Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo

TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Dj tao (Oficial)
Tradução e Interpretação do Capítulo 13
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Capítulo 13

O prestígio e a humilhação geram susto
A nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo

O que são prestígio e humilhação?
Prestígio é inferior
Ao obtê-lo, ficamos assustados
Ao perdê-lo, ficamos assustados
Isto é o que quer dizer “o prestígio e a humilhação geram susto”

O que quer dizer “a nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo”?
A razão de eu ter essa ‘grande preocupação’ é ter um corpo
Se eu não tivesse um corpo
Com que teria que me preocupar?

Por isso,
Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo
A este o mundo pode se entregar
Quem ama faz do mundo o seu corpo
Neste, o mundo pode confiar.

Esse Capítulo fala da importância em não pendermos para uma extremidade ou outra extremidade.

Fala em não sermos prisioneiros dos valores; fala na importância de se viver em paz e em tranqüilidade.

As coisas que normalmente tiram nossa paz são a fama, a riqueza, o prestígio, etc.

Por isso, Lao Tse diz:

O prestígio e a humilhação geram susto
A nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo

A pessoa, antes de alcançar o prestígio, fica com medo, preocupada. Para conseguir o prestígio, batalha pela conquista, fica em estado de alerta. Depois de conquistar o prestígio, a riqueza, a pessoa também fica em estado de alerta.

Quem nada tem ou quer, não fica em estado de alerta. Quem tem, fica em estado de alerta porque tem medo de perder o que conquistou.

Quem não tem e quer, dedica toda a atenção e preocupação para gerar dinheiro e riqueza. Quando se conquista, fica todo o tempo preocupado em manter essa riqueza. A preocupação é diferente, porém continua a ser gerada.

Temos medo e nos sentimos inseguros porque não temos fama, não temos poder, não temos o controle da situação, não temos riqueza, não podemos dominar as pessoas ou as situações.

E quando possuímos tudo isso, ficamos com medo porque não queremos perder tudo.

Isso demonstra a prisão no conceito.

O que significa o nome? O prestígio? Tudo isso é um valor. Na verdade, o ser humano precisa de um mínimo para sua sobrevivência: comer, vestir, trabalhar, morar bem. Além disso, a pessoa estará correndo riscos. Existe aquilo que representa o mínimo necessário e todo o resto que pode ser dispensado.

Existem pessoas que só tomam uísque importado e outras que só usam roupas de tal griffe. Tudo isso são conceitos. Quando a pessoa se torna prisioneira do conceito, a vida se torna mais arrastada, mais desgastante. Tem que trabalhar muito, se esforçar muito para conquistar essas coisas. Então, se torna infeliz.

Obviamente, todos gostam de tomar um bom uísque e vestir uma boa roupa. Apenas que a prisão no conceito é que pode tornar as pessoas infelizes.

Em outra análise, Lao Tse diz que a conquista do prestígio pode gerar o orgulho. A acolhida da humilhação pode gerar a ira. Uma pessoa que se sinta humilhada pode criar dentro de si uma raiva.

Nenhum de nós gosta de ser desprestigiado ou humilhado. Podemos não responder imediatamente nem diretamente. Mas lá dentro do coração, criamos a raiva ou o aborrecimento. Tudo pode ocorrer num nível mais inconsciente que nem percebemos. Mas a acumulação dessas raivas ou dessas dores gera doenças.

Também a pessoa pode adoecer por causa da ira, adoecer espiritualmente por causa do orgulho. Estes sentimentos podem ser explícitos ou não; podem ou não aparecer exteriormente.

Quando buscamos algo que a sociedade estabelece como valor e não conseguimos, somos desprezados ou humilhados. O prestígio é o valor que nós determinamos ou que adotamos porque outros assim determinaram. Os conceitos podem ser ilusórios. No entanto, também a humilhação é um valor. O prestígio é um valor. A conquista ou a perda são ilusões.

O que é real é o que fica na alma.

Quando uma pessoa passa a vida guardando a ira e a humilhação dentro de si mesma, não apenas prejudica sua vida emocionalmente como também, quando transmigra para uma outra vida, não leva o corpo de hoje, nem a memória consciente, mas leva seus sentimentos.

Ou seja, a pessoa leva para uma outra vida o ódio, a humilhação, etc.

Tudo o que se leu e se compreendeu nessa vida, não é mais lembrado quando se acorda como outra pessoa, em outra vida posterior. Apenas levamos conosco nossas capacidades. Podemos ter lido muito nessa vida que levaremos para a próxima uma grande capacidade para a leitura mas não nos lembraremos daquilo que estudamos anteriormente.

Igualmente, uma pessoa que se sentiu humilhada e desprestigiada nessa vida, não se lembrará da humilhação e do desprestígio que sofreu porém algo restará dentro dessa pessoa que a levará a ter um temperamento contestador, revoltado.

Isso é o que Mestre Maa chama de Semente __________ (Nota da Transcritora: não foi possível compreender esta palavra). Essa semente fica. Levamos conosco para outra vida a natureza do sentimento que resta como personalidade.

Por isso, Lao Tse diz:
O prestígio e a humilhação geram susto

Na prática espiritual do Tao, se propõe a não-criação de valores a partir de coisas que não têm valor. Também não se busca algo impermanente. Não projetar algo permanente dentro daquilo que é impermanente.

As pedras preciosas, por exemplo, se não as julgarmos preciosas, serão apenas pedras. Assim como o ouro, o chumbo, o Mercúrio. São simplesmente metais. No entanto, o conceito de valor diz que o ouro é mais valioso do que o chumbo. Portanto, se cobiça o ouro e não o chumbo.

A sociedade julga que o presidente do país é importante e o lixeiro das ruas, não. Dessa maneira, leva-se o conceito do prestígio e do desprestígio que geram orgulho e revolta.

Tudo isso é o resultado do valor que nós criamos. No texto, se diz que não se deve criar valor em cima das coisas que não têm valor. Para que não se fique prisioneiro de coisas sem valor.

Em seguida, Lao Tse diz:

A nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo

Prestígio, humilhação, nobreza, preocupação, tudo se reflete imediatamente no corpo.

No Taoísmo, existe uma prática chamada fisio_______________ (Nota da Transcritora: não foi possível entender o que foi dito) - que é a leitura postural. Pelos traços, pelas rugas, pela formação dos ângulos do rosto e pela maneira de o corpo se comportar, chega-se a uma análise da personalidade da pessoa. O corpo reflete o prestígio, a nobreza, o sentimento da pessoa.

Lao Tse analisa o prestígio, dinheiro, riqueza, humilhação... como coisas ilusórias ou prejudiciais.

Ele entra num segundo nível de análise onde joga com palavra contra palavra (o que é muito comum em seus textos). Ele analisa sob outro ângulo:

O que são prestígio e humilhação?
Prestígio é inferior
Ao obtê-lo, ficamos assustados
Ao perdê-lo, ficamos assustados
Isto é o que quer dizer “o prestígio e a humilhação geram susto”

Ficamos assustados com a realidade, com aquilo que não está de acordo conosco. É provável que não sejamos realmente tão bons, tão habilitados em alguma coisa que fazemos. E como o conceito é o de que devemos nos considerar o máximo, levamos um susto. Isso gera uma alteração. Por outro lado, se conquistamos algo, geramos o medo da perda, o medo de não conseguirmos manter as coisas no mesmo nível. Também nesse caso se gera o susto - susto no sentido de medo.

Uma pessoa assustada vive o tempo todo carregando o coração na mão. O tempo todo fica alerta, não relaxa e a energia não flui. Quando se tem medo de perder ou de não poder cumprir expectativas criadas interna ou externamente, a pessoa contrai o diafragma. Portanto, parece carregar o coração na mão.

O que quer dizer “a nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo”?
A razão de eu ter essa ‘grande preocupação’ é ter um corpo
Se eu não tivesse um corpo
Com que teria que me preocupar?

Quando uma pessoa tem o corpo, ela tem a vida. e tem a morte. O corpo nasce e o corpo morre. O corpo simboliza a impermanência do ser. Não existe um corpo que permaneça para sempre. O corpo morre, ele é algo temporário, impermanente.

Se o nosso valor maior é um valor impermanente, ficamos assustados o tempo inteiro, com o coração na mão.

Quando estamos ansiosos com alguma coisa, ficamos inseguros. Quando temos algo, ficamos inseguros. Tudo o que tem forma é impermanente. Dessa maneira, Lao Tse nos diz para não sermos prisioneiros de uma forma, de uma imagem que pressupomos que seja permanente... mas que, na verdade, é impermanente.

A fama não permanece, nem o prestígio, nem a riqueza, nem o corpo físico, nem a memória.

Tudo o que tem forma é impermanente. E todos os apegos a uma forma - seja concreta ou abstrata - são apegos por algo impermanente. Sempre que queremos nos amparar em algo, descobrimos que isso é impermanente, daí surge a frustração. Nada é permanente.

Lao Tse nos diz para tomarmos essa consciência.

Por isso,
Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo
A este o mundo pode se entregar
Quem ama faz do mundo o seu corpo
Neste, o mundo pode confiar.

O Verdadeiro Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo, renunciando ao seu ego. Nada existe exclusivo dele, até seu corpo físico pertence ao mundo. Tudo o que ele possui pertence ao mundo e não lhe pertence. Isso é transcender à limitação do ego.

Quando nos entregamos ao mundo, o mundo se entrega a nós. O mundo não pode se entregar nas mãos de uma pessoa que não se entrega ao mundo.

Vemos isso acontecendo nos chamados homens poderosos e conquistadores. Eles conquistaram o mundo mas não se entregaram como pessoas; quiseram possuir o mundo mas não se entregaram ao mundo. Dessa forma, o mundo não pôde se entregar a eles.

São Francisco de Assis se entregou ao mundo, renunciou a si mesmo para o mundo e o mundo vem devolvendo suas riquezas para ele e para seus seguidores.

Se uma pessoa quer que o mundo acredite nele, ela tem que se entregar ao mundo.

Quando Ele diz
Quem ama faz do mundo o seu corpo
Neste, o mundo pode confiar

Lao Tse nos ensina a amar o mundo como amamos o nosso próprio corpo. É comum as pessoas não suportarem a dor física no próprio corpo mas toleram a dor física do outro. No entanto, amar o mundo como seu próprio corpo diz que tudo devemos sentir e amar como se fosse em nós mesmos.

O Homem Sagrado abraça o mundo, toma tudo o que existe no mundo como parte dele, trata todas as coisas e todas as pessoas com afeto e com carinho.

O Homem Sagrado faz do mundo o seu corpo. Nesse sentido, Ele abraça o mundo sem querer possuir o mundo, mas sim abraça o mundo amando-o como o seu próprio corpo. Esse é o conceito Taoísta de afetividade.

Em Capítulos posteriores, Lao Tse vai nos dizer que possuímos três tesouros:

Afetividade
Simplicidade
Humildade
São os três fundamentos do Taoísmo.

Portanto, temos que viver abraçando o mundo com o nosso próprio corpo.

Quem vive com simplicidade, não tem neurose de prestígio e humilhação.

A humildade nos ensina a não querermos ser o primeiro, o máximo do mundo.

Lao Tse chama a humildade com o simbolismo da água. A água traz a vida para a terra, deixa a terra fértil, faz com que nos mantenhamos vivos, e, no entanto, a água sempre desce para baixo, sempre se mantém na parte mais baixa e, às vezes, até mais suja. Corre para os pântanos, torna-se lama, esgoto, e vai para o fundo do mar. Essa é a leitura simbólica da humildade, ficar na base, embaixo, beneficiar sem querer.

Chuang Tzu diz que o Grande Oceano durante dez anos de seca nunca reduziu um centímetro sequer. Durante dez anos de enchentes, também o oceano nunca aumentou um centímetro sequer. Esse oceano simboliza a grande humildade que nunca se altera pelas circunstâncias.

A água é maleável, persistente, transformadora, vira chuva, cai, vira rio, vira mar, vira vapor. A água tem adaptabilidade, é discreta porque se esconde no fundo dos buracos. Simboliza a sabedoria, a profundidade interior, a discrição. A água é humilde. A grande sabedoria, a sabedoria profunda, normalmente nos traz uma característica de humildade.

Nas escolas tradicionais do Taoísmo, não se encontram gurus amplamente ovacionados, recebendo flores e homenagens, carregados em glória triunfante. Não. Os mestres taoístas são pessoas extremamente simples.

Existe uma história sobre Gengis Khan que era um grande conquistar e que instalou sua capital em Pequim, na China. Ele era atormentado por visões fantasmagóricas em seu palácio. Um dia, mandou chamar um mestre Taoísta para exorcizar os fantasmas. O mestre mandou dizer que iria mais tarde. O que aconteceu na verdade é que imediatamente os fantasmas fugiram, antes mesmo do mestre aparecer no palácio e exercer grandes funções e pompas. Também não apareceu o mestre no palácio para receber as honras de seu trabalho bem feito. Apenas fez seu trabalho de longe e permaneceu como estava em sua vida.

Isso é o que Lao Tse diz sobre o Homem Sagrado que realiza sua obra mas que não precisa do reconhecimento disso. Ele simplesmente faz. E quando chega sua hora, retirar-se do mundo sem ressentimentos, sem necessidade de prestígio.

Para o Taoísmo, a felicidade homem está em ver que a obra foi cumprida, realizada. Não importa quem recebe as honras. O prestígio não é importante. O Taoísta simplesmente faz o que tem que fazer. Quem precisa de prestígio, tem um ego não-resolvido.

Essas são as pequenas diferenças que o Taoísmo propõe. Obviamente, não são todas as pessoas que concordam com isso. para aqueles que concordam, tentar viver essas verdades e ir se transformando aos poucos, é seguir o Caminho do Tao.

Toda a essência, o espírito do Taoísmo, está dentro do Tao Te Ching.

..................

Foto de Janine, Sítio das Estrelas

TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 13
do Tao Te Ching, de LAO TSE,
POR WU JYH CHERNG

Transcrição de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 06 de setembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo.
Nesta mesma Editora,
encontra-se a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching

Foto: TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Dj tao (Oficial)
Tradução e Interpretação do Capítulo 13
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Capítulo 13

O prestígio e a humilhação geram susto
A nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo

O que são prestígio e humilhação?
Prestígio é inferior
Ao obtê-lo, ficamos assustados
Ao perdê-lo, ficamos assustados
Isto é o que quer dizer “o prestígio e a humilhação geram susto”

O que quer dizer “a nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo”?
A razão de eu ter essa ‘grande preocupação’ é ter um corpo
Se eu não tivesse um corpo
Com que teria que me preocupar?

Por isso, 
Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo
A este o mundo pode se entregar
Quem ama faz do mundo o seu corpo
Neste, o mundo pode confiar.

Esse Capítulo fala da importância em não pendermos para uma extremidade ou outra extremidade.

Fala em não sermos prisioneiros dos valores; fala na importância de se viver em paz e em tranqüilidade.

As coisas que normalmente tiram nossa paz são a fama, a riqueza, o prestígio, etc.  

Por isso, Lao Tse diz:

O prestígio e a humilhação geram susto
A nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo

A pessoa, antes de alcançar o prestígio, fica com medo, preocupada.  Para conseguir o prestígio, batalha pela conquista, fica em estado de alerta.  Depois de conquistar o prestígio, a riqueza, a pessoa também fica em estado de alerta.

Quem nada tem ou quer, não fica em estado de alerta.  Quem tem, fica em estado de alerta porque tem medo de perder o que conquistou.

Quem não tem e quer, dedica toda a atenção e preocupação para gerar dinheiro e riqueza.  Quando se conquista, fica todo o tempo preocupado em manter essa riqueza.  A preocupação é diferente, porém continua a ser gerada.

Temos medo e nos sentimos inseguros porque não temos fama, não temos poder, não temos o controle da situação, não temos riqueza, não podemos dominar as pessoas ou as situações.

E quando possuímos tudo isso, ficamos com medo porque não queremos perder tudo.

Isso demonstra a prisão no conceito.

O que significa o nome?  O prestígio?  Tudo isso é um valor.  Na verdade, o ser humano precisa de um mínimo para sua sobrevivência: comer, vestir, trabalhar, morar bem.  Além disso, a pessoa estará correndo riscos.  Existe aquilo que representa o mínimo necessário e todo o resto que pode ser dispensado.

Existem pessoas que só tomam uísque importado e outras que só usam roupas de tal  griffe.  Tudo isso são conceitos.  Quando a pessoa se torna prisioneira do conceito, a vida se torna mais arrastada, mais desgastante.  Tem que trabalhar muito, se esforçar muito para conquistar essas coisas.  Então, se torna infeliz.

Obviamente, todos gostam de tomar um bom uísque e vestir uma boa roupa.  Apenas que a prisão no conceito é que pode tornar as pessoas infelizes.

Em outra análise, Lao Tse diz que a conquista do prestígio pode gerar o orgulho.  A acolhida da humilhação pode gerar a ira.  Uma pessoa que se sinta humilhada pode criar dentro de si uma raiva.

Nenhum de nós gosta de ser desprestigiado ou humilhado.  Podemos não responder imediatamente nem diretamente.  Mas lá dentro do coração, criamos a raiva ou o aborrecimento.  Tudo pode ocorrer num nível mais inconsciente que nem percebemos.  Mas a acumulação dessas raivas ou dessas dores gera doenças.

Também a pessoa pode adoecer por causa da ira, adoecer espiritualmente por causa do orgulho.  Estes sentimentos podem ser explícitos ou não; podem ou não aparecer exteriormente.

Quando buscamos algo que a sociedade estabelece como valor e não conseguimos, somos desprezados ou humilhados.  O prestígio é o valor que nós determinamos ou que adotamos porque outros assim determinaram.  Os conceitos podem ser ilusórios.  No entanto, também a humilhação é um valor.  O prestígio é um valor.  A conquista ou a perda são ilusões.

O que é real é o que fica na alma.

Quando uma pessoa passa a vida guardando a ira e a humilhação dentro de si mesma, não apenas prejudica sua vida emocionalmente como também, quando transmigra para uma outra vida, não leva o corpo de hoje, nem a memória consciente, mas leva seus sentimentos.

Ou seja, a pessoa leva para uma outra vida o ódio, a humilhação, etc.

Tudo o que se leu e se compreendeu nessa vida, não é mais lembrado quando se acorda como outra pessoa, em outra vida posterior.  Apenas levamos conosco nossas capacidades.  Podemos ter lido muito nessa vida que levaremos para a próxima uma grande capacidade para a leitura mas não nos lembraremos daquilo que estudamos anteriormente.

Igualmente, uma pessoa que se sentiu humilhada e desprestigiada nessa vida, não se lembrará da humilhação e do desprestígio que sofreu porém algo restará dentro dessa pessoa que a levará a ter um temperamento contestador, revoltado.

Isso é o que Mestre Maa chama de Semente __________  (Nota da Transcritora: não foi possível compreender esta palavra).   Essa semente fica.  Levamos conosco para outra vida a natureza do sentimento que resta como personalidade.

Por isso, Lao Tse diz: 
O prestígio e a humilhação geram susto

Na prática espiritual do Tao, se propõe a não-criação de valores a partir de coisas que não têm valor.  Também não se busca algo impermanente.  Não projetar algo permanente dentro daquilo que é impermanente.

As pedras preciosas, por exemplo, se não as julgarmos preciosas, serão apenas pedras.  Assim como o ouro, o chumbo, o Mercúrio.  São simplesmente metais.  No entanto, o conceito de valor diz que o ouro é mais valioso do que o chumbo.  Portanto, se cobiça o ouro e não o chumbo.

A sociedade julga que o presidente do país é importante e o lixeiro das ruas, não.  Dessa maneira, leva-se o conceito do prestígio e do desprestígio que geram orgulho e revolta.

Tudo isso é o resultado do valor que nós criamos.  No texto, se diz que não se deve criar valor em cima das coisas que não têm valor.  Para que não se fique prisioneiro de coisas sem valor.

Em seguida, Lao Tse diz:

A nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo

Prestígio, humilhação, nobreza, preocupação, tudo se reflete imediatamente no corpo.

No Taoísmo, existe uma prática chamada fisio_______________  (Nota da Transcritora: não foi possível entender o que foi dito) - que é a leitura postural.  Pelos traços, pelas rugas, pela formação dos ângulos do rosto e pela maneira de o corpo se comportar, chega-se a uma análise da personalidade da pessoa.  O corpo reflete o prestígio, a nobreza, o sentimento da pessoa.

Lao Tse analisa o prestígio, dinheiro, riqueza, humilhação... como coisas ilusórias ou prejudiciais.

Ele entra num segundo nível de análise onde joga com palavra contra palavra (o que é muito comum em seus textos).  Ele analisa sob outro ângulo:  

O que são prestígio e humilhação?
Prestígio é inferior
Ao obtê-lo, ficamos assustados
Ao perdê-lo, ficamos assustados
Isto é o que quer dizer “o prestígio e a humilhação geram susto”

Ficamos assustados com a realidade, com aquilo que não está de acordo conosco.  É provável que não sejamos realmente tão bons, tão habilitados em alguma coisa que fazemos.  E como o conceito é o de que devemos nos considerar o máximo, levamos um susto. Isso gera uma alteração.  Por outro lado, se conquistamos algo, geramos o medo da perda, o medo de não conseguirmos manter as coisas no mesmo nível.  Também nesse caso se gera o susto - susto no sentido de medo.

Uma pessoa assustada vive o tempo todo carregando o coração na mão.  O tempo todo fica alerta, não relaxa e a energia não flui.  Quando se tem medo de perder ou de não poder cumprir expectativas criadas interna ou externamente, a pessoa contrai o diafragma.  Portanto, parece carregar o coração na mão.

O que quer dizer “a nobreza e a grande preocupação situam-se no corpo”?
A razão de eu ter essa ‘grande preocupação’ é ter um corpo
Se eu não tivesse um corpo
Com que teria que me preocupar?

Quando uma pessoa tem o corpo, ela tem a vida.  e tem a morte.  O corpo nasce e o corpo morre.  O corpo simboliza a impermanência do ser.  Não existe um corpo que permaneça para sempre.  O corpo morre, ele é algo temporário, impermanente.

Se o nosso valor maior é um valor impermanente, ficamos assustados o tempo inteiro, com o coração na mão.

Quando estamos ansiosos com alguma coisa, ficamos inseguros.  Quando temos algo, ficamos inseguros.  Tudo o que tem forma é impermanente.  Dessa maneira, Lao Tse nos diz para não sermos prisioneiros de uma forma, de uma imagem que pressupomos que seja permanente... mas que, na verdade, é impermanente.

A fama não permanece, nem o prestígio, nem a riqueza, nem o corpo físico, nem a memória.

Tudo o que tem forma é impermanente.  E todos os apegos a uma forma - seja concreta ou abstrata - são apegos por algo impermanente.  Sempre que queremos nos amparar em algo, descobrimos que isso é impermanente, daí surge a frustração.  Nada é permanente.

Lao Tse nos diz para tomarmos essa consciência.

Por isso, 
Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo
A este o mundo pode se entregar
Quem ama faz do mundo o seu corpo
Neste, o mundo pode confiar.

O Verdadeiro Nobre é aquele que entrega o corpo ao mundo, renunciando ao seu ego.  Nada existe exclusivo dele, até seu corpo físico pertence ao mundo.  Tudo o que ele possui pertence ao mundo e não lhe pertence.  Isso é transcender à limitação do ego.

Quando nos entregamos ao mundo, o mundo se entrega a nós.  O mundo não pode se entregar nas mãos de uma pessoa que não se entrega ao mundo.

Vemos isso acontecendo nos chamados homens poderosos e conquistadores.  Eles conquistaram o mundo mas não se entregaram como pessoas; quiseram possuir o mundo mas não se entregaram ao mundo.  Dessa forma, o mundo não pôde se entregar a eles.

São Francisco de Assis se entregou ao mundo, renunciou a si mesmo para o mundo e o mundo vem devolvendo suas riquezas para ele e para seus seguidores.

Se uma pessoa quer que o mundo acredite nele, ela tem que se entregar ao mundo.

Quando Ele diz
Quem ama faz do mundo o seu corpo
Neste, o mundo pode confiar

 Lao  Tse nos ensina a amar o mundo como amamos o nosso próprio corpo.  É comum as pessoas não suportarem a dor física no próprio corpo mas toleram a dor física do outro.  No entanto, amar o mundo como seu próprio corpo diz que tudo devemos sentir e amar como se fosse em nós mesmos.

O Homem Sagrado abraça o mundo, toma tudo o que existe no mundo como parte dele, trata todas as coisas e todas as pessoas com afeto e com carinho.

O Homem Sagrado faz do mundo o seu corpo.  Nesse sentido, Ele abraça o mundo sem querer possuir o mundo, mas sim abraça o mundo amando-o como o seu próprio corpo.  Esse é o conceito Taoísta de afetividade.

Em Capítulos posteriores, Lao Tse vai nos dizer que possuímos três tesouros:

Afetividade
Simplicidade
Humildade
São os três fundamentos do Taoísmo.

Portanto, temos que viver abraçando o mundo com o nosso próprio corpo.

Quem vive com simplicidade, não tem neurose de prestígio e humilhação.

A humildade nos ensina a não querermos ser o primeiro, o máximo do mundo.

Lao Tse chama a humildade com o simbolismo da água.  A água traz a vida para a terra, deixa a terra fértil, faz com que nos mantenhamos vivos, e, no entanto, a água sempre desce para baixo, sempre se mantém na parte mais baixa e, às vezes, até mais suja.  Corre para os pântanos, torna-se lama, esgoto, e vai para o fundo do mar.  Essa é a leitura simbólica da humildade, ficar na base, embaixo, beneficiar sem querer.

Chuang Tzu diz que o Grande Oceano durante dez anos de seca nunca reduziu um centímetro sequer.  Durante dez anos de enchentes, também o oceano nunca aumentou um centímetro sequer.  Esse oceano simboliza a grande humildade que nunca se altera pelas circunstâncias.

A água é maleável, persistente, transformadora, vira chuva, cai, vira rio, vira mar, vira vapor.  A água tem adaptabilidade, é discreta porque se esconde no fundo dos buracos.  Simboliza a sabedoria, a profundidade interior, a discrição.  A água é humilde.  A grande sabedoria, a sabedoria profunda, normalmente nos traz uma característica de humildade.

Nas escolas tradicionais do Taoísmo, não se encontram gurus amplamente ovacionados, recebendo flores e homenagens, carregados em glória triunfante.  Não.  Os mestres taoístas são pessoas extremamente simples.

Existe uma história sobre Gengis Khan que era um grande conquistar e que instalou sua capital em Pequim, na China.  Ele era atormentado por visões fantasmagóricas em seu palácio.  Um dia, mandou chamar um mestre Taoísta para exorcizar os fantasmas.  O mestre mandou dizer que iria mais tarde.  O que aconteceu na verdade é que imediatamente os fantasmas fugiram, antes mesmo do mestre aparecer no palácio e exercer grandes funções e pompas.  Também não apareceu o mestre no palácio para receber as honras de seu trabalho bem feito.  Apenas fez seu trabalho de longe e permaneceu como estava em sua vida.

Isso é o que Lao Tse diz sobre o Homem Sagrado que realiza sua obra mas que não precisa do reconhecimento disso.  Ele simplesmente faz.  E quando chega sua hora, retirar-se do mundo sem ressentimentos, sem necessidade de prestígio.

Para o Taoísmo, a felicidade homem está em ver que a obra foi cumprida, realizada.  Não importa quem recebe as honras.  O prestígio não é importante.  O Taoísta simplesmente faz o que tem que fazer.  Quem precisa de prestígio, tem um ego não-resolvido.

Essas são as pequenas diferenças que o Taoísmo propõe.  Obviamente, não são todas as pessoas que concordam com isso.  para aqueles que concordam, tentar viver essas verdades e ir se transformando aos poucos, é seguir o Caminho do Tao.

Toda a essência, o espírito do Taoísmo, está dentro do Tao Te Ching.

..................

Foto de Janine, Sítio das Estrelas

TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 13
do Tao Te Ching, de LAO TSE,
POR WU JYH CHERNG

Transcrição de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil, 
Rio de Janeiro, em 06 de setembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng, 
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo.
Nesta mesma Editora, 
encontra-se a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching

O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho

TAO TE CHING - O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 12
do Tao Te Ching, de Lao Tse, por WU JYH CHERNG
Capítulo 12

As cinco cores tornam os olhos do homem cegos
As cinco notas tornam os ouvidos do homem surdos
Os cinco sabores tornam a boca do homem insensível
Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido
Os bens de difícil aquisição tornam a caminhada do homem prejudicada

Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho
Assim,
Afasta aqueles e escolhe este



Podemos realizar esta leitura em vários níveis.

Em nível mais rasteiro, olhando diretamente para o texto, o que se diz?

Ao pé da letra, se diz que muitas cores fazem mal à vista. Aos olhos. Muito som prejudica a audição. Muitos sabores não fazem bem ao paladar. Muita euforia enlouquece a mente da pessoa. Excesso de desejo de valores, tornam o caminho do homem mais difícil, mais prejudicado.

Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho

Ele se realiza voltado para dentro e não voltado para fora. E assim, afasta as cinco cores, os sons, os sabores, os bens de difícil obtenção para poder ficar com a tranqüilidade, poder se interiorizar, poder não se tornar sendo cego ou insensível.

À primeira vista, o conselho do Sábio é dessa natureza. As cinco cores, as cinco notas, os cinco sabores significam todas as cores, todas as notas, todos os sabores. Tradicionalmente, na China, as notas musicais são cinco em vez de sete.

Tudo isso corresponde ao conceito simbólico dos cinco elementos.

ELEMENTO COR NOTA SABOR

Madeira azul Mi ácido
Fogo vermelho Sol amargo
Terra amarelo Dó doce
Metal branco Ré picante
Água preto Lá salgado

Também correspondem às cinco direções: Leste Sul Centro Oeste Norte

Correspondem às quatro estações e mais o final de cada estação.

Simbolicamente, se fala de tudo.

As cinco cores tornam os olhos do homem cegos
As cinco notas tornam os ouvidos do homem surdos
Os cinco sabores tornam a boca do homem insensível

Quando uma pessoa é hiper estimulada pelos vários tipos de sabores, acaba perdendo a capacidade de saborear realmente os alimentos.

A pessoa perde a capacidade de perceber a fluidez e a harmonia da música e do som.

Tudo em excesso, é prejudicial nas pessoas.

Têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não ouvem; têm boca e não saboreiam.

Dentro da prática Taoísta, se propõe às pessoas não usarem cores fortes, sabores fortes, sons fortes, para a vista não se desgastar com a excessividade das cores.

Evitar sons radicais como a música moderna. As passagens das notas devem ser mais suaves, mais moduladas. A audição sente um contraste muito grande.

Tudo com sabor muito forte acaba com o tempo entorpecendo o paladar. Quando se usa quase nenhum sal, ou pimenta, ou açúcar, basta ser a comida um pouco mais temperada, para se perceber logo.

Tanto as cores, como os sons, como os sabores devem ter sua freqüência de forma mais natural, menos carregada.

Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido

Normalmente, no Taoísmo, se coloca o conceito da não-disputa. A caça é uma prática que traz o conceito de disputa entre o homem e a natureza. Existe uma diferença entre caça para a sobrevivência e a carreira de caça. Carreira de caça e´quando se caça puramente por prazer. Naturalmente, o Taoísmo não incentiva o espírito de competição e o espírito do jogo. Essas atividades geram euforia.

A euforia é uma distorção, uma alteração da consciência. faz com que saiamos da realidade e entremos num estado de fantasia.

Os bens de difícil aquisição tornam a caminhada do homem prejudicada

Um dos juramentos do monge Taoísta é o de não sacrificar a vida em função do prazer pessoal. Comer carne como espécie de busca do prazer, traz o sacrifício da vida.

Se não tivermos uma outra coisa para comer e se a carne for necessária para a sobrevivência..., então, sim.

O Taoísmo não trabalha com regras rígidas. O Taoísmo trabalha com a Consciência. o Taoísmo valoriza a vida: é preciso se estar vivo para se poder realizar o trabalho espiritual.

Se for vegetariano e um dia quiser comer peixe, ou simplesmente qualquer outra coisa, siga sua consciência e não deixe que a culpa faça surgirem indigestão ou mal-estar. É preciso se estar consciente das coisas, se ter consciência das coisas.

Essa é a diferença entre o Taoísmo e as outras doutrinas que enfatizam a rigidez do preceito em si - mesmo mais do que a conscientização.

O Taoísmo é uma Tradição que se preocupa muito com a saúde. O Chi Kun, o Tai Chi Chuan, a Acupuntura e outras terapias e artes são provenientes do Taoísmo.

O Taoísmo pensa que alimentação vegetariana é bem mais saudável para o organismo humano, mais fácil de ser diferida. O mito sobre as proteínas animais é um mito. O homem não precisa assim de gordura animal. O homem pode ser vegetariano e comer de tudo e não ter nenhum problema de saúde. Ao contrário. Não é preciso ficar se abastecendo de ovos e de laticínios. Eles também causam danos à saúde, quando em excesso.

Na prática espiritual do Taoísmo, consideramos que nosso corpo tenha três grandes portais - entradas e saídas - de energia. Eles são:

Os olhos - relacionados à visão
Os ouvidos - relacionados à audição
Os olhos e as narinas - relacionados ao paladar

São três portais que se relacionam com o mundo externo.

Quando uma pessoa é atraída excessivamente por algo externo que chame a atenção, sua energia vital é puxada para fora.

Quando olhamos diretamente para algo, nossa energia vital é sugada para aquilo que se olha.

Por isso, Lao Tse diz: “As cinco cores tornam os olhos do homem cegos”.

Por isso, na pratica da meditação, a gente traz a energia para o interior. Os olhos ficam fechados para que a energia não se esvaia pelos olhos.

Quando se ouve muitos sons, a energia vital é puxada por esse mesmo som, para fora. Então, se perde a energia vital.

Temos Três Tesouros, os quais chamamos de Essência, Sopro e Espírito.

O Espírito é a Consciência.
O Sopro é a energia vital do nosso corpo.
Essência são os fluídos do nosso corpo.

Quando toda a nossa consciência está ligada com as várias coisas externas, os fluidos evaporam para fora. As energias vitais vão abandonando o corpo. A consciência fica pressionada pelas formas externas; começa a se esvaziar interiormente e esse esvaziamento vai prejudicar a capacidade mental, vai alterar a capacidade emocional, e vai reduzir a capacidade física da pessoa. É um esvaziamento.

A prática da meditação é exatamente o contrário disso.

A visão é trazida para o interior, a audição e a respiração também. Dessa maneira, a energia toda é trazida para dentro.

Se a atenção está no ar em que respiramos, então a energia também virá através do ar que respiramos.

Quando estamos como uma estátua erguida em um lugar evidente, num lugar que todos vêem, a energia se volta para nós.

Quando olhamos uma imagem - como no Corcovado -, uma parte dessa energia i- mesmo que seja minúscula e invisível -, vai para essa imagem.

Sendo a imagem colocada num local bem visível, ela sofre as energias advindas de todas as direções. E aquele local acaba se tornando um centro de forças.

São como os missionários que chegaram à América. Construíram cruzeiros e igrejas em lugares que chamavam a atenção. E o índio que não entendia nada daquilo, se sentia atraído; e quando olhava, sua energia se dirigia para o cruzeiro e para a igreja, criando, assim, força. Dessa maneira, isso é involuntário.

Estamos o tempo todo voltados para as coisas que nos chamam a atenção externamente. Mais ainda na sociedade moderna em que vivemos. Os meios de comunicação, o marketing, tudo isso chama sua atenção e retira sua energia.

O mesmo princípio de algo evidente que chame a atenção de todos, serve como meio de descarrego de energia.

Um vaso de flor numa mesa de trabalho em local muito tenso, atrai para si a energia dos olhares.

Existem Mestres Sábios que criam coisas em regiões de energia negativa e prejudicial, para trazerem o descarrego.

Como também existem pessoas espertas que usam as energias acumuladas nas imagens e se apropriam delas, para mau uso.

Tudo aquilo que se vê, absorve energia.

Algo extremamente evidente, atrai energia.

A medalha de proteção traz uma divindade, uma imagem, que representa uma crença sua. Pode ser uma crença filosófica ou religiosa. Traz um fortalecimento interior. Por outro lado, a medalha de proteção é um pára-raios: quando um ‘mau-olhado’ atingir a pessoa, ‘baterá’ na medalha de proteção e lá descarregará.

Normalmente, a medalha de proteção é colocada na altura do peito, do coração.

Normalmente, a energia ruim atinge a pessoa na altura do coração ou do umbigo, na altura do estomago ou na nuca.

Os maus-olhados nem sempre são conscientes.

A inveja pode ser inconsciente, incontrolável.

O descarrego pode ser feito através das forças móveis: vento, água, água corrente, fogo, banhos. Nunca se deve dormir sem banho. O banho antes de dormir descarrega o corpo de tudo o que ele teve que passar durante o dia.

Quando estamos lúcidos, a energia está muito mais ativa. Quando se relaxa, o campo de defesa fica menos ativo, portanto, toda aquela energia que está contida pela parte externa da aura, entra no corpo relaxado.

Durante o dia, num corpo ativo, a energia vai de dentro para fora. Ao dormir e relaxar, a energia retorna para dentro. Portanto, nessa hora, se o corpo não estiver descarregado, vai entrar toda a energia cumulada na periferia.

É bom comer bem, dormir bem, caminhar, tomar banho de sol, ter menos desgastes emocionais.

Os amuletos e as medalhas de proteção devem ser descarregados debaixo da torneira de água, com fumaça de incenso. Também na cachoeira, no mar.

No banho de sal grosso, como acontece no Brasil, deve-se depois tomar o banho normal.

Quando a pessoa fica todo o tempo voltada para o chamariz exterior, através da visão, do som, dos sabores, sua energia vai se desgastando.

Por isso, Lao Tse, no primeiro trecho, aconselha às pessoas a evitarem os excessos.

Os três portais podem ser de saída ou de entrada.

Quando se inspira, o ar entra.
Quando se come, a energia dos alimentos entra.
Quando se fecha a atenção para o interior, a energia entra dentro de nós.

Quando se deixa de ouvir o som externo para se ouvir o som interno, trazemos a energia para o interior e nos fortalecemos.

Quanto mais a consciência se interioriza, maior centralização de forças dentro de nós.

Isso é exatamente o que Lao Tse diz na última frase:

Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho

Assim,
Afasta aqueles e escolhe este

Pergunta: Quando se olha para o altar, a energia da pessoa também está saindo?

Resposta de Cherng: Sim. É por isso que o altar tem força. Mas tem uma diferença. Quando se faz um altar, concentra-se lá a força. Quando uma pessoa reverencia um altar, vai ali deixar sua força. No entanto, essa energia é uma concentração. É uma troca de energias porque se manda energia para o Tao e o Tao manda sua energia de volta.

Essa centralização de força no altar é feita com o sentimento de respeito, de reverência, de humildade. São energias boas.

Portanto, o altar acaba se tornando um campo, um centro de força que vai magnetizar quem perto dele chegue.

Nos aproximamos do altar de força positiva e nos sentimos trocando energias.

Nos meus tempos de aprendiz, há sete anos atrás, conheci uma moça que estava bem mais adiantada. Ela me ensinou a perceber o tipo de forças presentes em vários lugares. Energia boa ou não.

Para se reconhecer um Mestre, basta se prestar atenção no altar. Se o altar tiver muita força, o mestre tem muita força. Se o altar causar enjôo, dor-de-cabeça ou mal-estar, certamente a energia daquele mestre não está equilibrada para você. Sentindo uma força mais nítida, certamente é um sacerdote que trabalha com força de justiça, de exorcismo, de algo mais rígido. Sentindo uma sensação mais leve, ficando-se emocionado, certamente é uma pessoa mais devocional, que trabalha com força mais emotiva.

Conhece-se então a pessoa a partir da força de seu altar. O altar é o centro de vibração, a gente se aproxima do altar e o campo de vibração nos envolve.

Todos os altares recebem energia. Quando lá vamos rezar, orar, acender um incenso, estamos externando nossa energia em direção ao altar.

Parece um fundo, um clube de investimentos. Chega uma hora que concentrou tanta força, que todas as vezes que nos aproximamos nos sentimos re-equilibrados, re-energizados.

Essa é a função do altar.

As doutrinas místicas podem ser compreendidas de duas maneiras:

Através da via racional, assistindo aulas, palestras, lendo teorias e filosofias que são vistas se estão de acordo conosco ou não.

O outro caminho é a via intuitiva, sentindo a energia do ritual. Como entender o ritual em chinês? Levariam-se anos para traduzir tudo.

Enquanto isso, usa-se a intuição. Sentir a energia que lá está, se a energia combina com você ou não. Se você se sente bem ou não.

Se não nos sentirmos bem com a energia, uma coisa é certa, aquele não é o seu caminho. Não é essa a sua família invisível. Sensação natural é a de se sentir bem, como se estivesse voltando para casa. Na nossa casa não sentimos estranheza, a energia flui.

Se não julgamos pelo racional, usamos a intuição.

O Taoísmo é um Caminho. Não julgamos que o Taoísmo seja o único Caminho. Existem outros caminhos. Para cada momento individual, para cada temperamento, para cada natureza, existe um caminho. Se não é o Taoísmo, é o Budismo. Se não é o Budismo, é o Islamismo, ou Cristianismo - algum caminho se encontra.

Esse encontro ideal é a soma de duas coisas: do racional e do intuitivo.

Existem pessoas com dificuldades para usar a intuição. Outras com dificuldades para usar a razão. Cada um tem suas dificuldades e suas facilidades.

Para o Taoísmo, pode a pessoa usar sua intuição ou sua razão. Qualquer maneira é válida na busca do Caminho. Quando se tiver material para estudar, estudar. Quando não, se intui. Então, o Caminho pode ser descoberto.

Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido

Lao Tse nos fala da disputa do homem com a natureza. A não-integração do homem com a natureza. Lao Tse diz que o homem tem que se integrar com os outros homens, e se integrar com todos os seres, e se integrar com a grande natureza. E purificar-se com o próprio universo. Não entrar em choque com a natureza. Somos muito pequenos para brigar e lutar contra a grande natureza.

Chuang Tzu tem um conto onde diz que havia um gafanhoto pequenino e valente que lutava com os outros gafanhotos e caçava todos os insetos que porventura passassem em sua frente. Ele se considerava onipotente e poderoso.

Um dia, ele estava na beira da estrada e viu passar a carroça com as rodas de madeira...

- Quem são essas rodas que passam por aqui deixando marcas no chão, que absurdo!

O outro gafanhoto disse:

- Deixa prá lá, não vai lá, as rodas são muito fortes.

- Não, não, eu sou todo-poderoso! Eu vou enfrentá-las!

E assim, acabou a história...

O homem tem essa mesma característica do gafanhoto valente. Ele quer o tempo todo lutar contra a verdadeira natureza. O homem pretende vencer a natureza, vencer outros seres, vencer o céu, vencer a terra. Até pouco tempo atrás, a frase “o homem vencendo a natureza” era proclamada. Hoje, com a compreensão ecológica mais clara, podemos ver que besteira essa frase representa!

O homem não sabe adaptar e integrar a natureza.

A caça é o típico exemplo de luta entre o homem e a natureza. Mais ainda, levando para uma perversão maior ainda que gera uma euforia. Quando o homem está caçando, fica eufórico. Quando o homem está num processo de matança, entra em euforia. Parece que o cheiro de sangue o provoca.

Os soldados na batalha são tomados por uma euforia de matança, são tomados por uma força que não tem controle.

Por isso, Lao Tse diz:

Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido

O homem perde a consciência, perde a serenidade, perde a paz interior e torna-se eufórico.

Em nível mais sutil, a caça pode simbolizar uma espécie de disputa, desafio ou vencimento.

Na verdade, a caça não precisa ser apenas de animais. O homem, em seu trabalho, também age como se estivesse caçando. Caças, disputas, perseguições acontecem no campo profissional, no campo social, no campo afetivo, no campo do relacionamento humano. Tudo isso torna as pessoas eufóricas, torna o coração dos homens enlouquecidos. Torna as pessoas desequilibradas.

O próprio desequilíbrio torna o ser humano perverso. A palavra perversão em chinês significa desequilíbrio. Algo que é ou excessivamente Yang ou excessivamente Yin. Quando uma pessoa não consegue viver no equilíbrio, entra num processo de perversão. Por isso, na medicina chinesa, uma energia excessivamente quente ou fria ou úmida é chamada de energia perversa.

Uma pessoa excessivamente apaixonada, por exemplo, está sofrendo uma perversão da paixão.

A palavra perversão costuma assustar as pessoas. Não deveria. Todo o desequilíbrio é perverso. Se temos uma mania que não conseguimos nos livrar dela, então temos uma energia perversa dentro de nós. E a maneira de trabalhar isso é procurando o equilíbrio. As coisas que estão em equilíbrio não são perversas.

Os bens de difícil aquisição tornam a caminhada do homem prejudicada

Chuang Tzu diz: “Não busque o valor nas coisas que não têm valor”.

O diamante é valioso. No entanto, é uma pedra, apenas uma pedra. É um conceito artificial criado em cima de uma coisa natural.

Quando se cria um valor em cima de alguma coisa, passa-se a ser obcecado por esse mesmo valor, por essa coisa. Cria-se um valor para então se tornar escravo dele. Algo valioso para ser guardado exige sacrifício, tanto para tê-lo quanto para mantê-lo. Isso torna o Caminho do homem prejudicado porque ele não caminha com naturalidade, nem com suavidade, nem com facilidade.

O homem pensa que precisa ter prestígio social e por isso precisa ter recursos, ser famoso e poderoso.

Quando o homem precisa ter aquilo que não tem, ele se sacrifica para ter. ele tem que trabalhar em excesso para ganhar dinheiro. Ou talvez tenha que roubar, fazer truques, mentir.

O homem paga com sua vida aquilo que ele pensa ser valioso. Quando conquista tudo, perde o objetivo da vida e pensa na morte.

É isso o que Lao Tse chama de ‘caminho prejudicado’.

Em resumo, nestas 5 primeiras frases Ele diz para que tentemos nos interiorizar, para que procuremos não sermos seduzidos pelas formas externas, para não nos desgastarmos, não alterarmos a consciência através da euforia, e para não procurarmos pelos falsos valores.

Para não vermos/ nos defrontarmos com a nossa realidade, ficamos projetando mil coisas para fóra, para nos distrair. Tudo isso é exteriorização da consciência. Podem ser cores, sons, sabores, prazeres, valores, criamos coisas e corremos atrás delas.

Por que o Taoísmo acha que a meditação é fundamental?

Pelo menos quinze minutos por dia, a gente deve se sentar, em silêncio, no silêncio e esquecermo-nos de tudo e voltarmo-nos para nós mesmos, dedicando-nos a nós mesmos. Não pensar em ninguém, nem no trabalho, nem na buzina. Prestar atenção só em nós mesmos, no nosso corpo e depois, na respiração.

Esse processo de interiorização é fundamental para nos colocarmos diante de nós mesmos e não nos distraindo com outras coisas.

Por isso, nós dizemos que a meditação do silêncio é a base de toda a prática espiritual Taoísta. Esse é o meio de nos colocarmos diante de nós mesmos, sem julgamentos, sem pensamentos, sem querer nada, sem querer de querer nada. Ficamos quietinhos, restabelecendo a consciência transparente, nos reestruturando, trazendo a paz interior e a tranqüilidade.

No final, Ele diz:

Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho
Assim,
Afasta aqueles e escolhe este

O ventre refere-se ao interior. Os olhos, ao exterior.

Olha-se para algo que está lá fora. No ventre, os filhos são gerados.

Uma vez, se perguntou qual era a diferença entre a arte do crítico e a arte do artista?

A arte do crítico é a arte de criticar. A arte do artista é a arte do fazer. O crítico olha e o artista faz. Por isso, Lao Tse diz:

O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho

O Homem Sagrado produz. Ele se volta para dentro. Ele cria Arte.... ao invés de olhar a Arte para se distrair.

Quem apenas olha, não faz.

Na fase inicial da busca espiritual, faz-se de tudo. Mas, a partir do momento em que se percebe uma profunda afinidade com uma determinada linguagem espiritual, a busca cessa e o homem volta-se para dentro. Não se pode distrair demais. Não se pode saber de tudo.

O Taoísta não deve ter orgulho. Porém, nosso maior orgulho é o de pertencer à Escola dos realizadores e não à escola dos teóricos.

Essa foi a aula de hoje. Voltem para casa e meditem.

...............

FOTO: Janine Milward, Sítio das Estrelas

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 12
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em agosto/setembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching

Foto: TAO TE CHING - O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 12
do Tao Te Ching, de Lao Tse, por WU JYH CHERNG
Capítulo 12

As cinco cores tornam os olhos do homem cegos
As cinco notas tornam os ouvidos do homem surdos
Os cinco sabores tornam a boca do homem insensível
Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido
Os bens de difícil aquisição tornam a caminhada do homem prejudicada

Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho
Assim,
Afasta aqueles e escolhe este

Podemos realizar esta leitura em vários níveis.

Em nível mais rasteiro, olhando diretamente para o texto, o que se diz?

Ao pé da letra, se diz que muitas cores fazem mal à vista.  Aos olhos.  Muito som prejudica a audição.  Muitos sabores não fazem bem ao paladar.  Muita euforia enlouquece a mente da pessoa.  Excesso de desejo de valores, tornam o caminho do homem mais difícil, mais prejudicado.

Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho

Ele se realiza voltado para dentro e não voltado para fora.  E assim, afasta as cinco cores, os sons, os sabores, os bens de difícil obtenção para poder ficar com a tranqüilidade, poder se interiorizar, poder não se tornar sendo cego ou insensível.

