O Caminho é eterno e não tem nome

TAO TE CHING - O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
LAO TSE, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 32
do Tao Te Ching, de Lao Tse, por WU JYH CHERNG
Capítulo 32
O Caminho é eterno e não tem nome
É genuíno e embora pequeno
O mundo não tem coragem de dominá-lo
Se reis e príncipes pudessem preservá-lo
Os dez mil seres iriam por si próprios obedecer
Quando o céu e a terra unem-se
Para escorrer o doce orvalho,
O povo não pode interferir nisso, que por si é uniforme.
O princípio domina a existência e o nome
Então o nome passa a existir
E irá também saber cessar
Sabendo cessar não perecerá
A relação do mundo com o Caminho
É como a dos riachos e dos vales
Com os rios e mares
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Este Capítulo, apesar de pequeno, é bastante complexo.
O Caminho é eterno e não tem nome
O Tao, o Absoluto, além de ser um Caminho a ser seguido é também o próprio Caminho que fazemos, que percorremos. Essa busca não tem forma nem limitação; pode acontecer em qualquer lugar, em qualquer época, sob qualquer forma... porque o Tao é o Absoluto e o Absoluto é eterno, atemporal.
Em ‘O Caminho é eterno e não tem nome’ existem duas palavras-chave: Caminho e eterno.
A palavra ‘Caminho’ nos lembra três coisas:
- O caminho é uma via para alcançarmos um objetivo
- O Caminho é uma via por onde vivemos e caminhamos
- O Caminho é aquele que estamos caminhando ou aquele que só existe se estivermos nele caminhando.
A partir daí, teceremos esse Caminho, essa Realização - que só existe quando fazemos o caminho. E o Caminho é eterno. Por ser eterno, faz com que a própria realização seja eterna e a própria vida que existe nesse caminho, seja eterna. A caminhada é eterna, está além do espaço e da limitação do tempo.
O Caminho é aquele que realizamos e existe porque caminhamos. Podemos, entretanto, caminhar para qualquer direção, por qualquer meio, em qualquer lugar. Assim, o Caminho está em toda a parte. Isso nos faz entender que o Tao é o Absoluto e o Absoluto está em todos os lugares e em todos os tempos, podendo ser de qualquer forma e não se limitando a nenhuma forma. E não tem nome, não pode ser limitado por uma ou outra linguagem.
Por isso, Lao Tse diz: O Tao é eterno e não tem nome.
E continua:
É genuíno e embora pequeno
‘Pequeno’ significa essência. O átomo é pequeno e cabe em tudo, em tudo existe o átomo. O Tao é a essência de todas as coisas, é algo que, apesar de invisível, está por detrás de todas as coisas e está em toda a parte. Por isso é pequeno, é genuíno, é algo puro. Existe Tao num cachorro, numa pessoa, numa montanha, no rio. Podem o cachorro e a pessoa ser diferentes, mas o Tao que neles existe, é o mesmo.
Lao Tse quer nos dizer que a essência, a existência, é única embora as coisas sejam diversas e diferentes em diferentes épocas e lugares.
O mundo não tem coragem de dominá-lo
O mundo não tem força para dominar, para inibir ou para não permitir que essa essência, essa síntese, se manifestar. Ou seja, é impossível fazermos com que o Tao seja limitado de uma maneira ou de outra. O Tao está em toda parte.
A prática espiritual do Taoísmo enfatiza que precisamos encontrar essa essência. Precisamos encontrar essa síntese, essa essência que está por detrás de todas as coisas, de todos os seres. Sabendo encontrá-la, encontraremos uma consciência que é comum a todos e encontraremos também a energia que é comum a todos. Essa consciência e essa energia - no estado de essência - não são separadas, ou seja, na essência, a vida e a consciência são a mesma coisa.
Esse algo que Ele chama de ‘genuíno’ e ‘pequeno’ é uma consciência pura e uma vida pura que existem, que é o próprio Tao, eterno, sem nome, que está em toda a parte e que apenas podemos senti-lo, percebe-lo e vivenciá-lo - uma vez vivamos o Tao.
Como viver o Tao?
Praticando. Praticando na vida cotidiana, através da meditação, em cada gesto, procurando sensivelmente perceber, sentir a presença do Tao nas pessoas, nos seres, nas coisas, em tudo o que se possa e não possa imaginar. Em tudo se encontra o Tao.
Dessa maneira, podemos viver no mundo diante das adversidades e das diferentes pessoas e concepções, a tudo encarando com o mesmo espírito e o mesmo sentimento. Porque nossa relação com o mundo como um todo se dará pela essência e não pela periferia ou pela superficialidade.
Normalmente, tendemos a julgar o certo e o errado pela forma e imagem que a situação é mostrada e não pela essência, ou seja, a intenção ou o sentimento contidos na situação.
Se encararmos tudo o que existe no universo pela sua essência, chegaremos à conclusão de que tudo é igual. Não existiriam então da discriminação e o preconceito e existiria sim uma aceitação e um respeito em relação a tudo e a todos, através das diversas formas de expressão existentes no mundo.
Essa é a concepção essencial do Taoísmo. E como se posiciona o Taoísmo - enquanto ensinamento místico ou como religião - diante das outras religiões e dos outros pensamentos?
De forma igual. O Taoísmo vê todas as religiões e doutrinas místicas como infinitas e variáveis expressões naturais existentes. E vê que, por detrás de todas elas existe uma essência comum a todas. E entende que não é porque a essência é comum que todas suas expressões sejam iguais. A expressão não é igual. A essência é que é igual. O Taoísmo confraterniza pela essência mas não precisa necessariamente misturar as linguagens. O Taoísmo é uma tradição que enfatiza que cada pessoa deve encontrar - entre as inúmeras linguagens - aquela linguagem que mais lhe convém para sua realização e através da linguagem escolhida, alcançar sua essência. E ao mesmo tempo reconhecer, em última análise, que a essência de todas as religiões e doutrinas místicas, é a mesma. No entanto, reconhecer que o caminho para se alcançar essa essência, não é o mesmo - porque a expressão é diferente.
O Taoísmo respeita, portanto, todas as expressões porque todas elas são um caminho para se chegar à essência. Interiorizando-se sob uma forma ou outra forma, chega-se à essência. A essência é igual. Como se fosse uma grande pirâmide de quatro faces e inúmeros caminhos e escadarias para se atingir a cúspide.
Entretanto, o Taoísmo não é a favor do sincretismo das tradições, das linguagens. Porque cada linguagem é um caminho e cada caminho desencadeia mecanismos que nos leva a caminhar. Como numa corrente, anda-se elo após elo.
O Taoísmo considera, então, que cada tradição se expressa com sua própria característica e que o aprendiz precisa intuitivamente e racionalmente buscar sentir e encontrar o seu caminho e escolher um só caminho para poder atingir assim, a profundidade das coisas. É na profundidade que se encontra a essência. E, uma vez se encontrando a essência, alcança-se o estado Universal. Nesse estado, podemos até compreender as expressões das outras tradições. Antes desse estado, apenas se consegue fazer a mistura das expressões.
Cada expressão tem o seu próprio encadeamento. Nós não precisamos ter todos os caminhos dentro de nós. Precisamos apenas de um caminho no qual nos definimos.
Como podemos perceber se estamos no caminho certo?
Através da nossa real transformação.
O que se transforma em nós?
Nossa energia, nossa emoção, nossa mente. Numa realização espiritual real, no final de nossa vida, sentimos que essas transformações aconteceram. No entanto, se as pessoas saem e entram em várias tradições, as transformações não acontecem, ou acontecem no sentido de trazer às pessoas a fragmentação e a frustração do não-desenvolvimento. Apegos, medos emoções incontroláveis não devem mais existir no final da vida por causa da real transformação.
Ao morrermos e transmigrarmos para outra vida, os conhecimentos intelectuais religiosos não ajudarão em nada. O que realmente nos ajuda - mesmo que não atinjamos a iluminação - é a real transformação, é aquilo que muda em nós, ou seja, a aproximação da nossa consciência à essência: quanto mais próximos estivermos na consciência essencial, menos loucuras teremos e mais genuínos, mais transparentes seremos interiormente.
O curso natural de uma vida é geralmente o inverso. A criança nasce com pureza e genuinidade. Quanto mais vive, mais os complexos e neuroses vêm à tona. A vida vai ficando mais pesada e mais periférica.
E o que é o Caminho espiritual? O que é o Tao?
É tentar resgatar e retornar a esse princípio, retornar à essa essência. Para isso, ao iniciarmos a busca, precisamos ver qual é o caminho que melhor se adapta a nós para irmos mais e mais profundamente.
O Taoísmo é um dos caminhos que existem. O caminho do Taoísmo não se diz ser o melhor dos caminhos. O melhor caminho é aquele que cada pessoa escolhe. O melhor caminho para a pessoa que se sente Taoísta é o Taoísmo.
Como cada caminho é um veículo para transmutar nossa mente, nossa emoção, nosso corpo... nossa energia, para nos transmutar essencialmente, devemos usar o veículo com seus recursos e potencialidades para a transmutação e não apenas para adquirir conhecimentos sobre esse veículo, ou seja, sobre um caminho.
Desde que nascemos estamos envolvidos por uma grande ilusão que faz com que vivamos no estado da ignorância e do sofrimento. Estamos limitados pela vida, pelo envelhecimento, pela doença e pela morte. Dessa maneira, não temos tempo a perder, temos urgência em nos realizar.
