TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 30
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG
Capítulo 30
Aquele que utiliza o Caminho para auxiliar o senhor dos homens
Não utiliza a arma e a força, sob o céu
Pois esta atividade beneficia o revide
Onde o exército de instala, surgem espinhos e ervas secas
Por isso,
O homem bom é determinado porém cauteloso
Não utiliza a força para conquistar
É determinado porém sem se orgulhar
É determinado porém sem se envaidecer
É determinado porém sem se glorificar
É determinado porém sem se tornar excessivo
Isto é, determinado porém sem se forçar
Coisas exuberantes dirigem-se à velhice
Isso se chama negar o Caminho
Negando o Caminho irá falecer cedo.
Lao Tse está falando exatamente o oposto da cultura moderna que é construída em cima da fartura, da exuberância, da rapidez. As pessoas vivem a vida em excesso, de forma muito intensa, rapidamente: tudo o que cresce precocemente, termina precocemente. Isso é o que Ele chama de ‘falecer cedo’.
Se observarmos a lógica e a estrutura do texto, basicamente está se falando sobre a meditação.
Na meditação, temos que ter a consciência das coisas sem sermos prisioneiros das coisas. É sabermos entrar no mundo sem sermos prisioneiros dele. É sabermos sair do mundo sem nos afastarmos dele. Nos libertar do mundo, sem nos afastar dele.
Isso parece fácil, mas, na realidade, é muito difícil. Normalmente, ou entramos no mundo e nos sentimos prisioneiro dele ou nos libertamos do mundo nos afastando dele.
Ao colocar o desejo de libertação dos laços mundanos, o eremita rompe seus laços com o mundo, com a família, com os amigos e se esconde de tudo e de todos, na floresta.
E existem as pessoas - que nós estamos tentando ser -, que se encontram dentro do mundo e ao mesmo tempo sendo prisioneiros dos laços da amizade, do relacionamento afetivo, da família, do dinheiro, da estrutura social, dos conceitos, da educação e de tudo o que existe em torno.
E o que Lao Tse está falando?
Ele fala em se saber viver esse complexo chamado mundo sem ser prisioneiro dele. E ao mesmo tempo saber se libertar desse complexo chamado mundo sem se afastar dele.
Isso é o que Mestre Maa chama de ‘entrar e sair sem se manchar’.
Nós nascemos e entramos no mundo. Um dia iremos morrer e sairemos do mundo. Entramos na vida sem trazer nada e sairemos da vida sem levar nada.
Apenas que não é bem assim que vivemos. Nós já entramos na vida, no mundo, trazendo uma bagagem das infinitas vidas anteriores, nas nossas costas, como sementes kármicas. E um dia sairemos dessa vida, deixando tudo o que possuímos, levando apenas as sementes kármicas para a próxima viagem.
Assim, nós não entramos sem nada e não saímos sem nada.
E o que o Taoísmo propõe?
O Taoísmo propõe que um dia possamos ‘entrar e sair sem nos manchar’.
Esse ‘entrar e sair sem nos manchar’ nos permite viver a vida sem sermos prisioneiros da vida. nos permite nos libertar do mundo sem nos afastarmos dele.
Como fazer isto?
Desenvolvendo uma consciência sem apego.
Como começar? (já que é um estágio alto a ser alcançado)
Começando com a simples tomada de consciência, começando a ver as coisas e como elas podem ser simples. Julgando menos, interferindo menos, colocando uma quietude interior, uma calma interior mínima e necessária para podermos ver a vida como ela é. Nem sempre queremos ver a vida como ela é.
Essa primeira tomada de consciência - no sentido de vermos a vida como ela é e de ver a nós mesmos como realmente somos, nos aceitando e aceitando o mundo - essa aceitação simples não é um discurso manipulador de conformismo.
Essa simples aceitação é apenas um método didático para podermos dar o primeiro passo, ou seja, para ‘cairmos na real’.
No Taoísmo, o primeiro ensinamento é ‘cair na real’:
Quem sou eu? O que sou?
Sem críticas nem elogios. Apenas ver a vida e a nós mesmos com realismo. Sem criar falsas expectativas. Esse é o primeiro passo para uma visão mais clara da realidade. Num estágio mais avançado, mesmo uma visão mais clara da realidade pode ser percebida como nem sempre sendo a realidade... Mas no início se dá dessa maneira.
Como alcançar isso?
Através da quietude, tendo mais calma e mais silêncio interior para se poder possuir maior sobriedade dentro de nós, para encararmos a vida de forma simples.
Essa ‘sobriedade’ tem certa semelhança com uma espécie de ‘frieza’. Não é uma frieza pejorativa, não é como se fosse uma pessoa de sangue frio, que não se emociona com nada. Não é isso. essa aparente frieza é a calma que deve ser encontrada para se alcançar a visão simples das coisas.
Muitas vezes, em nossa vida, passamos por uma experiência de silêncio e de observação, parecendo que estamos ‘fóra’ do ambiente onde estamos, uma aula, uma festa. Olhamos as coisas acontecendo em torno de nós, sem nos envolver com elas. Essa sensação é muito semelhante com a quietude interior que faz com que nós simplesmente olhemos as coisas. No entanto, nossa vida é normalmente tão envolvida com tudo que não conseguimos viver com quietude. Daí a importância da meditação.
A prática da meditação é o exercício que faz com que nós - pelo menos por 10 a 15 minutos - fiquemos sem fazer nada. Nos sentamos no silêncio, sem pensarmos em nada - nem em coisas alegres, nem em coisas tristes. Apenas ficamos no silêncio para acostumarmos a ter esse silêncio dentro de nós. Com a prática, ficamos mais calmos, mais relaxados, nossa saúde física e psíquica melhora. E percebemos que esse silêncio se instala paralelamente ao nosso trabalho, às nossas conversas com as pessoas. E aprendemos a não perder tempo com as coisas, aprendemos a não compreender as coisas de uma maneira errada ou ilusória e aprendemos a não criar expectativas irreais. Com a visão mais clara, temos menos desgastes emocionais e geramos uma roda positiva de vida, sem ilusões.
Este Capítulo de Lao Tse fala do homem que, apesar de sua determinação, pode ser sem orgulho, sem vaidade, sem glorificação, sem se tornar excessivo.
É muito comum encontrarmos pessoas determinadas porém excessivamente insistentes, fanáticas, até.
No I Ching, existe um Hexagrama chamado O Ferimento da Luz. Esse Hexagrama fala do excesso de luz, fala daquela pessoa que é muito lúcida, muito consciente, que vê tudo. E isso é quase insuportável porque tudo em excesso, fere. Com a luz em excesso, a terra torna-se estéril. Com o excesso de chuva, a terra torna-se inundada. A vida vivida em excesso é consumida rapidamente.
A determinação pode, dessa maneira, gerar excessos. Excesso de convicção, de fé, pode ser transformado em fanatismo. E Lao Tse está nos avisando em relação a isso.
A determinação sem orgulho, sem vaidade, sem glorificação, sem excessos, significa termos a consciência das coisas sem sermos prisioneiros delas.
Voltando ao texto:
Aquele que utiliza o Caminho para auxiliar o senhor dos homens
O senhor dos homens é o governante. Também é um termo que pode abranger, de uma maneira simbólica, todas as coisas. Nosso corpo é composto de inúmeros segmentos, incontáveis células. Se cada célula é como um ser, é como se fosse o povo pertencente a um país. O corpo é o território. Os órgãos e as vísceras, os ministérios e departamentos. E nossa consciência é o governante, o rei que governa esse reino.
O senhor dos homens é o governante. O governante é o rei. Rei é a Consciência. Teoricamente falando, o senhor dos homens é a consciência que governa cada ser.
Num sistema administrativo, o senhor dos homens é aquele que é capaz de tomar decisões que interferem na vida de todos.