À primeira vista, o conselho do Sábio é dessa natureza.  As cinco cores, as cinco notas, os cinco sabores significam todas as cores, todas as notas, todos os sabores.  Tradicionalmente, na China, as notas musicais são cinco em vez de sete.

Tudo isso corresponde ao conceito simbólico dos cinco elementos.

ELEMENTO COR NOTA SABOR

Madeira azul Mi ácido
Fogo vermelho Sol amargo
Terra amarelo Dó doce
Metal branco Ré picante
Água  preto Lá salgado

Também correspondem às cinco direções:  Leste  Sul   Centro   Oeste   Norte

Correspondem às quatro estações e mais o final de cada estação.

Simbolicamente, se fala de tudo.

As cinco cores tornam os olhos do homem cegos
As cinco notas tornam os ouvidos do homem surdos
Os cinco sabores tornam a boca do homem insensível

Quando uma pessoa é hiper estimulada pelos vários tipos de sabores, acaba perdendo a capacidade de saborear realmente os alimentos.

A pessoa perde a capacidade de perceber a fluidez e a harmonia da música e do som.

Tudo em excesso, é prejudicial nas pessoas.

Têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não ouvem; têm boca e não saboreiam.

Dentro da prática Taoísta, se propõe às pessoas não usarem cores fortes, sabores fortes, sons fortes, para a vista não se desgastar com a excessividade das cores.

Evitar sons radicais como a música moderna.  As passagens das notas devem ser mais suaves, mais moduladas.  A audição sente um contraste muito grande.

Tudo com sabor muito forte acaba com o tempo entorpecendo o paladar.  Quando se usa quase nenhum sal, ou pimenta, ou açúcar, basta ser a comida um pouco mais temperada, para se perceber logo.

Tanto as cores, como os sons, como os sabores devem ter sua freqüência de forma mais natural, menos carregada.

Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido

Normalmente, no Taoísmo, se coloca o conceito da não-disputa.  A caça é uma prática que traz o conceito de disputa entre o homem e a natureza.  Existe uma diferença entre caça para a sobrevivência e a carreira de caça.  Carreira de caça e´quando se caça puramente por prazer.  Naturalmente, o Taoísmo não incentiva o espírito de competição e o espírito do jogo.  Essas atividades geram euforia.

A euforia é uma distorção, uma alteração da consciência.  faz com que saiamos da realidade e entremos num estado de fantasia.

Os bens de difícil aquisição tornam a caminhada do homem prejudicada

Um dos juramentos do monge Taoísta é o de não sacrificar a vida em função do prazer pessoal.  Comer carne como espécie de busca do prazer, traz o sacrifício da vida.

Se não tivermos uma outra coisa para comer e se a carne for necessária para a sobrevivência..., então, sim.

O Taoísmo não trabalha com regras rígidas.  O Taoísmo trabalha com a Consciência.  o Taoísmo valoriza a vida:  é preciso se estar vivo para se poder realizar o trabalho espiritual.

Se for vegetariano e um dia quiser comer peixe, ou simplesmente qualquer outra coisa, siga sua consciência e não deixe que a culpa faça surgirem indigestão ou mal-estar.  É preciso se estar consciente das coisas, se ter consciência das coisas.

Essa é a diferença entre o Taoísmo e as outras doutrinas que enfatizam a rigidez do preceito em si - mesmo mais do que a conscientização.

O Taoísmo é uma Tradição que se preocupa muito com a saúde.  O Chi Kun, o Tai Chi Chuan, a Acupuntura e outras terapias e artes são provenientes do Taoísmo. 

O Taoísmo pensa que alimentação vegetariana é bem mais saudável para o organismo humano, mais fácil de ser diferida.  O mito sobre as proteínas animais é um mito.  O homem não precisa assim de gordura animal.  O homem pode ser vegetariano e comer de tudo e não ter nenhum problema de saúde.  Ao contrário.  Não é preciso ficar se abastecendo de ovos e de laticínios.  Eles também causam danos à saúde, quando em excesso.

Na prática espiritual do Taoísmo, consideramos que nosso corpo tenha três grandes portais - entradas e saídas - de energia.  Eles são:

Os olhos - relacionados à visão
Os ouvidos - relacionados à audição
Os olhos e as narinas - relacionados ao paladar

São três portais que se relacionam com o mundo externo.

Quando uma pessoa é atraída excessivamente por algo externo que chame a atenção, sua energia vital é puxada para fora.

Quando olhamos diretamente para algo, nossa energia vital é sugada para aquilo que se olha.

Por isso, Lao Tse diz:  “As cinco cores tornam os olhos do homem cegos”.

Por isso, na pratica da meditação, a gente traz a energia para o interior.  Os olhos ficam fechados para que a energia não se esvaia pelos olhos.

Quando se ouve muitos sons, a energia vital é puxada por esse mesmo som, para fora.  Então, se perde a energia vital.

Temos Três Tesouros, os quais chamamos de Essência, Sopro e Espírito.

O Espírito é a Consciência.
O Sopro é a energia vital do nosso corpo.
Essência são os fluídos do nosso corpo.

Quando toda a nossa consciência está ligada com as várias coisas externas, os fluidos evaporam para fora.  As energias vitais vão abandonando o corpo.  A consciência fica pressionada pelas formas externas; começa a se esvaziar interiormente e esse esvaziamento vai prejudicar a capacidade mental, vai alterar a capacidade emocional, e vai reduzir a capacidade física da pessoa.  É um esvaziamento.

A prática da meditação é exatamente o contrário disso.

A visão é trazida para o interior, a audição e a respiração também.  Dessa maneira, a energia toda é trazida para dentro.

Se a atenção está no ar em que respiramos, então a energia também virá através do ar que respiramos.

Quando estamos como uma estátua erguida em um lugar evidente, num lugar que todos vêem, a energia se volta para nós.

Quando olhamos uma imagem - como no Corcovado -, uma parte dessa energia i- mesmo que seja minúscula e invisível -, vai para essa imagem.

Sendo a imagem colocada num local bem visível, ela sofre as energias advindas de todas as direções.  E aquele local acaba se tornando um centro de forças.

São como os missionários que chegaram à América.  Construíram cruzeiros e igrejas em lugares que chamavam a atenção.  E o índio que não entendia nada daquilo, se sentia atraído; e quando olhava, sua energia se dirigia para o cruzeiro e para a igreja, criando, assim, força.  Dessa maneira, isso é involuntário.

Estamos o tempo todo voltados para as coisas que nos chamam a atenção externamente.  Mais ainda na sociedade moderna em que vivemos.  Os meios de comunicação, o marketing, tudo isso chama sua atenção e retira sua energia.

O mesmo princípio de algo evidente que chame a atenção de todos, serve como meio de descarrego de energia.

Um vaso de flor numa mesa de trabalho em local muito tenso, atrai para si a energia dos olhares.

Existem Mestres Sábios que criam coisas em regiões de energia negativa e prejudicial, para trazerem o descarrego.

Como também existem pessoas espertas que usam as energias acumuladas nas imagens e se apropriam delas, para mau uso.

Tudo aquilo que se vê, absorve energia.

Algo extremamente evidente, atrai energia.

A medalha de proteção traz uma divindade, uma imagem, que representa uma crença sua.  Pode ser uma crença filosófica ou religiosa.  Traz um fortalecimento interior.  Por outro lado, a medalha de proteção é um pára-raios: quando um  ‘mau-olhado’ atingir a pessoa, ‘baterá’ na medalha de proteção e lá descarregará.

Normalmente, a medalha de proteção é colocada na altura do peito, do coração.

Normalmente, a energia ruim atinge a pessoa na altura do coração ou do umbigo, na altura do estomago ou na nuca.

Os maus-olhados nem sempre são conscientes.

A inveja pode ser inconsciente, incontrolável.

O descarrego pode ser feito através das forças móveis: vento, água, água corrente, fogo, banhos.  Nunca se deve dormir sem banho.  O banho antes de dormir descarrega o corpo de tudo o que ele teve que passar durante o dia.

Quando estamos lúcidos, a energia está muito mais ativa.  Quando se relaxa, o campo de defesa fica menos ativo, portanto, toda aquela energia que está contida pela parte externa da aura, entra no corpo relaxado.

Durante o dia, num corpo ativo, a energia vai de dentro para fora.  Ao dormir e relaxar, a energia retorna para dentro.  Portanto, nessa hora, se o corpo não estiver descarregado, vai entrar toda a energia cumulada na periferia.

É bom comer bem, dormir bem, caminhar, tomar banho de sol, ter menos desgastes emocionais.

Os amuletos e as medalhas de proteção devem ser descarregados debaixo da torneira de água, com fumaça de incenso.  Também na cachoeira, no mar.

No banho de sal grosso, como acontece no Brasil, deve-se depois tomar o banho normal.

Quando a pessoa fica todo o tempo voltada para o chamariz exterior, através da visão, do som, dos sabores, sua energia vai se desgastando.

Por isso, Lao Tse, no primeiro trecho, aconselha às pessoas a evitarem os excessos.

Os três portais podem ser de saída ou de entrada.

Quando se inspira, o ar entra.
Quando se come, a energia dos alimentos entra.
Quando se fecha a atenção para o interior, a energia entra dentro de nós.

Quando se deixa de ouvir o som externo para se ouvir o som interno, trazemos a energia para o interior e nos fortalecemos.

Quanto mais a consciência se interioriza, maior centralização de forças dentro de nós.

Isso é exatamente o que Lao Tse diz na última frase:

Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho

Assim,
Afasta aqueles e escolhe este

Pergunta:  Quando se olha para o altar, a energia da pessoa também está saindo?

Resposta de Cherng:  Sim.  É por isso que o altar tem força.  Mas tem uma diferença.  Quando se faz  um altar, concentra-se lá a força.  Quando uma pessoa reverencia um altar, vai ali deixar sua força.  No entanto, essa energia é uma concentração.  É uma troca de energias porque se manda energia para o Tao e o Tao manda sua energia de volta.

Essa centralização de força no altar é feita com o sentimento de respeito, de reverência, de humildade.  São energias boas.

Portanto, o altar acaba se tornando um campo, um centro de força que vai magnetizar quem perto dele chegue.

Nos aproximamos do altar de força positiva e nos sentimos trocando energias.

Nos meus tempos de aprendiz, há sete anos atrás, conheci uma moça que estava bem mais adiantada.  Ela me ensinou a perceber o tipo de forças presentes em vários lugares.  Energia boa ou não.

Para se reconhecer um Mestre, basta se prestar atenção no altar.  Se o altar tiver muita força, o mestre tem muita força.  Se o altar causar enjôo, dor-de-cabeça ou mal-estar, certamente a energia daquele mestre não está equilibrada para você.  Sentindo uma força mais nítida, certamente é um sacerdote que trabalha com força de justiça, de exorcismo, de algo mais rígido.  Sentindo uma sensação mais leve, ficando-se emocionado, certamente é uma pessoa mais devocional, que trabalha com força mais emotiva.

Conhece-se então a pessoa a partir da força de seu altar.  O altar é o centro de vibração, a gente se aproxima do altar e o campo de vibração nos envolve.

Todos os altares recebem energia.  Quando lá vamos rezar, orar, acender um incenso, estamos externando nossa energia em direção ao altar.

Parece um fundo, um clube de investimentos.  Chega uma hora que concentrou tanta força, que todas as vezes que nos aproximamos nos sentimos re-equilibrados, re-energizados.

Essa é a função do altar.

As doutrinas místicas podem ser compreendidas de duas maneiras:

Através da via racional, assistindo aulas, palestras, lendo teorias e filosofias que são vistas se estão de acordo conosco ou não.

O outro caminho é a via intuitiva, sentindo a energia do ritual.  Como entender o ritual em chinês?  Levariam-se anos para traduzir tudo.

Enquanto isso, usa-se a intuição.  Sentir a energia que lá está, se a energia combina com você ou não.  Se você se sente bem ou não.

Se não nos sentirmos bem com a energia, uma coisa é certa, aquele não é o seu caminho.  Não é essa a sua família invisível.  Sensação natural é a de se sentir bem, como se estivesse voltando para casa.  Na nossa casa não sentimos estranheza, a energia flui.

Se não julgamos pelo racional, usamos a intuição.

O Taoísmo é um Caminho.  Não julgamos que o Taoísmo seja o único Caminho.  Existem outros caminhos.  Para cada momento individual, para cada temperamento, para cada natureza, existe um caminho.  Se não é o Taoísmo, é o Budismo.  Se não é o Budismo, é o Islamismo, ou Cristianismo - algum caminho se encontra.

Esse encontro ideal é a soma de duas coisas:  do racional e do intuitivo.

Existem pessoas com dificuldades para usar a intuição.  Outras com dificuldades para usar a razão.  Cada um tem suas dificuldades e suas facilidades.

Para o Taoísmo, pode a pessoa usar sua intuição ou sua razão.  Qualquer maneira é válida na busca do Caminho.  Quando se tiver material para estudar, estudar.  Quando não, se intui.  Então, o Caminho pode ser descoberto.

Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido

Lao Tse nos fala da disputa do homem com a natureza.  A não-integração do homem com a natureza.  Lao Tse diz que o homem tem que se integrar com os outros homens, e se integrar com todos os seres, e se integrar com a grande natureza.  E purificar-se com o próprio universo.  Não entrar em choque com a natureza.  Somos muito pequenos para brigar e lutar contra a grande natureza.

Chuang Tzu tem um conto onde diz que havia um gafanhoto pequenino e valente que lutava com os outros gafanhotos e caçava todos os insetos que porventura passassem em sua frente.  Ele se considerava onipotente e poderoso.  

Um dia, ele estava na beira da estrada e viu passar a carroça com as rodas de madeira...

- Quem são essas rodas que passam por aqui deixando marcas no chão, que absurdo!

O outro gafanhoto disse:

- Deixa prá lá, não vai lá, as rodas são muito fortes.

- Não, não, eu sou todo-poderoso!  Eu vou enfrentá-las!

E assim, acabou a história...

O homem tem essa mesma característica do gafanhoto valente.  Ele quer o tempo todo lutar contra a verdadeira natureza.  O homem pretende vencer a natureza, vencer outros seres, vencer o céu, vencer a terra.  Até pouco tempo atrás, a frase “o homem vencendo a natureza” era proclamada.  Hoje, com a compreensão ecológica mais clara, podemos ver que besteira essa frase representa!

O homem não sabe adaptar e integrar a natureza.

A caça é o típico exemplo de luta entre o homem e a natureza.  Mais ainda, levando para uma perversão maior ainda que gera uma euforia.  Quando o homem está caçando, fica eufórico.  Quando o homem está num processo de matança, entra em euforia.  Parece que o cheiro de sangue o provoca.

Os soldados na batalha são tomados por uma euforia de matança, são tomados por uma força que não tem controle.

Por isso, Lao Tse diz: 

Carreiras de caça no campo tornam o coração do homem enlouquecido

O homem perde a consciência, perde a serenidade, perde a paz interior e torna-se eufórico.

Em nível mais sutil, a caça pode simbolizar uma espécie de disputa, desafio ou vencimento.

Na verdade, a caça não precisa ser apenas de animais.  O homem, em seu trabalho, também age como se estivesse caçando.  Caças, disputas, perseguições acontecem no campo profissional, no campo social, no campo afetivo, no campo do relacionamento humano.  Tudo isso torna as pessoas eufóricas, torna o coração dos homens enlouquecidos.  Torna as pessoas desequilibradas.

O próprio desequilíbrio torna o ser humano perverso.  A palavra perversão em chinês significa desequilíbrio.  Algo que é ou excessivamente Yang ou excessivamente Yin.  Quando uma pessoa não consegue viver no equilíbrio, entra num processo de perversão.  Por isso, na medicina chinesa, uma energia excessivamente quente ou fria ou úmida é chamada de energia perversa.

Uma pessoa excessivamente apaixonada, por exemplo, está sofrendo uma perversão da paixão.

A  palavra perversão costuma assustar as pessoas.  Não deveria.  Todo o desequilíbrio é perverso.  Se temos uma mania que não conseguimos nos livrar dela, então temos uma energia perversa dentro de nós.  E a maneira de trabalhar isso é procurando o equilíbrio.  As coisas que estão em equilíbrio não são perversas.

Os bens de difícil aquisição tornam a caminhada do homem prejudicada

Chuang Tzu diz:  “Não busque o valor nas coisas que não têm valor”.

O diamante é valioso.  No entanto, é uma pedra, apenas uma pedra.  É um conceito artificial criado em cima de uma coisa natural.

Quando se cria um valor em cima de alguma coisa, passa-se a ser  obcecado por esse mesmo valor, por essa coisa.  Cria-se um valor para então se tornar escravo dele.  Algo valioso para ser guardado exige sacrifício, tanto para tê-lo quanto para mantê-lo.  Isso torna o Caminho do homem prejudicado porque ele não caminha com naturalidade, nem com suavidade, nem com facilidade.

