segue e realiza através do Caminho, adquire o Caminho


Voltando ao que falávamos, o Caminho só tem sentido se se andar nele.  Portanto, segue-se o Caminho naturalmente e realiza-se através do Caminho.  Uma vida espiritual só existe se incorporarmos sua filosofia na nossa vida cotidiana.

Quem busca realizar o Tao em si mesmo encontrará o Tao.  Então, tornar-se-á o Tao.


Quem se iguala à Virtude, adquire a Virtude


Se o Caminho é a causa, a Virtude é o efeito.  Se uma pessoa tem um fundamento espiritual dentro de si, todas as suas atitudes, seus gestos e sua vida girarão em torno desse eixo.

Todos nós temos uma potencialidade com uma característica própria e temos que viver bem essa forma de ser pessoal.

Quando a pessoa tem o seu eixo equilibrado, todo o resto ao redor funciona.

Virtude é viver de acordo com o Tao.

O que é viver de acordo com o Tao?

É seguir e realizar através de seu próprio Caminho - que é o Caminho da Consciência, o Caminho da Naturalidade, o Caminho da Iluminação Interior.


Não conseguindo...,
Quem se iguala à perda, perde o Caminho

O que é a perda?

É o excesso de palavras, excesso de movimento, fazer o que não precisa, fazer o que não deve ser feito, falar o que não é necessário, falar o que é prejudicial, ser afiado demais, ter muitas preocupações, ter muitos pensamentos, ter o ego forte demais.  Tudo isso é perda.

O ego é aquele que tira o nosso espírito e transforma nosso espírito em pensamentos, conceitos e preconceitos.  Ego é aquilo que tira nossa energia primordial e a transforma numa energia pesada.

As pessoas nascem com plenitude de energia.  Ao crescerem, chega um momento em que começam a desgastar essa energia, dando espaço para as neuroses, obsessões e manias.

Devemos ficar cada vez mais fortes quanto mais velhos formos.  Mais fortes, mais saudáveis e mais inteligentes.

É preciso que aprendamos a nos resguardar.

O Taoísmo essencialmente trabalha com a Consciência.  Comer bem, dormir bem, trabalhar bem, tudo isso é saudável.  Os excessos tanto para mais quanto para menos, não são saudáveis.

Convicção insuficiente leva à não-convicção


Existem pessoas que têm o Caminho e a Virtude.  Existem pessoas que não têm nem Caminho nem Virtude e existem pessoas que não têm absolutamente nada, que não têm qualquer convicção, não sabem de nada.

Essa frase parece querer falar daquelas pessoas que nasceram sem querer, vivem por viver e morrem sem saber.

Dessa forma, o trabalho do Taoísmo é na Consciência para incorporar todo esse Caminho dentro de nossa vida cotidiana.

Temos que saber viver o Tao nas pequenas coisas; não adiante querermos viver o Taoísmo isolado da vida cotidiana.  Assim, podemos transformar a loucura cotidiana em vida normal sem precisar fazer da pratica espiritual uma terapia.  Caminho espiritual não é terapia.

Existem pessoas que encaram a meditação como uma terapia.  A meditação não é uma terapia.  A prática espiritual é bom senso.  A terapia alivia as tensões...  Depois de aliviar as tensões, temos que ter o bom senso de mudarmos a nossa  rotina cotidiana.


Mestre Maa sempre diz:  O Tao dá a vida para quem quer viver e dá a morte para quem quer morrer.


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TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 23
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 13 de dezembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward
 Foto: Sítio das Estrelas

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se 
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching