A Real Tradição
Janine Milward
Certa vez, em uma entrevista com o pianista/regente/maestro João
Carlos Martins, lhe foi perguntado se ele, João Carlos, se sentia retornando ao século XVIII quando tocava as
composições de Bach ..., o pianista/maestro sorriu e não hesitou em responder
algo assim: Não, certamente que não. É Bach quem sai de seu tempo e chega até a
mim, chega até o meu tempo.
Eu fiquei absolutamente tocada por esta constatação. A meu ver,
o que João Carlos Martins disse é que a Imortalidade de Bach existe e se existe
ela pode acontecer em qualquer momento, seja em seu tempo (ou mesmo em tempo
anterior ao músico porque o mestre da música é produto de seus antecessores) ou
seja em tempos posteriores, em tempos modernos e ainda em tempos futuristas,
pertencentes ao potencial futuro.
A meu ver, é absolutamente impossível que possamos retornar a um
tempo do passado. Podemos até ter um cravo bem temperado diante de nós, um
cenário inteiramente voltado a um pequeno teatro do século quando Bach viveu,
roupagem condizente tanto do artista quanto do público na platéia, etc... mas
tudo estará sendo apenas fake, ou seja, as questões que permanecem reais são
apenas a Imortalidade do Autor e a presença atual e contemporânea e moderna do
artista que interpretará o autor.
A Imortalidade é como aquilo que em sânscrito é expresso
enquanto Guruampara, ou seja, uma linha (quase) ininterrupta entre o Mestre que
se tornou Imortal (podendo acontecer não somente na espiritualidade como também
em outras manifestações do espírito, da arte, etc, em outras ciências e
metaciências) e aquele que está, de alguma maneira e através alguma forma
instrumental que seja, interpretando esse Mestre.
Guruampara é como se fossem os elos que vão formando uma imensa
corrente.... e chega o momento em que essa corrente formada por elos não mais
pode mostrar onde se encontra o Princípio e onde se encontra o final.... mesmo
porque o final está sempre sendo acrescentado de um novo elo e o Princípio já
não mais pode existir em sua primordialidade ímpar – exatamente porque existe a
continuidade dos elos da corrente, ou seja, dos seres que, através suas mentes,
vão dando continuidade a esse Princípio Primordial... que se mostra, portanto,
inteiramente Imortal e Infinitizado. No entanto, os seres, através suas mentes
e corações, que fazem parte, como elos, dessa corrente, Guruampara, vão
vivenciando suas vidas dentro dos tempos em que realizam suas encarnações
propriamente ditas.
A meu ver, se formos nos ater apenas a aquilo que alguns teimam
em chamar de Tradição que deve ser respeitada ipsis literis e vivenciada ipsis
literis assim como quando e onde e porquê teve seu início..., não estaremos
vivendo nosso presente orientado para nosso futuro e sim estaremos vivendo um
tempo do passado que jamais existiu para nós, nessa encarnação! Ou seja, a
tendência, então, seria a de nos tornarmos estátuas de sal..., olhando para um
passado que não se renovou?!?
Eu respeito muitíssimo Lao Tse, o Mestre do Tao, por exemplo,
que supostamente viveu cerca de 6 séculos antes da Era chamada de Peixes, ainda
no Prólogo desta Era. Eu tenho a maior certeza que o Lao Tse que vive em mim
não é o Lao Tse desse passado longínquo (não tem como ser!) e sim é o Lao Tse
que vive em mim nesta minha encarnação atual, nesse meu tempo de vida. Minha
compreensão sobre aquilo que Lao Tse nos disse através sua obra
(fundamentalmente o Tao Te Ching em seus inestimáveis 81 Capítulos) é uma
compreensão que acontece dentro de minha contemporaneidade e isso faz com que a
Imortalidade de Lao Tse chegue até mim, no século XX e agora, no século XXI – e
não ao inverso.
Portanto, eu não posso concordar com situações do Conhecimento que teimam em repetir ipsis literis e em todas as circunstâncias, aquilo que algum Imortal apresentou no passado. A meu ver, não existe qualquer desmerecimento quando ao pensamento que veio acontecendo ao longo dos tempos, quanto ao pensamento da contemporaneidade, da modernidade. O que faz uma corrente acontecer enquanto corrente – a Guruampara -, são os elos dessa corrente e os elos dessa corrente somos nós, somos você e eu, foram os demais seres anteriores a nós e serão os demais seres posteriores a nós.
Portanto, eu não posso concordar com situações do Conhecimento que teimam em repetir ipsis literis e em todas as circunstâncias, aquilo que algum Imortal apresentou no passado. A meu ver, não existe qualquer desmerecimento quando ao pensamento que veio acontecendo ao longo dos tempos, quanto ao pensamento da contemporaneidade, da modernidade. O que faz uma corrente acontecer enquanto corrente – a Guruampara -, são os elos dessa corrente e os elos dessa corrente somos nós, somos você e eu, foram os demais seres anteriores a nós e serão os demais seres posteriores a nós.
.......... Aliás, a denominação Imortal existe exatamente pelo
fato de que um Conhecimento ou Alguém vieram transpassando anos, séculos,
milênios, eras... e são apresentados hoje estruturados em suas premissas
originais, sim (as chamadas Tradições), porém sempre acolhendo, de bom-grado, o
acúmulo advindo de conhecimentos e outros seres adjuntados ao longo dos
tempos... até chegarem todos, acumulados como num geometrização infinita, até
os dias de hoje, dias que podemos chamar de A Modernidade.
O passado existe e deve ser respeitado enquanto Passado. O
presente existe e deve ser respeitado enquanto Presente. O futuro existe e deve
ser respeitado enquanto potencial Futuro.
Sendo assim, a real Tradição é aquela que consegue vivenciar
essas questões..., sem medo de ser feliz.
A real Tradição é aquela que verdadeiramente alcança a
Imortalidade e Imortalidade, a meu ver, é a fusão do passado com o presente e
com o futuro.
Com um abraço estrelado,
Janine Milward
Janine Milward
Foto: Sítio das Estrelas