Lü Tzu disse que mesmo começando cedo, já está tarde. Começar o que? Começar a nos trabalhar, tentar nos transformar. E como somos muito limitados em forma, linguagem, tipo de personalidade, precisamos encontrar um veículo ideal para nos adaptar a ele e o utilizarmos para a nossa transformação. No final da caminhada, não precisaremos mais do veículo porque nos tornaremos o próprio veículo.
No cristianismo, Jesus Cristo se realizou a tal ponto que se tornou Ele mesmo um caminho para os outros. E ele seguiu o seu próprio caminho.
Quem chega à plenitude da realização, pode se tornar um caminho para os outros.
O Taoísmo não pretende ser a única verdade. Mestre Maa fala sobre a imparcialidade do Taoísmo, quando diz:
Para o Tao, quando o homem deseja a vida, encontra a vida
Quando o homem deseja a morte, encontra a morte.
Nosso caminho é nossa responsabilidade. Disso surge a concepção do Karma no Taoísmo: o que vivemos hoje, formulará o nosso amanhã. Nós somos os responsáveis pelo nosso caminho.
A interferência que existe nesse caminho vem através da forma de ensinamentos: ensinamentos visíveis e ensinamentos invisíveis, transmitidos pelos mestres e pelas divindades, uma espécie de força que nos perpassa de uma maneira inconsciente: a palavra, o silêncio, a expressão do céu e da terra, a água da montanha, a natureza, o sentimento humano. Aprende-se através dos próprios erros e através dos erros dos outros.
Em seguida, Ele diz:
Se reis e príncipes pudessem preservá-lo
Os dez mil seres iriam por si próprios obedecer
Eis aqui o conceito social do Taoísmo: é muito melhor ganhar a confiança e respeito das pessoas pela virtude e não pela força.
Quando o céu e a terra unem-se
Para escorrer o doce orvalho,
O povo não pode interferir nisso, que por si é uniforme.
Quando a energia do céu e da terra se toca, quando a energia da terra sobre para o céu, quando a energia do céu desce para a terra - essa troca de energias, do Yin e do Yang no cosmos - , faz com que a terra fique repleta de vida: o orvalho representa a vida. de madrugada, podemos ver as gotas de orvalho nas folhas porque cedo pela manhã a energia do sol desce e a energia da terra sobre para o céu e esse choque térmico na linguagem do Taoísmo, é a troca de energia do Yin e do Yang, fazendo essa união surgir em gotas de orvalho... gotículas de água repletas da energia da Unidade.
O orvalho possui muita força vital em si. É um fenômeno natural, espontâneo e a ordem humana não pode interferir e sim, integrar-se.
Na prática espiritual também isso acontece. Quando nosso céu e nossa terra se unem dentro de nós, quando nossa consciência se une com o nosso sopro, as gotas de orvalho surgem dentro de nós. E seu surgimento nos traz uma energia vital tão grande, tão rejuvenescedora, tão viva, que não pode ser interferida pela ordem racional ou mental.
Por isso, na nossa prática de meditação, devemos ficar passíveis, totalmente quietos, para não interferirmos em nada, para que nossa Consciência se una ao Sopro e dessa união se apresente uma matéria-prima como se fosse uma gota de orvalho repleta de energia vital. Uma seiva da terra que surge dentro de nós em nossa prática espiritual. E surge quando nossa Consciência está fundida ao nosso Sopro Vital.
O Yang da consciência unido ao Yin do Sopro Vital.
(Aqui terminou a Aula deixando, portanto, os dois últimos versos do Capítulo 32 sem interpretação - Nota da Transcritora, Janine).
O princípio domina a existência e o nome
Então o nome passa a existir
E irá também saber cessar
Sabendo cessar não perecerá
A relação do mundo com o Caminho
É como a dos riachos e dos vales
Com os rios e mares
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Foto: SÍTIO DAS ESTRELAS, Janine Milward
TAO TE CHING
O LIVRO DO CAMINHO E DA VIRTUDE
Lao Tse, o Mestre do Tao
Tradução e Interpretação do Capítulo 32
do Tao Te Ching, de Lao Tse,
por WU JYH CHERNG
Transcrição e Síntese de Aula Gravada na Sociedade Taoísta do Brasil,
Rio de Janeiro, em 28 de fevereiro de 1995
Transcrição e Síntese de Janine Milward
A tradução dos Capítulos do Tao Te Ching foi realizada por Wu Jyh Cherng,
do chinês para o português,
e foi primeiramente publicada pela Editora Ursa Maior,
sendo hoje publicada pela Editora Mauad, São Paulo, Brasil
Nesta mesma Editora, encontra-se
a realização da publicação, das interpretações de Wu Jyh Cherng
acerca os 81 Capítulos da obra máxima de Lao Tse, o Tao Te Ching