O homem pensa que precisa ter prestígio social e por isso precisa ter recursos, ser famoso e poderoso.

Quando o homem precisa ter aquilo que não tem, ele se sacrifica para ter.  ele tem que trabalhar em excesso para ganhar dinheiro.  Ou talvez tenha que roubar, fazer truques, mentir.

O homem paga com sua vida aquilo que ele pensa ser valioso.  Quando  conquista tudo, perde o objetivo da vida e pensa na morte.

É isso o que Lao Tse chama de ‘caminho prejudicado’.

Em resumo, nestas 5 primeiras frases Ele diz para que tentemos nos interiorizar, para que procuremos não sermos seduzidos pelas formas externas, para não nos desgastarmos, não alterarmos a consciência através da euforia, e para não procurarmos pelos falsos valores.

Para não vermos/ nos defrontarmos com a nossa realidade, ficamos projetando mil coisas para fóra, para nos distrair.  Tudo isso é exteriorização da consciência.  Podem ser cores, sons, sabores, prazeres, valores, criamos coisas e corremos atrás delas.

Por que o Taoísmo acha que a meditação é fundamental?

Pelo menos quinze minutos por dia, a gente deve se sentar, em silêncio, no silêncio e esquecermo-nos de tudo e voltarmo-nos para nós mesmos, dedicando-nos a nós mesmos.  Não pensar em ninguém, nem no trabalho, nem na buzina.  Prestar atenção só em nós mesmos, no nosso corpo e depois, na respiração.

Esse processo de interiorização é fundamental para nos colocarmos diante de nós mesmos e não nos distraindo com outras coisas.

Por isso, nós dizemos que a meditação do silêncio é a base de toda a prática espiritual Taoísta.  Esse é o meio de nos colocarmos diante de nós mesmos, sem julgamentos, sem pensamentos, sem querer nada, sem querer de querer nada.  Ficamos quietinhos, restabelecendo a consciência transparente, nos reestruturando, trazendo a paz interior e a tranqüilidade.

No final, Ele diz:

Por isso,
O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho
Assim,
Afasta aqueles e escolhe este

O ventre refere-se ao interior.  Os olhos, ao exterior.

Olha-se para algo que está lá fora.  No ventre, os filhos são gerados.

Uma vez, se perguntou qual era a diferença entre a arte do crítico e a arte do artista?

A arte do crítico é a arte de criticar.  A arte do artista é a arte do fazer.  O crítico olha e o artista faz.  Por isso, Lao Tse diz: 

O Homem Sagrado se realiza pelo ventre e não pelo olho

O Homem Sagrado produz.  Ele se volta para dentro.  Ele cria Arte.... ao invés de olhar a Arte para se distrair.

Quem apenas olha, não faz.

Na fase inicial da busca espiritual, faz-se de tudo.  Mas, a partir do momento em que se percebe uma profunda afinidade com uma determinada linguagem espiritual, a busca cessa e o homem volta-se para dentro.  Não se pode distrair demais.  Não se pode saber de tudo.

O Taoísta não deve ter orgulho.  Porém, nosso maior orgulho é o de pertencer à Escola dos realizadores e não à escola dos teóricos.

Essa foi a aula de hoje.  Voltem para casa e meditem.

...............

FOTO: Janine Milward, Sítio das Estrelas

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 12
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil, 
Rio de Janeiro, em agosto/setembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng, 
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se 
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching

o bambu que se curva...

mesmo um relógio parado, consegue estar certo duas vezes por dia.

Não existe nada de completamente errado no mundo, mesmo um relógio parado, consegue estar certo duas vezes por dia.

Paulo Coelho

Foto: Não existe nada de completamente errado no mundo, mesmo um relógio parado, consegue estar certo duas vezes por dia.

Paulo Coelho

Eu sou um pobre porém feliz homem em seu Caminho

Eu sou um pobre porém feliz homem em seu Caminho
e todas minhas necessidades são satisfeitas quando necessário..............
I'm poor but happy a man of the Way
all my needs are satisfied by chance
last night the west wind downed an old tree
at daybreak firewood covered the ground
gauze silk clouds adorned red scarps
dew drop pearls bejeweled green cliffs
what's present has always decided my living
why should I burden myself with plans

- Stonehouse

[from 'The Zen Works of Stonehouse' translated by Red Pine]

Foto: I'm poor but happy a man of the Way 
all my needs are satisfied by chance
last night the west wind downed an old tree
at daybreak firewood covered the ground
gauze silk clouds adorned red scarps
dew drop pearls bejeweled green cliffs
what's present has always decided my living
why should I burden myself with plans

- Stonehouse 

[from 'The Zen Works of Stonehouse' translated by Red Pine]

O Mestre é como um grande rio que caminha para o mar, o Tao da Criação

O Mestre e seus Discípulos

Janine Milward

O Mestre é como um grande rio que caminha para o mar, o Tao da Criação, carregando consigo seus discípulos, os outros pequenos rios (os Caminhantes mestres), os riachos (os Caminhantes pequenos mestres), os regatos (os Caminhantes iniciados), os olhos d’água (os Caminhantes iniciantes)...

O Caminho da Espiritualidade começa assim como um pequeno olho d’água que surge naturalmente – assim como o Tao – em qualquer lugar, no vale ou na montanha. Esse pequeno olho d’água vai avolumando seu líquido transparente, cristalino, formando quase como um pequeno lago, escondido pelas plantinhas e pelo capim molhado. Então, porque o volume de águas ainda crianças cresce, passa a escorrer, andar, correr alegremente, buscando sempre as brechas mais profundas entre a terra agradecida por sua passagem, por seu desfilar carregando vida.

Correndo, correndo, sempre buscando por lugares mais baixos, essas crianças-águas vão se empurrando, enrolando, marolando, montanha abaixo, saciando nos morros verdes a sede do gado que pasta, buscando os vales, enveredando pelas matas, encantando pedras e criando peixes.

Ao longo de seu caminho, o regato vai encontrando seus outros amigos, outras águas já adolescendo, crescendo, avolumando, espelhando em seus pingos as nuvens corredeiras dos céus que lhes cobrem por todos os lugares por onde vão passando, desfilando, já cantantes e cada vez mais alegres e agradecidas pela vida que vão esparramando em suas margens, criando margens... é agora um riacho.

Chega o momento em que essas águas-adolescentes tornam-se maduras, crescidas e recebem sua maioridade através o nome de rio.

O rio é sempre o encantamento de todos os seres, é a certeza da continuidade da vida, é a compreensão mais clara e límpida e transparente do ciclo da própria vida: águas que descem dos céus expulsas pelas chuvas, que criam olhos d’água, que formam lagos que derramam e correm pelas terras encontrando-se com suas outra águas amigas e vão se tornando um rio, vida de rio que cria a vida.

O rio continua seu caminho em seu desfilar mais garboso, mais sério, mais amadurecido. Vai também encontrando seus amigos-rios de águas alforriadas que se juntam; cada vez mais avolumando, encorpando, crescendo, amealhando vida para mais e mais vida fazer acontecer.

Finalmente, o volumoso rio encontra seu rio-mestre chamado de mar, aquele que sempre o atraiu, desde que nasceu como vida manifestada em pequeno olho d’água, esquecido em algum lugar, quase oculto, porém sempre vivo.

O mar, o mestre das águas, chama para si todos os rios que já chamaram para si todas as outras águas que lhes eram vizinhas.... Ali, sob e sobre o mestre das águas - o mar, - os rios descansam, se misturam, se despersonalizam, perdem seus nomes, perdem a cor de suas águas, perdem seu volume, perdem suas ondinhas corredeiras que outrora correram cantantes por todas as pedras, superando todos os obstáculos – vida que sempre traz vida.

Na imensidão do conjunto de todas as águas - o mar - tudo se torna sempre da cor do céu, ora azul, ora plúmbeo, ora cor de nada nem de ninguém, cor de dia, cor de noite, cor do mar. O mar é o espelho do céu.

No mar, os rios encontram outros seres, outras vidas, continuam a ser vida que cria vida.

Até que um dia, aquela águinha ... que um dia foi rio, que um dia foi riacho, que um dia foi regato, que um dia foi um olho d’água.... sobe para o céu, assim como se fosse uma sutil fumaça, para tornar-se a fumaça das nuvens sutis que haverão de correr pelos céus, brincando sempre com a terra, prometendo um dia voltar, em um pingo de chuva, lágrima do céu, vida que sempre renova a vida.
.........................................

O Caminho da Espiritualidade começa assim como um pequeno olho d’água que surge naturalmente – assim como o Tao – em qualquer lugar, no vale ou na montanha.

Ao formar um pequeno lago, o Caminhante passa a ter a consciência sobre si mesmo, em sua Missão de Encarnação na Terra – porque agora já pode espelhar o céu!

O pequeno lago sempre vai encontrar uma brecha por onde suas águas sempre crescentes vão começar a realizar seu Caminho.

Quando o regato encontra seus amigos – sua família espiritual, sua Linhagem, a Guruampara – torna-se um riacho.

Sempre correndo através os campos, o riacho vai cada vez mais encontrando-se com sua família espiritual, seus amigos, tornando-se mais e mais encorpado até que é alforriado, já plenamente amadurecido em suas águas, como rio.

O Mestre é como um grande e volumoso rio que corre recolhendo todas as águas vicinais que se lhe aproximam, que buscam por essa absoluta fusão.

O grande rio, no entanto, o Mestre, também continua percorrendo seu próprio Caminho carregando consigo todos os seus discípulos – olhos d’água, regatos, riachos, outros pequenos rios.....

Entre esses outros pequenos rios e mesmo entre os riachos e simples regatos e até mesmo entre os olhos d’água também existem mestres caminhando seus Caminhos da Espiritualidade. Podemos então chamá-los de pequenos mestres ou mestres. No entanto, Mestre é o grande e volumoso rio, prestes a desembocar na imensidão do mar e lá se fusionar plenamente...

O Mestre é aquele que demonstra em si mesmo o ciclo da vida através da vida que nos é dada e sempre devolvida através das águas. Fundamentalmente, o Mestre nos mostra que durante sua vida, ele atrai para si todas as outras águas dispersas no Caminho.... e ao final de sua vida, fusiona-se plenamente com o mar, com o Tao da Criação, com o Mestre da Criação, em total desapego de sua identidade individual, voltando a fazer parte do tudo, do todo e do nada do Vazio – ao retornar aos céus sem mesmo poder ser visto pelos outros seres, em forma de fumaça sem cor, sem forma, sem nada.

Apenas um Vazio. O Caminho é o Vazio. O Caminho é o Tao.

Com um abraço estrelado,
Janine Milward
Extraído do meu livro O CAMINHANTE CAMINHANDO SEU CAMINHOhttp://ocaminhantecaminhandoseucaminho.blogspot.com/

Quem conhece o Princípio ancestral, Encontrará a ordem do Caminho.

TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 14
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Capítulo 14

Aquilo que se olha e não se vê, se chama invisível
Aquilo que se escuta e não se ouve, se chama inaudível
Aquilo que se abraça e não se possui, se chama impalpável
Estes três não podem ser revelados
Por isso se fundem e se tornam um

Quando superior não é luminoso
Quando inferior não é vago

O Constante que não pode ser nomeado
É o retorno à não-existência
É a expressão da não-expressão
É a imagem da não-existência
A isso se chama indeterminado

Encarando-o, não vejo sua face
Seguindo-o, não vejo suas costas

Quem mantém o Caminho Ancestral,
Poderá governar a existência presente
Quem conhece o Princípio ancestral,
Encontrará a ordem do Caminho.

Nota da Transcritora: Este Capítulo foi interpretado em duas aulas.

No primeiro trecho, aparentemente, Lao Tse está no falando sobre o óbvio: aquilo que não se Vê se chama invisível, aquilo que não se ouve se chama inaudível, o que não se possui se chama impalpável.

Se ele dissesse o contrário, que o que não se Vê se chama visível, aí então estaria em contradição. No entanto, para que o invisível, o inaudível e o impalpável possam ser visível, audível e palpável, têm que ser o que se olha, o que se escuta e o que se abraça. Ao mesmo tempo que não se vê, que não se ouve e que não se possui.

Nessas três frases Ele fala da importância de se encontrar algo que está além dos sentidos.

Ele diz que
- olhar é diferente de ver
- escutar é diferente de ouvir
- abraçar é diferente de possuir

A terceira frase que diz: “Aquilo que se abraça e não se possui, se chama impalpável” é bem mais fácil de entender porque no Capítulo anterior, Lao Tse diz que o Homem Sagrado abraça o mundo mas não possui o mundo.

O abraço que não possui não é o abraçar a forma. E não é uma forma de abraço. Qualquer coisa que tenha uma forma pode ser abraçada. É palpável. Quando se abraça sem possuir, não se pode abraçar através da forma. Nosso corpo é uma forma. Uma forma abraça outra forma. Para poder abraçar sem possuir não se pode abraçar através da forma.

Dessa maneira, Lao Tse está falando em ver, escutar e abraçar aquilo que não tem forma.

Em seguida, através da não-forma, pode-se abraçar o que se vê, o que se ouve, o que é palpável.

Em relação às coisas do mundo, devemos abraça-las através da não-intenção, do não-julgamento. Dessa maneira, podemos ver mas não olhar; abraçar mas não possuir; escutar mas não ouvir.

Aquilo que é invisível, inaudível e impalpável não pode ser visto através dos olhos, nem ouvido através dos ouvidos, nem apalpado com as mãos.

É preciso se ouvir através de um sentido mais profundo. Ver, não através dos olhos e sim com a consciência mais profunda. Abraçar, não com as mãos mas através de um sentido mais profundo.

Ao mesmo tempo que se fala de uma busca, de uma procura de algo que está além da linguagem. Tudo o que pode ser visto, ouvido, apalpado, são cosias que estão dentro da linguagem.

Ele fala de se buscar algo que está além da linguagem, além da forma. Além da limitação. Além do tempo e além do espaço. Esse algo que é infinito, indivisível, que não tem forma e não tem imagem nem linguagem, é o que chamamos de Tao. A pessoa que consegue encontrar esse algo, está se realizando no Tao.

Essa é exatamente a busca do Tao.

Por outro lado, Lao Tse nos diz que isso também não significa que iremos renunciar ao que está do lado de cá.,

Não podemos deixar de viver e encarar a vida, ou seja, a busca desse algo que está além do tempo e do espaço, não serve como pretexto para deixarmos de ser responsáveis, para deixarmos de trabalhar, de viver a vida, de fazer o que tem que ser feito.

Se pressupormos esse algo infinito que não tem forma nem imagem como algo fóra de nós, estaremos buscando algo f´ra de nós. E isso é uma espécie de fuga.

A infinitude se encontra dentro de nós.

E porque essa infinitude está dentro de nós é que a maneira de encontrá-la é vivê-la! Vivê-la é utilizá-la para viver a coisa certa. Ou seja, viver através do não-julgamento, da não-intenção, da não-linguagem, do coração esvaziado, transparente e quieto para encarar tudo aquilo que está em torno de nós, que nos envolve.

Isso é o que Ele quer significar quando diz “olhar e não ver, escutar e não ouvir, abraçar e não possuir”.

Sempre que queremos abraçar e possuir algo passamos a enfrentar nossas grandes frustrações.

Tudo o que existe no mundo que pode ser abraçado, não pode ser possuído. Seu carro um dia apodrecerá, seu amor um dia morrerá ou deixará você. Você pode ter uma ideologia e um dia pode mudar de opinião. Tudo o que existe no universo está em constante transformação e assim, não pode ser abraçado. A fotografia um dia amarela e se perde. A memória de algo que já não mais existe, um dia desaparece.

No Taoísmo, não se projeta uma meta para ser alcançada e depois se projeta outra meta. O tempo inteiro temos que ir integrando as coisas, caminhando junto, sem que haja a intenção de alterar o fluir das coisas.

Quando se faz as coisas com intenção, quando o projeto fica pronto, tem que se buscar outro. A intenção é um condicionamento que não nos permite fluir com naturalidade, que não nos permite nos integrar com o todo, sem barreiras. A intenção é fruto do ego. Na intenção, pensamos que as coisas são eternas e indissolúveis, no entanto, na é eterno ou indissolúvel.

Temos que reconhecer até que ponto é possível ou impossível; temos que reconhecer nossos apegos ou não-apegos. Quando não criamos nenhum truque para esconder nossas incapacidades, aí então teremos a oportunidade de transformá-las.

A intenção não é necessária, é apenas um fator que existe e que, ao ser trabalhado, um dia deixará de existir. A intenção inicial é para despertar a auto-destruição do ego.