Num sentido mais metafísico, o senhor dos homens é aquele que governa a vida de todos os homens. Quem governa a vida de todos os homens? A consciência. é a consciência que existe em cada ser, em cada pessoa. Essa consciência não é a consciência egóica, particular de cada um de nós, mas sim a consciência que está em toda a parte, aquela que nós chamamos de Consciência Universal.
Na consciência egóica, a minha consciência é diferente da sua. É a consciência da personalidade. É uma consciência que tem uma tendência para agir de uma maneira ou de outra maneira. É uma consciência aparentemente isolada das outras consciências.
A consciência universal é uma consciência mais sutil, que atua em todas as pessoas. A minha consciência universal e a consciência universal de qualquer outra pessoa é a mesma. É ao mesmo tempo individual e coletiva.
O senhor dos homens é essa consciência universal. Aquele que utiliza o Caminho para auxiliar o senhor dos homens é aquele que utiliza o Tao - Caminho é Tao -, o Absoluto, para auxiliar a consciência de cada ser.
Essa pessoa Não utiliza a arma e a força, sob o céu. Não age através da força e da violência para atuar nas coisas do mundo. Não interfere na ordem natural das coisas.
Por que não se utiliza da arma e da força?
Pois esta atividade beneficia o revide
Os grandes conquistadores, depois de suas grandes conquistas, obtiveram grandes derrotas e destruição. Não existiram conquistadores que permaneceram em suas próprias vitórias, todos foram devorados pela própria força do retorno.
Onde o exército de instala, surgem espinhos e ervas secas
Na guerra, tudo é destruído, as pessoas morrem, sobram apenas ruínas.
Em relação à esta frase, também existe um fator histórico a ser conhecido. Antigamente, na China, o soldado do exército, em tempos de paz, era agricultor. O cavalo de guerra era o cavalo do arado. O soldado que precisasse de uma atividade física forte, trabalhava na enxada ao invés de ficar lutando com armas. É preferível se transformar soldados em camponeses do que camponeses em soldados. Em épocas de paz, existe a abundância de alimentos. Em épocas de guerra, quando os camponeses se tornam soldados, as plantações são perdidas ou destruídas.
Por isso, Ele diz:
Onde o exército de instala, surgem espinhos e ervas secas
Neste texto, Lao Tse nos fala basicamente da importância de se viver a vida através da consciência. e onde devemos nos inspirar para obtermos essa consciência?
Através do Tao.
E o que o Tao nos mostra? Nos mostra o conceito do Vazio, da receptividade e da naturalidade.
O que é o Caminho?
O Caminho é a estrada por onde podemos caminhar. E o caminho só existe se caminharmos nele. Se o fizermos. Nós fazemos o Caminho. Um caminho que não é caminhado, deixa de ser caminho. Um caminho que não é vivido, não é um caminho. O Taoísmo é uma Tradição essencialmente prática.
Seguimos o Taoísmo. Não se tem o Tao, não se tem o Caminho. Vivemos o Tao. Vivemos o Caminho. E o Caminho passa a existir quando O vivemos.
O Tao do Taoísmo tem 3 significados:
O Caminho
O Caminhante
O Ato de Caminhar
Se não existir o homem fazendo o Caminho caminhando, não há caminho, nem homem, nem o ato de caminhar. E não existiria o Tao.
A busca da Consciência é a busca do Espírito. Em chinês, o termo ‘espírito’ é o conceito da consciência.
O que é o Caminho espiritual?
O Caminho espiritual é o Caminho da Consciência.
O que é o Caminho da Consciência?
É a consciência vivida, caminhada. Dessa maneira, a Consciência passa a existir.
Por isso, Lao Tse diz: Aquele que utiliza o Caminho para auxiliar o senhor dos homens - é aquele que segue e vive a Consciência em sua vida.
Não utiliza a arma e a força, sob o céu - ou seja, é aquele que não interfere na ordem natural das coisas, que sabe se integrar na ordem natural das coisas.
Na linguagem do I Ching, é a união do homem coma Terra e com o Céu.
Em outro Capítulo, Lao Tse diz:
O homem se orienta pela Terra
A Terra se orienta pelo Céu
O Céu se orienta pelo Tao
E o Tao se orienta por sua própria natureza
Onde o exército de instala, surgem espinhos e ervas secas - seguir o destino da vida através da Consciência significa cair na real, cometer menos erros, fazer um caminho mais iluminado e mais lúcido. Esse Caminho é o caminho da integração, da naturalidade, do respeito e da não-violência. A violência traz a própria destruição da vida.
Essa frase também fala do conceito que interferiu em várias das atividades do Taoísmo em relação às terapias corporais, à medicina chinesa e outros.
A medicina chinesa trabalha com o conceito de que a doença não é inimiga - embora possa ser nociva -, mas a doença faz parte da pessoa. Obviamente, a contenção é essencial e o equilíbrio é adotado como meio de resolver o problema. Quanto à alopatia, é uma forma de cura mais guerreira. O remédio é o guerreiro que combate, que luta, com a doença.
E Lao Tse continua:
Por isso,
O homem bom é determinado porém cauteloso
O termo ‘cauteloso’ é usado em referencia à não-utilização da arma e da força. Ele nos diz para que o uso da arma e da força seja cauteloso.
A determinação, saber o que se quer na vida, é bom. Mas é preciso ser cauteloso para que essa determinação não se torne algo agressivo que violente a nossa própria vida, destruindo o que está em torno de nós.
A determinação deve ser compreendida como ‘saber-se o que se quer’. O Taoísmo nos pede para que saibamos encontrar a prioridade da vida. sabendo a prioridade da vida, nós não ficamos tão perdidos. E chegamos ao final da vida com a consciência de que fizemos o que devíamos ter feito.
Essa prioridade é a determinação. E a determinação tem que ser vivida com cautela para que não se torne fanatismo ou radicalismo - que é a utilização da força.
Por isso,
O homem bom é determinado porém cauteloso
Não utiliza a força para conquistar
É determinado porém sem se orgulhar
É determinado porém sem se envaidecer
É determinado porém sem se glorificar
É determinado porém sem se tornar excessivo
Devemos procurar não ter orgulho e vaidades. Não tendo essas atitudes e tendo a determinação, naturalmente estaremos vivendo o Tao.
Inúmeros outros textos de Lao Tse dizem:
O Homem Sagrado realiza a obra, conclui a obra e se retira, sem precisar de reconhecimento.
Essa não-personalização é a marca do Taoísmo. Por isso o Taoísmo se chama Taoísmo e não Laoísmo (sendo Lao Tse o grande patriarca), e isso abre uma visão mais liberal da linhagem dos patriarcas: antes de Lao Tse existiram outros patriarcas como também depois dEle.
Isto é, determinado porém sem se forçar - sem forçar a ordem natural das coisas.
Coisas exuberantes - fóra da realidade - dirigem-se à velhice
Isso se chama negar o Caminho
Negar o Caminho é negar a fluidez natural, não respeitando o tempo natural das coisas, não sabendo viver a cada momento.
Vivendo a nostalgia do passado ou a ilusão do futuro, não se vive o presente.
Negando o Caminho irá falecer cedo.
Viver em excesso é viver fóra da realidade e isso acaba conduzindo à morte.
Respeitando-se a ordem natural das coisas, a cada segundo, a cada minuto, a cada hora, se faz o que deve ser feito.
Essa é a Consciência.
...............................................................