Um governante taoísta deve usar a intenção de governar seu povo, administrar o país de acordo com as necessidades de seu povo, ele tem que abraçar o povo sem possuí-lo, sem dominá-lo. Tem que deixar o destino do povo fluir, sendo apenas um assistente e não um interventor.

Uma consciência em estado mais puro não tem desejo, não tem intenção, não tem julgamento. É uma consciência transparente.

O Homem Sagrado é aquele que realiza obras para as pessoas e essas pessoas nem realmente percebem que foram beneficiadas. O Homem Sagrado não tem necessidade de ser reconhecido. Faz o que tem que ser feito e quando chega a hora, se retirar e pronto. Acabou.

Chung Tzu, em um dos seus contos, fala de um encontro simulado entre três pessoas provenientes de três reinos. Essas pessoas falam cada um sobre seu país:

O primeiro diz: Meu governante é um tirano, explorador, escravizador.
O segundo diz: Meu rei é muito bom, organizador, as leis são claras, tudo está em seu lugar.
O terceiro diz: Não sei quem é meu rei. O povo vive, planta, colhe e tudo acontece. Nunca vimos o rei, nem ouvimos falar sobre ele, nem ao menos sabemos onde vive.

Essa é a utopia do Taoísmo. As coisas apenas são e não precisam aparecer nem serem reconhecidas. Apenas são.

Nosso corpo é um pequeno reino. Temos mil pedacinhos dentro de nós. E temos um governante que é nossa consciência, nossa mente. Nossa consciência faz com que nosso corpo, ou seja, nossa totalidade, possa fluir sem sentir o peso da consciência. e a consciência nunca deixa de fazer as cosias. Apenas que deve ser transparente, menos julgadora, mais quieta, ouvindo as necessidades de cada célula, de cada osso, de cada músculo. Não através de um processo racional mas através de um processo natural de correspondência que a tudo soluciona, fazendo com que o corpo todo fique em harmonia.

Isso é a primeira governança. A través desse conceito do Taoísmo, a pessoa dá seu primeiro passo na convivência com tudo. E usa esse mesmo princípio para administrar tudo aquilo que está em torno de sua vida, sua família, seu trabalho, todo o ciclo. Realizando a vida nesse princípio, a pessoa pode expandir e organizar sua convivência com o mundo inteiro.

A consciência é o núcleo de onde tudo gira em torno: nosso corpo, nosso sangue, nossa energia, tudo o que está vivo em nós. Nosso espírito, nossa consciência é um centro de gravidade, como se fosse um imã.

Igualmente, o homem, através de um processo de auto-realização, se torna um espírito puro que se amplia se tornando um espírito iluminado em nível individual, depois familiar e social, então da sociedade e um monte de pessoas girarão em torno desse espírito iluminado. Quanto maior o grau de iluminação, maior grau se torna o espírito para o mundo. Esse é o processo de Sagração do Homem.

Isso é o que chamamos de Tao.

O Tao é algo bonito, algo como a união da consciência e a vida, algo vital que possui em si uma consciência.

Para isso acontecer, em nossa prática de meditação, temos que colocar a consciência dentro do ar que respiramos.

Com o tempo, em nossa meditação, a respiração vai ficando mais lenta, mais lenta até que a respiração física fica praticamente parada. Ficamos todo o tempo observando a respiração e chaga uma hora em que não se tem mais respiração. Com o tempo, se sente uma força suave, bem suave e vamos nos integrando com esta força. Essa experiência é invisível, inaudível e impalpável, porém existente.

No Taoísmo, existe um conceito muito importante sobre o Caminho Esotérico. Essa definição diz que o Caminho Esotérico não significa astrologia, tarot, magia, etc. O Caminho Esotérico é uma experiência que somente a pessoa pode saborear. Onde a consciência rompe as barreiras daquilo que é visível, audível e palpável. É quando a consciência consegue romper as barreiras físicas do visual, do auditivo e do sensorial e consegue entrar no universo. E aí encontra uma força, que é a força primordial, uma força que é a raíz do universo. É quando se consegue mergulhar para dentro desse universo, dessa força, e fluir com esta força e se tornar a própria força.

Nesse momento, se alcança uma experiência que não pode ser descrita através das palavras ou das imagens ou da forma ou da linguagem.

Uma sensação, uma compreensão, uma consciência que só nós sabemos que lá chegamos. Isso é o Caminho Esotérico. Um caminho de segredos, um caminho interior. Interior no sentido de que não é visível aos outros.

Nos trechos posteriores, Lao Tse vai falar sobre isso. essa experiência é uma experiência única, ou seja, é uma experiência que não dividimos com ninguém. Não existem polaridades, estamos num estado onde tudo é um só. É como se tivéssemos diferentes cores de tinta, vermelho, azul, amarelo, verde, laranja... e, ao juntá-las todas, teremos uma mistura, sem nenhuma definição.

A nossa consciência, em sua viagem interior, chega a um ponto onde não existe a separação das coisas. É algo indivisível e inseparável como se fosse um caos - esse caos é exatamente a raiz do universo. É lá que nascem todas as forças e todos os verdadeiros e eternos poderes que geram os seres, os planetas, as galáxias e todos os espíritos.

Nessa hora se chegou à raiz do universo e nos tornamos a raiz do universo. A raiz do universo é o que chamamos de caos primordial.

Para se mergulhar no caos primordial, é preciso ter despojamento, tirar as amarras, as limitações e, inevitalmente, jogar o ego fóra.

Entramos profundamente e quando atingimos a raiz do universo, passamos a ser o centro de todas as coisas, e então podemos perceber que tudo aquilo que jogamos fóra, não foi perdido, simplesmente se tornou periferia em nossa vida e não mais o centro de nossa vida.

Portanto, o Homem Sagrado que alcança a plenitude da vida e da consciência, não se torna incapacitado nem perde a memória, pelo contrário, ele passa a ser a raiz que tem acesso a todas as atividades, trabalhos e acontecimentos. Ele passa a ter suas potencialidades aumentadas e não diminuídas.

Para se descobrir essa experiência não precisa se chegar até a raiz. Existem muitas dimensões com estágios da consciência de acordo com o nível em que estamos vivendo. De uma raiz nascem dois terminais que se expandem até o infinito, progressivamente. Nessas infinitas expansões, existe um centro.

Na prática mística, esse mergulho ao caos primordial é gradual, leva tempo; às vezes anos vidas e mais vidas para se realizar essa viagem. Cada vez se consegue ir mais profundamente.

Na prática mística, vemos que a consciência, em vez de se limitar, se amplia. Não precisa se atingir o último ponto - o caos primordial - para poder abraçar todas as coisas. Andando um milésimo, teremos um milésimo de resultado que é análogo ou similar a aquele de quem chegou até o centro, à raiz. Apenas que, quem atinge o centro, atinge uma plenitude absoluta. Quem alcança outros pontos, atinge uma plenitude mais limitada. No entanto, sempre haverá uma ampliação da consciência.

Por isso, a prática da meditação é essencial. É um instrumento para desenvolvermos nossa ascensão.

Por que se faz isso?

Porque numa condição comum, é muito difícil realizar a subida da consciência. nossos hábitos, costumes e problemas cotidianos nos viciam. Comportamentos de ira e de raiva fazem com que nossa consciência não transcenda.

Por isso devemos, diariamente, tirar uma hora do nosso cotidiano de vida, sem interferência de ninguém, para podermos desenvolver essa quietude interior para se tentar mergulhar no caos primordial.

Em seguida, Lao Tse diz:

Quando superior não é luminoso
Quando inferior não é vago

Uma consciência transparente não é ofuscante. Os mestres taoístas são humildes. Não irradiam luzes ofuscantes. Agem como pessoas normais.

Quem vive o Tao, vive com simplicidade.

Na verdade, nem todos os mestres taoístas chegaram ao Absoluto. São poucas as pessoas que atingem a vida e a consciência infinitas. Eles podem ser mestres porque já atingiram algumas escalas acima de nós, mais ainda não atingiram o centro.

O mestre taoísta vive como uma pessoa comum.

Mestre Maa, nosso mestre, durante sua vida teve vários problemas quando jovem por causa da primeira guerra mundial. Abandonou a família, viveu só entre os 20 e 35, 40 anos. Encontrou-se com seu mestre, entrou na floresta, se retirou, atingiu um nível bastante alto mas não chegou ao Absoluto. Mais tarde, ele sentiu a necessidade de ter mais segurança social no sentido de ter uma família, casou-se, trabalhou e teve filhos e viveu até se aposentar e depois continuar, paralelamente, ensinando.

No Taoísmo, a primeira coisa que se faz é cair na real. Tentar se conhecer. O que eu consigo, o que eu não consigo, quais são minhas necessidades de vida. tudo isso é muito lento. Não existem ‘receitas’ para se atingir a iluminação.

No processo de iluminação e no processo da consciência, não adianta criar falsas expectativas, criar mentiras para si mesmo.

(Aqui terminou a primeira fita do Capítulo 14 - aparentemente, a aula desse dia terminou aqui - Aula de 13 de setembro de 1994).

Aula de Continuidade ao Capítulo 14
Ministrada em 20 de setembro de 1994

Aquilo que se olha e não se vê, se chama invisível. Aquilo que se escuta e não se ouve, se chama inaudível. Aquilo que se abraça e não se possui, se chama impalpável. Esses três não podem ser revelados. Por isso, se fundem e se tornam um. Quando superior não é luminoso. Quando inferior, não é vago. O Constante que não pode ser nomeado é o retorno à não-existência. É a expressão da não-expressão. É a imagem da não-existência. A isso se chama indeterminado. Encarando-o, não vejo sua face. Seguindo-o, não vejo suas costas. Quem mantém o Caminho Ancestral, poderá governar a existência presente. Quem conhece o Princípio Ancestral, encontrará a Ordem do Caminho.

Na prática mística, esse trecho basicamente se refere ao “Caminho do Céu Anterior” - ao Tao do Céu Anterior.

O Céu Anterior difere do Céu Posterior porque este ultimo representa o universo manifestado e o primeiro, representa a condição prévia do Absoluto, aquilo que não tem forma, nem imagem, nem linguagem. Não tem som, não tem corpo, não pode ser apalpado, não pode ser escutado, não pode ser visto de forma alguma.

Existe um texto intitulado “Tratado da Transparência e da Quietude Permanente”, onde se diz:

“O Grande Caminho não tem forma, e é o criador do céu e da terra. O Grande Caminho não tem sentimento e movimenta o sol e a lua. o Grande Caminho não tem nome e cultiva os dez mil seres.”

O Céu Anterior não tem nome nem nada porém essa mesma natureza pode cultivar todas as imagens, criar todos os seres.

O Vaio que permite tudo existir é o Tao do Céu Anterior.

Todo o que existe é o Tao do Céu Posterior.

Se não houver o Vazio, o céu e a terra não poderiam ser criados. Também não seria permitido ao céu e à terra entrarem em constante movimento. Não seria permitido que o céu e a terra se reproduzissem, se alimentassem e gerassem suas reproduções, suas crias.

É nesse Vazio que todas as cosias são criadas, são movimentadas e são cultivadas e alimentadas.

Igualmente, se quisermos tornar nossa vida constante e tornar nossa consciência infinita e tornar nossas energias constantemente renovadas, precisamos possuir uma consciência do Vazio, a consciência do Céu Anterior.

Devemos possuir dentro de nós a quietude, o Vazio, o silêncio, para que todas as nossas expressões possam ser manifestadas e não serem interrompidas.

O Céu Anterior não pode ser visto, nem ouvido, nem apalpado. Mas pode ser sentido através de uma consciência além da consciência sensorial, além da consciência formal e racional.

Lao Tse fala fundamentalmente de uma experiência interior para sentir esse Tao, para encontrar esse Tao do Céu Anterior. Não é possível através das palavras, das formas, da linguagem. É preciso ir além da linguagem, além da forma, além do pensamento, para se poder sentir e perceber o que isso é. No entanto, quem percebe o Tao não vai conseguir descrevê-lO.

Na prática da meditação, a gente utiliza a não-visão, a não-audição, e o não-toque e o não-possuir. Para trazer a luz da nossa visão para o interior. Para trazer a audição para o interior, abandonando o apego físico. Fazendo com que a consciência vá além do corpo físico.

Dessa maneira, nós deixamos a respiração fluir naturalmente, colocando a consciência dentro dessa energia que flui e, em seguida, entramos num estado de uma espécie de caos.

Dentro desse caos, surgirá uma força que não conhecíamos antes. E essa força que surge é o que chamamos de “Matéria Prima”, que é uma energia, ou força primordial, que surge dentro de nós. Quando essa força surge, precisamos agarrá-la, recolhê-la e trazê-la para nós. Colocamo-nos dentro dessa força nova, fazendo uma força nova surgir dentro de nós.

O Tao do Céu Anterior não tem forma, portanto não pode ser alcançado através da forma.

Ele está além da linguagem, não podemos chegar a ele através da linguagem.

Na prática espiritual do Taoísmo, se rompe a barreira do racional, a barreira do sensorial, a barreira de tudo aquilo que costumamos viver, que estamos acostumados a sentir. Entramos num estado que não conseguimos descrever. Esse estado é o Caos Primordial - onde não há diferenciação, onde não há separação da consciência e da energia.

Nesse estado, encontramos essa força pura que é ao mesmo tempo, uma consciência e uma vitalidade.

Usando a linguagem da alquimia, é preciso então “recolher! A matéria prima para torná-la parte de nós. Nós vamos naturalmente nos integrando com ela, fazendo com que essa força desconhecida torne-se nós mesmos, fazendo com que nós nos tornemos essa força até aqui anteriormente desconhecida.

A partir daí, alcança-se a experiência do Céu Anterior.

Por isso, Ele diz “se fundem e se tornam um”.

Nós vamos nos fundindo com algo que é impalpável, inaudível e invisível. Mesmo sendo pessoas que têm visão, audição e sensação física, rompemos todas essas barreiras e encontramos o invisível, o inaudível e o impalpável. Nos fundimos com isso e nos tornamos um só.

Esse é o retorno ao Caos Primordial, fazendo com que o caminho interior e o caminho exterior se tornem um só, fazendo com que o caminho do inconsciente e o caminho do consciente se tornem um só. Fazendo com que o nosso manifestado e o nosso não-manifestado se tornem um só. Fazendo com que o Céu Anterior e o Céu Posterior se tornem um.

Nesse momento, chegamos a viver uma experiência mística que não pode ser descrita em palavras.

O estado do Um, que é uma fusão entre o praticante do Tao e o próprio Tao, como seria?

Lao Tse tenta interpretar este estado quando diz:

Quando superior não é luminoso
Quando inferior não é vago

Não é uma sensação de irradiação luminosa. Nem é uma sensação de um vazio, de um vácuo, da falta de alguma coisa. Trabalha-se com a fusão da consciência com o sopro. Essa é uma das características fundamentais da prática taoísta.

Quando chegamos a esse estado, atingimos uma quietude, um caos que não é propriamente uma espécie de tranqüilidade total, não é uma espécie de vácuo que se entra no vazio e não se sente mais nada. Não é isso. também não é a sensação de mil energias, iluminações radiantes.

Por isso, Ele diz: Quando superior não é luminoso / Quando inferior não é vago. Precisamos estar atentos para não cairmos nas polaridades.

O que seria esse estado do Caos?

O Constante que não pode ser nomeado
É o retorno à não-existência
É a expressão da não-expressão
É a imagem da não-existência
A isso se chama indeterminado

O Caos primordial não pode ser determinado. Por um lado é constante, tem uma constância, essse Caos é eterno. Mas não pode ser nomeado porque está além das palavras.

E como seria?

“É o retorno à não-existência” - Retorno além da forma e anterior às manifestações.

E a expressão dessa não-expressão é exatamente a imagem da não-existência. Imaginamos a imagem da existência. A imagem da pessoa. E a imagem da não-pessoa, como seria?

Lao Tse joga com os contrários.

Não dá para imaginar a imagem da não-imagem porque imagem da não-imagem está além das imagens - então não se pode imaginar.

É preciso ir além da imaginação e então se saberá.

O que o Taoísmo interpreta como Caminho Esotérico não é o instrumento técnico, o segredo, mas sim a experiência profunda que só pode ser saboreada pela pessoa e esse sabor não pode ser transcrito, revelado diretamente.

Tudo o que Lao Tse está dizendo, está rodeando o Tao, tentando fazer com que nós usemos nossa intuição e que não leiamos ao pé-da-letra. Ele está tentando nos dizer algo que não pode ser falado.

Em seguida, Ele diz:

Encarando-o, não vejo sua face
Seguindo-o, não vejo suas costas

Nós olhamos para uma pessoa, encarando-a no rosto. Se a olharmos por trás, veremos suas costas.

O Tao do Céu Anterior, ao ser encarado, nada se vê. Seguindo-o por trás, nada vemos.