FOTO: SÍTIO DAS ESTRELAS, Janine Milward
TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 30
do Tao Te Ching, de LAO TSE,
POR WU JYH CHERNG
Transcrição de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 07 de fevereiro de 1995
Transcrição e Síntese de Janine Milward
A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil
Nesta mesma Editora, encontra-se
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 30
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG
Capítulo 30
Aquele que utiliza o Caminho para auxiliar o senhor dos homens
Não utiliza a arma e a força, sob o céu
Pois esta atividade beneficia o revide
Onde o exército de instala, surgem espinhos e ervas secas
Por isso,
O homem bom é determinado porém cauteloso
Não utiliza a força para conquistar
É determinado porém sem se orgulhar
É determinado porém sem se envaidecer
É determinado porém sem se glorificar
É determinado porém sem se tornar excessivo
Isto é, determinado porém sem se forçar
Coisas exuberantes dirigem-se à velhice
Isso se chama negar o Caminho
Negando o Caminho irá falecer cedo.
Lao Tse está falando exatamente o oposto da cultura moderna que é construída em cima da fartura, da exuberância, da rapidez. As pessoas vivem a vida em excesso, de forma muito intensa, rapidamente: tudo o que cresce precocemente, termina precocemente. Isso é o que Ele chama de ‘falecer cedo’.
Se observarmos a lógica e a estrutura do texto, basicamente está se falando sobre a meditação.
Na meditação, temos que ter a consciência das coisas sem sermos prisioneiros das coisas. É sabermos entrar no mundo sem sermos prisioneiros dele. É sabermos sair do mundo sem nos afastarmos dele. Nos libertar do mundo, sem nos afastar dele.
Isso parece fácil, mas, na realidade, é muito difícil. Normalmente, ou entramos no mundo e nos sentimos prisioneiro dele ou nos libertamos do mundo nos afastando dele.
Ao colocar o desejo de libertação dos laços mundanos, o eremita rompe seus laços com o mundo, com a família, com os amigos e se esconde de tudo e de todos, na floresta.
E existem as pessoas - que nós estamos tentando ser -, que se encontram dentro do mundo e ao mesmo tempo sendo prisioneiros dos laços da amizade, do relacionamento afetivo, da família, do dinheiro, da estrutura social, dos conceitos, da educação e de tudo o que existe em torno.
E o que Lao Tse está falando?
Ele fala em se saber viver esse complexo chamado mundo sem ser prisioneiro dele. E ao mesmo tempo saber se libertar desse complexo chamado mundo sem se afastar dele.
Isso é o que Mestre Maa chama de ‘entrar e sair sem se manchar’.
Nós nascemos e entramos no mundo. Um dia iremos morrer e sairemos do mundo. Entramos na vida sem trazer nada e sairemos da vida sem levar nada.
Apenas que não é bem assim que vivemos. Nós já entramos na vida, no mundo, trazendo uma bagagem das infinitas vidas anteriores, nas nossas costas, como sementes kármicas. E um dia sairemos dessa vida, deixando tudo o que possuímos, levando apenas as sementes kármicas para a próxima viagem.
Assim, nós não entramos sem nada e não saímos sem nada.
E o que o Taoísmo propõe?
O Taoísmo propõe que um dia possamos ‘entrar e sair sem nos manchar’.
Esse ‘entrar e sair sem nos manchar’ nos permite viver a vida sem sermos prisioneiros da vida. nos permite nos libertar do mundo sem nos afastarmos dele.
Como fazer isto?
Desenvolvendo uma consciência sem apego.
Como começar? (já que é um estágio alto a ser alcançado)
Começando com a simples tomada de consciência, começando a ver as coisas e como elas podem ser simples. Julgando menos, interferindo menos, colocando uma quietude interior, uma calma interior mínima e necessária para podermos ver a vida como ela é. Nem sempre queremos ver a vida como ela é.
Essa primeira tomada de consciência - no sentido de vermos a vida como ela é e de ver a nós mesmos como realmente somos, nos aceitando e aceitando o mundo - essa aceitação simples não é um discurso manipulador de conformismo.
Essa simples aceitação é apenas um método didático para podermos dar o primeiro passo, ou seja, para ‘cairmos na real’.
No Taoísmo, o primeiro ensinamento é ‘cair na real’:
Quem sou eu? O que sou?
Sem críticas nem elogios. Apenas ver a vida e a nós mesmos com realismo. Sem criar falsas expectativas. Esse é o primeiro passo para uma visão mais clara da realidade. Num estágio mais avançado, mesmo uma visão mais clara da realidade pode ser percebida como nem sempre sendo a realidade... Mas no início se dá dessa maneira.
Como alcançar isso?
Através da quietude, tendo mais calma e mais silêncio interior para se poder possuir maior sobriedade dentro de nós, para encararmos a vida de forma simples.
Essa ‘sobriedade’ tem certa semelhança com uma espécie de ‘frieza’. Não é uma frieza pejorativa, não é como se fosse uma pessoa de sangue frio, que não se emociona com nada. Não é isso. essa aparente frieza é a calma que deve ser encontrada para se alcançar a visão simples das coisas.
Muitas vezes, em nossa vida, passamos por uma experiência de silêncio e de observação, parecendo que estamos ‘fóra’ do ambiente onde estamos, uma aula, uma festa. Olhamos as coisas acontecendo em torno de nós, sem nos envolver com elas. Essa sensação é muito semelhante com a quietude interior que faz com que nós simplesmente olhemos as coisas. No entanto, nossa vida é normalmente tão envolvida com tudo que não conseguimos viver com quietude. Daí a importância da meditação.
A prática da meditação é o exercício que faz com que nós - pelo menos por 10 a 15 minutos - fiquemos sem fazer nada. Nos sentamos no silêncio, sem pensarmos em nada - nem em coisas alegres, nem em coisas tristes. Apenas ficamos no silêncio para acostumarmos a ter esse silêncio dentro de nós. Com a prática, ficamos mais calmos, mais relaxados, nossa saúde física e psíquica melhora. E percebemos que esse silêncio se instala paralelamente ao nosso trabalho, às nossas conversas com as pessoas. E aprendemos a não perder tempo com as coisas, aprendemos a não compreender as coisas de uma maneira errada ou ilusória e aprendemos a não criar expectativas irreais. Com a visão mais clara, temos menos desgastes emocionais e geramos uma roda positiva de vida, sem ilusões.
Este Capítulo de Lao Tse fala do homem que, apesar de sua determinação, pode ser sem orgulho, sem vaidade, sem glorificação, sem se tornar excessivo.
É muito comum encontrarmos pessoas determinadas porém excessivamente insistentes, fanáticas, até.
No I Ching, existe um Hexagrama chamado O Ferimento da Luz. Esse Hexagrama fala do excesso de luz, fala daquela pessoa que é muito lúcida, muito consciente, que vê tudo. E isso é quase insuportável porque tudo em excesso, fere. Com a luz em excesso, a terra torna-se estéril. Com o excesso de chuva, a terra torna-se inundada. A vida vivida em excesso é consumida rapidamente.
A determinação pode, dessa maneira, gerar excessos. Excesso de convicção, de fé, pode ser transformado em fanatismo. E Lao Tse está nos avisando em relação a isso.
A determinação sem orgulho, sem vaidade, sem glorificação, sem excessos, significa termos a consciência das coisas sem sermos prisioneiros delas.
Voltando ao texto:
Aquele que utiliza o Caminho para auxiliar o senhor dos homens
O senhor dos homens é o governante. Também é um termo que pode abranger, de uma maneira simbólica, todas as coisas. Nosso corpo é composto de inúmeros segmentos, incontáveis células. Se cada célula é como um ser, é como se fosse o povo pertencente a um país. O corpo é o território. Os órgãos e as vísceras, os ministérios e departamentos. E nossa consciência é o governante, o rei que governa esse reino.
O senhor dos homens é o governante. O governante é o rei. Rei é a Consciência. Teoricamente falando, o senhor dos homens é a consciência que governa cada ser.
Num sistema administrativo, o senhor dos homens é aquele que é capaz de tomar decisões que interferem na vida de todos.