Na antiguidade na China, costumava-se simbolizar os grandes mestre que alcançaram este estado com o Dragão. O dragão chinês é diferente do dragão ocidental, do dragão de São Jorge. O dragão chinês é uma mistura de vários animais simbólicos, chifres de veado, testa de cachorro, escamas de peixes grandes e douradas, etc. Segundo a lenda, quando o dragão aparece no céu, está sempre envolvido em nuvens, nunca conseguimos vê-lo por inteiro. É como uma força nebulosa.

Essa descrição é, na verdade, uma descrição simbólica que representa a experiência mística de inúmeras pessoas. Quando o dragão aparece, surge uma espécie de luzes douradas parecendo uma cobra nadando.

Na prática mística taoísta, um pouco mais avançada, existem fenômenos de entrada de força do dragão na pessoa. Essa força desde do céu como uma espécie de serpente de dragão, luzes douradas misturadas com outras cores, entrando e saindo do corpo da pessoa, rodeando-a por inteiro.

Parece que chove ouro, com pintinhos de chuva dourada. Esses dourados e prateados se alternam, girando. Essa é uma interpretação do simbolismo do dragão.

Os grandes mestres, na hora de sua ascensão, têm os grandes dragões que descem para carregá-los para o céu com corpo e tudo. Esses são grandes dragões e não aquelas outras serpentes de luzes que envolvem o corpo da pessoa. São dragões gigantescos, com raios e trovoadas.

O Mestre Celestial - que é o fundados da rodem Ortodoxa Unitária - teve uma ascensão assim.

Quem mantém o Caminho Ancestral,
Poderá governar a existência presente
Quem conhece o Princípio ancestral,
Encontrará a ordem do Caminho.

O que é o Caminho Ancestral e o que é a Ordem do Tao?

Caminho Ancestral é o Caminho do Princípio. No I Ching, existem quatro palavras que representam as quatro virtudes;

O princípio
A abertura
A fluidez
A retidão

Uma pessoa que encontra o princípio, tem abertura. Tendo abertura na vida, encontra a fluidez. Na fluidez, é preciso ter retidão para se poder constantemente manter o princípio, abrir novos caminhos, fluir com retidão para novamente encontrar o princípio. Assim se manifesta a infinitude.

Por isso, Ele diz:

Quem mantém o Caminho Ancestral,
Poderá governar a existência presente

Na verdade, o presente está em todos os momentos do passado, do presente e do futuro. Normalmente, nós não vivemos o presente. Sempre estamos vivendo em função de alguma coisa passada ou em função de alguma coisa futura.

Estamos sempre sendo pressionados pelos Karmas, vivendo uma condição atual gerada por nossos atos anteriores, vivendo em função de um passado.

O Homem Sagrado não vive em função do passado nem em função do futuro. Ele vive o presente.

Para se poder viver o presente, é preciso superar a limitação do karma. É preciso ter então, dentro de si, o Caminho Ancestral. Assim sendo, se flui naturalmente no Universo com retidão.

Mestre Maa sempre nos diz: “ Quem está seguindo o Caminho do Tao, quem flui de acordo com o Tao, suas atitudes são naturalmente atitudes de Retidão.!

Não precisamos necessariamente cumprir códigos morais para nos tornar pessoas com moral. Uma pessoa que segue o Tao, naturalmente, seu caminho será o caminho da Retidão. Quem está de acordo com o Tao, é impossível que tenha atitudes fóra do Tao.

O correto para o Taoísmo é o resultado de uma vivência interior e não um condicionamento de um preceito ou de uma série de preceitos.

Pode até ser que uma pessoa antes de seguir o Tao, não tenha suas atitudes assim tão “corretas”. Mas, ao fluir com o Tao, naturalmente, terá atitudes corretas. Sem que este “correto” seja um condicionamento ou seja uma prisão. O correto, para nós, representa o caminho da consciência. na consciência, caminha-se corretamente. Caminha-se corretamente através da consciência.

Quem conhece o Princípio ancestral,
Encontrará a ordem do Caminho.

O que é a Ordem do Caminho, a Ordem do Tao? É uma ordem que não tem princípio nem fim.

Todas as ordens, todas as organizações, todas as leis, têm um princípio e um fim.

A Ordem do Tao, como Lei do Universo, é a Lei da Infinitude, ou seja, uma ordem que não tem princípio nem terá um fim.

Quem vive e conhece o Princípio Ancestral, encontra a Ordem da Infinitude.

Isso foi o Capítulo 14.

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FOTO: Lírio-do-Brejo - by Janine Milward

O Capítulo 14 foi ministrado em duas Aulas por Wu Jyh Cherng
Na Sociedade Taoísta do Brasil, Rio de Janeiro, em 13 e em 19 de setembro de 1995
Aulas transcritas e sintetizadas por Janine Milward

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 14
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 13 e 19 de setembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching


O Capítulo 14 foi ministrado em duas Aulas por Wu Jyh Cherng
Na Sociedade Taoísta do Brasil, Rio de Janeiro, em 13 e em 19 de setembro de 1995
Aulas transcritas e sintetizadas por Janine Milward

Foto: TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 14
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Capítulo 14

Aquilo que se olha e não se vê, se chama invisível
Aquilo que se escuta e não se ouve, se chama inaudível
Aquilo que se abraça e não se possui, se chama impalpável
Estes três não podem ser revelados
Por isso se fundem e  se tornam um

Quando superior não é luminoso
Quando inferior não é vago

O Constante que não pode ser nomeado
É o retorno à não-existência
É a expressão da não-expressão
É a imagem da não-existência
A isso se chama indeterminado

Encarando-o, não vejo sua face
Seguindo-o, não vejo suas costas

Quem mantém o Caminho Ancestral,
Poderá governar a existência presente
Quem conhece o Princípio ancestral,
Encontrará a ordem do Caminho.

Nota da Transcritora:  Este Capítulo foi interpretado em duas aulas.

No primeiro trecho, aparentemente, Lao Tse está no falando sobre o óbvio: aquilo que não se Vê se chama invisível, aquilo que não se ouve se chama inaudível, o que não se possui se chama impalpável.

Se ele dissesse o contrário, que o que não se Vê se chama visível, aí então estaria em contradição.  No entanto, para que o invisível, o inaudível e o impalpável possam ser visível, audível e palpável, têm que ser o que se olha, o que se escuta e o que se abraça.  Ao mesmo tempo que não se vê, que não se ouve e que não se possui.

Nessas três frases Ele fala da importância de se encontrar algo que está além dos sentidos.

Ele diz que
- olhar é diferente de ver
- escutar é diferente de ouvir
- abraçar é diferente de possuir

A terceira frase que diz: “Aquilo que se abraça e não se possui, se chama impalpável” é bem mais fácil de entender porque no Capítulo anterior, Lao Tse diz que o Homem Sagrado abraça o mundo mas não possui o mundo.

O abraço que não possui não é o abraçar a forma.  E não é uma forma de abraço.  Qualquer coisa que tenha uma forma pode ser abraçada.  É palpável.  Quando se abraça sem possuir, não se pode abraçar através da forma.  Nosso corpo é uma forma.  Uma forma abraça outra forma.  Para poder abraçar sem possuir não se pode abraçar através da forma.

Dessa maneira, Lao Tse está falando em ver, escutar e abraçar aquilo que não tem forma.

Em seguida, através da não-forma, pode-se abraçar o que se vê, o que se ouve, o que é palpável.

Em relação às coisas do mundo, devemos abraça-las através da não-intenção, do não-julgamento.  Dessa maneira, podemos ver mas não olhar; abraçar mas não possuir; escutar mas não ouvir.

Aquilo que é invisível, inaudível e impalpável não pode ser visto através dos olhos, nem ouvido através dos ouvidos, nem apalpado com as mãos.

É preciso se ouvir através de um sentido mais profundo.  Ver, não através dos olhos e sim com a consciência mais profunda.  Abraçar, não com as mãos mas através de um sentido mais profundo.

Ao mesmo tempo que se fala de uma busca, de uma procura de algo que está além da linguagem.  Tudo o que pode ser visto, ouvido, apalpado, são cosias que estão dentro da linguagem.

Ele fala de se buscar algo que está além da linguagem, além da forma.  Além da limitação.  Além do tempo e além do espaço.  Esse algo que é infinito, indivisível, que não tem forma e não tem imagem nem linguagem, é o que chamamos de Tao.  A pessoa que consegue encontrar esse algo, está se realizando no Tao.

Essa é exatamente a busca do Tao.

Por outro lado, Lao Tse nos diz que isso também não significa que iremos renunciar ao que está do lado de cá.,

Não podemos deixar de viver e encarar a vida, ou seja, a busca desse algo que está além do tempo e do espaço, não serve como pretexto para deixarmos de ser responsáveis, para deixarmos de trabalhar, de viver a vida, de fazer o que tem que ser feito.

Se pressupormos esse algo infinito que não tem forma nem imagem como algo fóra de nós, estaremos buscando algo f´ra de nós.  E isso é uma espécie de fuga.

A infinitude se encontra dentro de nós.

E porque essa infinitude está dentro de nós é que a maneira de encontrá-la é vivê-la!  Vivê-la é utilizá-la para viver a coisa certa.  Ou seja, viver através do não-julgamento, da não-intenção, da não-linguagem, do coração esvaziado, transparente e quieto para encarar tudo aquilo que está em torno de nós, que nos envolve.

Isso é o que Ele quer significar quando diz “olhar e não ver, escutar e não ouvir, abraçar e não possuir”.

Sempre que queremos abraçar e possuir algo passamos a enfrentar nossas grandes frustrações.

Tudo o que existe no mundo que pode ser abraçado, não pode ser possuído.  Seu carro um dia apodrecerá, seu amor um dia morrerá ou deixará você.  Você pode ter uma ideologia e um dia pode mudar de opinião.  Tudo o que existe no universo está em constante transformação e assim, não pode ser abraçado.  A fotografia um dia amarela e se perde.  A memória de algo que já não mais existe, um dia desaparece.

No Taoísmo, não se projeta uma meta para ser alcançada e depois se projeta outra meta.  O tempo inteiro temos que ir integrando as coisas, caminhando junto, sem que haja a intenção de alterar o fluir das coisas.

Quando se faz as coisas com intenção, quando o projeto fica pronto, tem que se buscar outro.  A intenção é um condicionamento que não nos permite fluir com naturalidade, que não nos permite nos integrar com o todo, sem barreiras.  A intenção é fruto do ego.  Na intenção, pensamos que as coisas são eternas e indissolúveis, no entanto, na é eterno ou indissolúvel.

Temos que reconhecer até que ponto é  possível ou impossível; temos que reconhecer nossos apegos ou não-apegos.  Quando não criamos nenhum truque para esconder nossas incapacidades, aí então teremos a oportunidade de transformá-las.

A intenção não é necessária, é apenas um fator que existe e que, ao ser trabalhado, um dia deixará de existir.  A intenção inicial é para despertar a auto-destruição do ego.

Um governante taoísta deve usar a intenção de governar seu povo, administrar o país de acordo com as necessidades de seu povo, ele tem que abraçar o povo sem possuí-lo, sem dominá-lo.  Tem que deixar o destino do povo fluir, sendo apenas um assistente e não um interventor.

Uma consciência em estado mais puro não tem desejo, não tem intenção, não tem julgamento.  É uma consciência transparente.

O Homem Sagrado é aquele que realiza obras para as pessoas e essas pessoas nem realmente percebem que foram beneficiadas.  O Homem Sagrado não tem necessidade de ser reconhecido.  Faz o que tem que ser feito e quando chega a hora, se retirar e pronto.  Acabou.

Chung Tzu, em um dos seus contos, fala de um encontro simulado entre três pessoas provenientes de três reinos.  Essas pessoas falam cada um sobre seu país:

O primeiro diz:  Meu governante é um tirano, explorador, escravizador.
O segundo diz:  Meu rei é muito bom, organizador, as leis são claras, tudo está em seu lugar.
O terceiro diz:  Não sei quem é meu rei.  O povo vive, planta, colhe e tudo acontece.  Nunca vimos o rei, nem ouvimos falar sobre ele, nem ao menos sabemos onde vive.

Essa é a utopia do Taoísmo.  As coisas apenas são e não precisam aparecer nem serem reconhecidas.  Apenas são.

Nosso corpo é um pequeno reino. Temos mil pedacinhos dentro de nós.  E temos um  governante que é nossa consciência, nossa mente.  Nossa consciência faz com que nosso corpo, ou seja, nossa totalidade, possa fluir sem sentir o peso da consciência.  e a consciência nunca deixa de fazer as cosias.  Apenas que deve ser transparente, menos julgadora, mais quieta, ouvindo as necessidades de cada célula, de cada osso, de cada músculo.  Não através de um processo racional mas através de um processo natural de correspondência que a tudo  soluciona, fazendo com que o corpo todo fique em harmonia.

Isso é a primeira   governança.  A través desse conceito do Taoísmo, a pessoa dá seu primeiro passo na convivência com tudo.  E usa esse mesmo princípio para administrar tudo aquilo que está em torno de sua vida, sua família, seu trabalho, todo o ciclo.  Realizando a vida nesse princípio, a pessoa pode expandir e organizar sua convivência com o mundo inteiro.

A consciência é o núcleo de onde tudo gira em torno: nosso corpo, nosso sangue, nossa energia, tudo o que está vivo em nós.  Nosso espírito, nossa consciência é um centro de gravidade, como se fosse um imã.

Igualmente, o homem, através de um processo de auto-realização, se torna um espírito puro que se amplia se tornando um espírito iluminado em nível individual, depois familiar e social, então da sociedade e um monte de pessoas girarão em torno desse espírito iluminado.  Quanto maior o grau de iluminação, maior grau se torna o espírito para o mundo.  Esse é o processo de Sagração do Homem.

Isso é o que chamamos de Tao.

O Tao é algo bonito, algo como a união da consciência e a vida, algo vital que possui em si uma consciência.

Para isso acontecer, em nossa prática de meditação, temos que colocar a consciência dentro do ar que respiramos.

Com o tempo, em nossa meditação, a respiração vai ficando mais lenta, mais lenta até que a respiração física fica praticamente parada.  Ficamos todo o tempo observando a respiração e chaga uma hora em que não se tem mais respiração.  Com o tempo, se sente uma força suave, bem suave e vamos nos integrando com esta força.  Essa experiência é invisível, inaudível e impalpável, porém existente.

No Taoísmo, existe um conceito muito importante sobre o Caminho Esotérico.  Essa definição diz que o Caminho Esotérico não significa astrologia, tarot, magia, etc.  O Caminho Esotérico é uma experiência que somente a pessoa pode saborear.  Onde a consciência rompe as barreiras daquilo que é visível, audível e palpável.  É quando a consciência consegue romper as barreiras físicas do visual, do auditivo e do sensorial e consegue entrar no universo.  E aí encontra uma força, que é a força primordial, uma força que é a raíz do universo.  É quando se consegue mergulhar para dentro desse universo, dessa força, e fluir com esta força e se tornar a própria força.

Nesse momento, se alcança uma experiência que não pode ser descrita através das palavras ou das imagens ou da forma ou da linguagem.

Uma sensação, uma compreensão, uma consciência que só nós sabemos que lá chegamos.  Isso é o Caminho Esotérico.  Um caminho de segredos, um caminho interior.  Interior no sentido de que não é visível aos outros.

Nos trechos posteriores, Lao Tse vai falar sobre isso.  essa experiência é uma experiência única, ou seja, é uma experiência que não dividimos com ninguém.  Não existem polaridades, estamos num estado onde tudo é um só.  É como se tivéssemos diferentes cores de tinta, vermelho, azul, amarelo, verde, laranja... e, ao juntá-las todas, teremos uma mistura, sem nenhuma definição.

A nossa consciência, em sua viagem interior, chega a um ponto onde não existe a separação das coisas.  É algo indivisível e inseparável como se fosse um caos - esse caos é exatamente a raiz do universo.  É lá que nascem todas as forças e todos os verdadeiros e eternos poderes que geram os seres, os planetas, as galáxias e todos os espíritos.

Nessa hora se chegou à raiz do universo e nos tornamos a raiz do universo.  A raiz do universo é o que chamamos de caos primordial.

Para se mergulhar no caos primordial, é preciso ter despojamento, tirar as amarras, as limitações e, inevitalmente, jogar o ego fóra.

Entramos profundamente e quando atingimos a raiz do universo, passamos a ser o centro de todas as coisas, e então podemos perceber que tudo aquilo que jogamos fóra, não foi perdido, simplesmente se tornou periferia em nossa vida e não mais o centro de nossa vida.