Num sentido mais metafísico, o senhor dos homens é aquele que governa a vida de todos os homens. Quem governa a vida de todos os homens? A consciência. é a consciência que existe em cada ser, em cada pessoa. Essa consciência não é a consciência egóica, particular de cada um de nós, mas sim a consciência que está em toda a parte, aquela que nós chamamos de Consciência Universal.
Na consciência egóica, a minha consciência é diferente da sua. É a consciência da personalidade. É uma consciência que tem uma tendência para agir de uma maneira ou de outra maneira. É uma consciência aparentemente isolada das outras consciências.
A consciência universal é uma consciência mais sutil, que atua em todas as pessoas. A minha consciência universal e a consciência universal de qualquer outra pessoa é a mesma. É ao mesmo tempo individual e coletiva.
O senhor dos homens é essa consciência universal. Aquele que utiliza o Caminho para auxiliar o senhor dos homens é aquele que utiliza o Tao - Caminho é Tao -, o Absoluto, para auxiliar a consciência de cada ser.
Essa pessoa Não utiliza a arma e a força, sob o céu. Não age através da força e da violência para atuar nas coisas do mundo. Não interfere na ordem natural das coisas.
Por que não se utiliza da arma e da força?
Pois esta atividade beneficia o revide
Os grandes conquistadores, depois de suas grandes conquistas, obtiveram grandes derrotas e destruição. Não existiram conquistadores que permaneceram em suas próprias vitórias, todos foram devorados pela própria força do retorno.
Onde o exército de instala, surgem espinhos e ervas secas
Na guerra, tudo é destruído, as pessoas morrem, sobram apenas ruínas.
Em relação à esta frase, também existe um fator histórico a ser conhecido. Antigamente, na China, o soldado do exército, em tempos de paz, era agricultor. O cavalo de guerra era o cavalo do arado. O soldado que precisasse de uma atividade física forte, trabalhava na enxada ao invés de ficar lutando com armas. É preferível se transformar soldados em camponeses do que camponeses em soldados. Em épocas de paz, existe a abundância de alimentos. Em épocas de guerra, quando os camponeses se tornam soldados, as plantações são perdidas ou destruídas.
Por isso, Ele diz:
Onde o exército de instala, surgem espinhos e ervas secas
Neste texto, Lao Tse nos fala basicamente da importância de se viver a vida através da consciência. e onde devemos nos inspirar para obtermos essa consciência?
Através do Tao.
E o que o Tao nos mostra? Nos mostra o conceito do Vazio, da receptividade e da naturalidade.
O que é o Caminho?
O Caminho é a estrada por onde podemos caminhar. E o caminho só existe se caminharmos nele. Se o fizermos. Nós fazemos o Caminho. Um caminho que não é caminhado, deixa de ser caminho. Um caminho que não é vivido, não é um caminho. O Taoísmo é uma Tradição essencialmente prática.
Seguimos o Taoísmo. Não se tem o Tao, não se tem o Caminho. Vivemos o Tao. Vivemos o Caminho. E o Caminho passa a existir quando O vivemos.
O Tao do Taoísmo tem 3 significados:
O Caminho
O Caminhante
O Ato de Caminhar
Se não existir o homem fazendo o Caminho caminhando, não há caminho, nem homem, nem o ato de caminhar. E não existiria o Tao.
A busca da Consciência é a busca do Espírito. Em chinês, o termo ‘espírito’ é o conceito da consciência.
O que é o Caminho espiritual?
O Caminho espiritual é o Caminho da Consciência.
O que é o Caminho da Consciência?
É a consciência vivida, caminhada. Dessa maneira, a Consciência passa a existir.
Por isso, Lao Tse diz: Aquele que utiliza o Caminho para auxiliar o senhor dos homens - é aquele que segue e vive a Consciência em sua vida.