Portanto, o Homem Sagrado que alcança a plenitude da vida e da consciência, não se torna incapacitado nem perde a memória, pelo contrário, ele passa a ser a raiz que tem acesso a todas as atividades, trabalhos e acontecimentos.  Ele passa a ter suas potencialidades aumentadas e não diminuídas.

Para se descobrir essa experiência não precisa se chegar até a raiz.  Existem muitas dimensões com estágios da consciência de acordo com o nível em que estamos vivendo.  De uma raiz nascem dois terminais que se expandem até o infinito, progressivamente.  Nessas infinitas expansões, existe um centro.

Na prática mística, esse mergulho ao caos primordial é gradual, leva tempo; às vezes anos vidas e mais vidas para se realizar essa viagem.  Cada vez se consegue ir mais profundamente.

Na prática mística, vemos que a consciência, em vez de se limitar, se amplia.  Não precisa se atingir o último ponto - o caos primordial - para poder abraçar todas as coisas.  Andando um milésimo, teremos um milésimo de resultado que é análogo ou similar a aquele de quem chegou até o centro, à raiz.  Apenas que, quem atinge o centro, atinge uma plenitude absoluta.  Quem alcança outros pontos, atinge uma plenitude mais limitada.  No entanto, sempre haverá uma ampliação da consciência.

Por isso, a prática da meditação é essencial.  É um instrumento para desenvolvermos nossa ascensão.

Por que se faz isso?

Porque numa condição comum, é muito difícil realizar a subida da consciência.  nossos hábitos, costumes e problemas cotidianos nos viciam.  Comportamentos de ira e de raiva fazem com que nossa consciência não transcenda.

Por isso devemos, diariamente, tirar uma hora do nosso cotidiano de vida, sem interferência de ninguém, para podermos desenvolver essa quietude interior para se tentar mergulhar no caos primordial.

Em seguida, Lao Tse diz:

Quando superior não é luminoso
Quando inferior não é vago

Uma consciência transparente não é ofuscante.  Os mestres  taoístas são humildes.  Não irradiam luzes ofuscantes.  Agem como pessoas normais.

Quem vive o Tao, vive com simplicidade.

Na verdade, nem todos os mestres taoístas chegaram ao Absoluto.  São poucas as pessoas que atingem a vida e a consciência infinitas.  Eles podem ser mestres porque já atingiram algumas escalas acima de nós, mais ainda não atingiram o centro.

O mestre taoísta vive como uma pessoa comum.

Mestre Maa, nosso mestre, durante sua vida teve vários problemas quando jovem por causa da primeira guerra mundial.  Abandonou a família, viveu só entre os 20 e 35, 40 anos.  Encontrou-se com seu mestre, entrou na floresta, se retirou, atingiu um nível bastante alto mas não chegou ao Absoluto.  Mais tarde, ele sentiu a necessidade de ter mais segurança social no sentido de ter uma família, casou-se, trabalhou e teve filhos e  viveu até se aposentar e depois continuar, paralelamente, ensinando.

No Taoísmo, a primeira coisa que se faz é cair na real.  Tentar se conhecer.  O que eu consigo, o que eu não consigo, quais são minhas necessidades de vida.  tudo isso é muito lento.  Não existem ‘receitas’ para se atingir a iluminação.

No processo de iluminação e no processo da consciência, não adianta criar falsas expectativas, criar mentiras para si mesmo.

(Aqui terminou a primeira fita do Capítulo 14 - aparentemente, a aula desse dia terminou aqui - Aula de 13 de setembro de 1994).

Aula de Continuidade ao Capítulo 14
Ministrada em 20 de setembro de 1994

Aquilo que se olha e não se vê, se chama invisível.  Aquilo que se escuta e não se ouve, se chama inaudível.  Aquilo que se abraça e não se possui, se chama impalpável.  Esses três não podem ser revelados.  Por isso, se fundem e se tornam um.  Quando superior não é luminoso.  Quando inferior, não é vago.  O Constante que não pode ser nomeado é o retorno à não-existência.  É a expressão da não-expressão.  É a imagem da não-existência.  A isso se chama indeterminado.  Encarando-o, não vejo sua face.   Seguindo-o, não vejo suas costas.  Quem mantém o Caminho Ancestral, poderá governar a existência presente.  Quem conhece o Princípio Ancestral, encontrará a Ordem do Caminho.

Na prática mística, esse trecho basicamente se refere ao “Caminho do Céu Anterior” - ao Tao do Céu Anterior.

O Céu Anterior difere do Céu Posterior porque este ultimo representa o universo manifestado e o primeiro, representa a condição prévia do Absoluto, aquilo que não tem forma, nem imagem, nem linguagem.  Não tem som, não tem corpo, não pode ser apalpado, não pode ser escutado, não pode ser visto de forma alguma.

Existe um texto intitulado “Tratado da Transparência e da Quietude Permanente”, onde se diz:

“O Grande Caminho não tem forma, e é o criador do céu e da terra.  O Grande Caminho não tem sentimento e movimenta o sol e a lua.  o Grande Caminho não  tem nome e cultiva os dez mil seres.”

O Céu Anterior não tem nome nem nada porém essa mesma natureza pode cultivar todas as imagens, criar todos os seres.

O Vaio que permite tudo existir é o Tao do Céu Anterior.

Todo o que existe é o Tao do Céu Posterior.

Se não houver o Vazio, o céu e a terra não poderiam ser criados.  Também não seria permitido ao céu e à terra entrarem em constante movimento.  Não seria permitido que o céu e a terra se reproduzissem, se alimentassem e gerassem suas reproduções, suas crias.

É nesse Vazio que todas as cosias são criadas, são movimentadas e são cultivadas e alimentadas.

Igualmente, se quisermos tornar nossa vida constante e tornar nossa consciência infinita e tornar nossas energias constantemente renovadas, precisamos possuir uma consciência do Vazio, a consciência do Céu Anterior. 

Devemos possuir dentro de nós a quietude, o Vazio, o silêncio, para que todas as nossas expressões possam ser manifestadas e não serem interrompidas.

O Céu Anterior não pode ser visto, nem ouvido, nem apalpado.  Mas pode ser sentido através de uma consciência além da consciência sensorial, além da consciência formal e racional.

Lao Tse fala fundamentalmente de uma experiência interior para sentir esse Tao, para encontrar esse Tao do Céu Anterior.  Não é possível através das palavras, das formas, da linguagem.  É preciso ir além da linguagem, além da forma, além do pensamento, para se poder sentir e perceber o que isso é.  No entanto, quem percebe o Tao não vai conseguir descrevê-lO.

Na prática da meditação, a gente utiliza a não-visão, a não-audição, e o não-toque e o não-possuir.  Para trazer a luz da nossa  visão para o interior.  Para trazer a audição para o interior, abandonando o apego físico.  Fazendo com que a consciência vá além do corpo físico.

Dessa maneira, nós deixamos a respiração fluir naturalmente, colocando a consciência dentro dessa energia que flui e, em seguida, entramos num estado de uma espécie de caos.

Dentro desse caos, surgirá uma força que não conhecíamos antes.  E essa força que surge é o que chamamos de “Matéria Prima”, que é uma energia, ou força primordial, que surge dentro de nós.  Quando essa força surge, precisamos agarrá-la, recolhê-la e trazê-la para nós.  Colocamo-nos dentro dessa força nova, fazendo uma força nova surgir dentro de nós.

O Tao do Céu Anterior não tem forma, portanto não pode ser alcançado através da forma.

Ele está além da linguagem, não podemos chegar a ele através da linguagem.

Na prática espiritual do Taoísmo, se rompe a barreira do racional, a barreira do sensorial, a barreira de tudo aquilo que costumamos viver, que estamos acostumados a sentir.  Entramos num estado que não conseguimos descrever.  Esse estado é o Caos Primordial - onde não há diferenciação, onde não há separação da consciência e da energia.

Nesse estado, encontramos essa força pura que é ao mesmo tempo, uma consciência e uma vitalidade.

Usando a linguagem da alquimia, é preciso então “recolher! A matéria prima para torná-la parte de nós.  Nós vamos naturalmente nos integrando com ela, fazendo com que essa força desconhecida torne-se nós mesmos, fazendo com que nós nos tornemos essa força até aqui anteriormente desconhecida.

A partir daí, alcança-se a experiência do Céu Anterior.

Por isso, Ele diz “se fundem e se tornam um”.

Nós vamos nos fundindo com algo que é impalpável, inaudível e invisível.  Mesmo sendo pessoas que têm visão, audição e sensação física, rompemos todas essas barreiras e encontramos o invisível, o inaudível e o impalpável.  Nos fundimos com isso e nos tornamos um só.

Esse é o retorno ao Caos Primordial, fazendo com que o caminho interior e o caminho exterior se tornem um só, fazendo com que o caminho do inconsciente e o caminho do consciente se tornem um só.  Fazendo com que o nosso manifestado e o nosso não-manifestado se tornem um só.  Fazendo com que o Céu Anterior e o Céu Posterior se tornem um.

Nesse momento, chegamos a viver uma experiência mística que não pode ser descrita em palavras.

O estado do Um, que é uma fusão entre o praticante do Tao e o próprio Tao, como seria?

Lao Tse tenta interpretar este estado quando diz:

Quando superior não é luminoso
Quando inferior não é vago

Não é uma sensação de irradiação luminosa.  Nem é uma sensação de um vazio, de um vácuo, da falta de alguma coisa.  Trabalha-se com a fusão da consciência com o sopro.  Essa é uma das características fundamentais da prática taoísta.

Quando chegamos a esse estado, atingimos uma quietude, um caos que não é propriamente uma espécie de tranqüilidade total, não é uma espécie de vácuo que se entra no vazio e não se sente mais nada.  Não é isso.  também não é a sensação de mil energias, iluminações radiantes.

Por isso, Ele diz:  Quando superior não é luminoso / Quando inferior não é vago.  Precisamos estar atentos para não cairmos nas polaridades.

O que seria esse estado do Caos?

O Constante que não pode ser nomeado
É o retorno à não-existência
É a expressão da não-expressão
É a imagem da não-existência
A isso se chama indeterminado

O Caos primordial não pode ser determinado.  Por um lado é constante, tem uma constância, essse Caos é eterno.  Mas não pode ser nomeado porque está além das palavras.

E como seria?

“É o retorno à não-existência” - Retorno além da forma e anterior às manifestações.

E a expressão dessa não-expressão é exatamente a imagem da não-existência.  Imaginamos a imagem da existência.  A imagem da pessoa.  E a imagem da não-pessoa, como seria?

Lao Tse joga com os contrários.

Não dá para imaginar a imagem da não-imagem porque imagem da não-imagem está além das imagens - então não se pode imaginar.

É preciso ir além da imaginação e então se saberá.

O que o Taoísmo interpreta como Caminho Esotérico não é o instrumento técnico, o segredo, mas sim a experiência profunda que só pode ser saboreada pela pessoa e esse sabor não pode ser transcrito, revelado diretamente.

Tudo o que Lao Tse está dizendo, está rodeando o Tao, tentando fazer com que nós usemos nossa intuição e que não leiamos ao pé-da-letra.  Ele está tentando nos dizer algo que não pode ser falado.

Em seguida, Ele diz:

Encarando-o, não vejo sua face
Seguindo-o, não vejo suas costas

Nós olhamos para uma pessoa, encarando-a no rosto.  Se a olharmos por trás, veremos suas costas.

O Tao do Céu Anterior, ao ser encarado, nada se vê.  Seguindo-o por trás, nada vemos.

Na antiguidade na China, costumava-se simbolizar os grandes mestre que alcançaram este estado com o Dragão.  O dragão chinês é diferente do dragão ocidental, do dragão de São Jorge.  O dragão chinês é uma mistura de vários animais simbólicos, chifres de veado, testa de cachorro, escamas de peixes grandes e douradas, etc.  Segundo a lenda, quando o dragão aparece no céu, está sempre envolvido em nuvens, nunca conseguimos vê-lo por inteiro.  É como uma força nebulosa.

Essa descrição é, na verdade, uma descrição simbólica que representa a experiência mística de inúmeras pessoas.  Quando o dragão aparece, surge uma espécie de luzes douradas parecendo uma cobra nadando.

Na prática mística taoísta, um pouco mais avançada, existem fenômenos de entrada de força do dragão na pessoa.  Essa força desde do céu como uma espécie de serpente de dragão, luzes douradas misturadas com outras cores, entrando e saindo do corpo da pessoa, rodeando-a por inteiro.

Parece que chove ouro, com pintinhos de chuva dourada.  Esses dourados e prateados se alternam, girando.  Essa é uma interpretação do simbolismo do dragão.

Os grandes mestres, na hora de sua ascensão, têm os grandes dragões que descem para carregá-los para o céu com corpo e tudo.  Esses são grandes dragões e não aquelas outras serpentes de luzes que envolvem o corpo da pessoa.  São dragões gigantescos, com raios e trovoadas.

O Mestre Celestial - que é o fundados da rodem Ortodoxa Unitária - teve uma ascensão assim.

Quem mantém o Caminho Ancestral,
Poderá governar a existência presente
Quem conhece o Princípio ancestral,
Encontrará a ordem do Caminho.

O que é o Caminho Ancestral e o que é a Ordem do Tao?

Caminho Ancestral é o Caminho do Princípio.  No I Ching, existem quatro palavras que representam as quatro virtudes;

 O princípio
 A abertura
 A fluidez
 A retidão

Uma pessoa que encontra o princípio, tem abertura.  Tendo abertura na vida, encontra a fluidez.  Na fluidez, é preciso ter retidão para se poder constantemente manter o princípio, abrir novos caminhos, fluir com retidão para novamente encontrar o princípio.  Assim se manifesta a infinitude.

Por isso, Ele diz:

Quem mantém o Caminho Ancestral,
Poderá governar a existência presente

Na verdade, o presente está em todos os momentos do passado, do presente e do futuro.  Normalmente, nós não vivemos o presente.  Sempre estamos vivendo em função de alguma coisa passada ou em função de alguma coisa futura.

Estamos sempre sendo pressionados pelos Karmas, vivendo uma condição atual gerada por nossos atos anteriores, vivendo em função de um passado.

O Homem Sagrado não vive em função do passado nem em função do futuro.  Ele vive o presente.

Para se poder viver o presente, é preciso superar a limitação do karma.  É preciso ter então, dentro de si, o Caminho Ancestral.  Assim sendo, se flui naturalmente no Universo com retidão.

Mestre Maa sempre nos diz:  “ Quem está seguindo o Caminho do Tao, quem flui de acordo com o Tao, suas atitudes são naturalmente atitudes de Retidão.!

Não precisamos necessariamente cumprir códigos morais para nos tornar pessoas com moral.  Uma pessoa que segue o Tao, naturalmente, seu caminho será o caminho da Retidão.  Quem está de acordo com o Tao, é impossível que tenha atitudes fóra do Tao.

O correto para o Taoísmo é o resultado de uma vivência interior e não um condicionamento de um preceito ou de uma série de preceitos.

Pode até ser que uma pessoa antes de seguir o Tao, não tenha suas atitudes assim tão “corretas”.  Mas, ao fluir com o Tao, naturalmente, terá atitudes corretas.  Sem que este “correto” seja um condicionamento ou seja uma prisão.  O correto, para nós, representa o caminho da consciência.  na consciência, caminha-se corretamente.  Caminha-se corretamente através da consciência.

Quem conhece o Princípio ancestral,
Encontrará a ordem do Caminho.

O que é a Ordem do Caminho, a Ordem do Tao?  É uma ordem que não tem princípio nem fim.

Todas as ordens, todas as organizações, todas as leis, têm um princípio e um fim.

A Ordem do Tao, como Lei do Universo, é a Lei da Infinitude, ou seja, uma ordem que não tem princípio nem terá um fim.

Quem vive e conhece o Princípio Ancestral, encontra a Ordem da Infinitude.

Isso foi o Capítulo 14.

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FOTO: Lírio-do-Brejo - by Janine Milward

O Capítulo 14 foi ministrado em duas Aulas por Wu Jyh Cherng
Na Sociedade Taoísta do Brasil, Rio de Janeiro, em 13 e em 19 de setembro de 1995
Aulas transcritas e sintetizadas por Janine Milward

TAO TE CHING

O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE

Lao Tse, o Mestre do Tao

Tradução e Interpretação do Capítulo 14
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG

Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil, 
Rio de Janeiro, em 13 e 19 de setembro de 1994

Transcrição e Síntese de Janine Milward

A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng, 
do chinês para o português,
 e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje  publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil

Nesta mesma Editora, encontra-se 
a realização da publicação das interpretações de Wu Jyh Cherng
 acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching

 
O Capítulo 14 foi ministrado em duas Aulas por Wu Jyh Cherng
Na Sociedade Taoísta do Brasil, Rio de Janeiro, em 13 e em 19 de setembro de 1995
Aulas transcritas e sintetizadas por Janine Milward