Não utiliza a arma e a força, sob o céu - ou seja, é aquele que não interfere na ordem natural das coisas, que sabe se integrar na ordem natural das coisas.
Na linguagem do I Ching, é a união do homem coma Terra e com o Céu.
Em outro Capítulo, Lao Tse diz:
O homem se orienta pela Terra
A Terra se orienta pelo Céu
O Céu se orienta pelo Tao
E o Tao se orienta por sua própria natureza
Onde o exército de instala, surgem espinhos e ervas secas - seguir o destino da vida através da Consciência significa cair na real, cometer menos erros, fazer um caminho mais iluminado e mais lúcido. Esse Caminho é o caminho da integração, da naturalidade, do respeito e da não-violência. A violência traz a própria destruição da vida.
Essa frase também fala do conceito que interferiu em várias das atividades do Taoísmo em relação às terapias corporais, à medicina chinesa e outros.
A medicina chinesa trabalha com o conceito de que a doença não é inimiga - embora possa ser nociva -, mas a doença faz parte da pessoa. Obviamente, a contenção é essencial e o equilíbrio é adotado como meio de resolver o problema. Quanto à alopatia, é uma forma de cura mais guerreira. O remédio é o guerreiro que combate, que luta, com a doença.
E Lao Tse continua:
Por isso,
O homem bom é determinado porém cauteloso
O termo ‘cauteloso’ é usado em referencia à não-utilização da arma e da força. Ele nos diz para que o uso da arma e da força seja cauteloso.
A determinação, saber o que se quer na vida, é bom. Mas é preciso ser cauteloso para que essa determinação não se torne algo agressivo que violente a nossa própria vida, destruindo o que está em torno de nós.
A determinação deve ser compreendida como ‘saber-se o que se quer’. O Taoísmo nos pede para que saibamos encontrar a prioridade da vida. sabendo a prioridade da vida, nós não ficamos tão perdidos. E chegamos ao final da vida com a consciência de que fizemos o que devíamos ter feito.
Essa prioridade é a determinação. E a determinação tem que ser vivida com cautela para que não se torne fanatismo ou radicalismo - que é a utilização da força.
Por isso,
O homem bom é determinado porém cauteloso
Não utiliza a força para conquistar
É determinado porém sem se orgulhar
É determinado porém sem se envaidecer
É determinado porém sem se glorificar
É determinado porém sem se tornar excessivo
Devemos procurar não ter orgulho e vaidades. Não tendo essas atitudes e tendo a determinação, naturalmente estaremos vivendo o Tao.
Inúmeros outros textos de Lao Tse dizem:
O Homem Sagrado realiza a obra, conclui a obra e se retira, sem precisar de reconhecimento.
Essa não-personalização é a marca do Taoísmo. Por isso o Taoísmo se chama Taoísmo e não Laoísmo (sendo Lao Tse o grande patriarca), e isso abre uma visão mais liberal da linhagem dos patriarcas: antes de Lao Tse existiram outros patriarcas como também depois dEle.
Isto é, determinado porém sem se forçar - sem forçar a ordem natural das coisas.
Coisas exuberantes - fóra da realidade - dirigem-se à velhice
Isso se chama negar o Caminho
Negar o Caminho é negar a fluidez natural, não respeitando o tempo natural das coisas, não sabendo viver a cada momento.
Vivendo a nostalgia do passado ou a ilusão do futuro, não se vive o presente.
Negando o Caminho irá falecer cedo.
Viver em excesso é viver fóra da realidade e isso acaba conduzindo à morte.
Respeitando-se a ordem natural das coisas, a cada segundo, a cada minuto, a cada hora, se faz o que deve ser feito.
Essa é a Consciência.
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FOTO: SÍTIO DAS ESTRELAS, Janine Milward
TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 30
do Tao Te Ching, de LAO TSE,
POR WU JYH CHERNG
Transcrição de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 07 de fevereiro de 1995
Transcrição e Síntese de Janine Milward
A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil
Nesta mesma Editora, encontra-se
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching